Um disco chamado The Brasil Session (2015), mas que não foi feito por um brasileiro. Que foi gravado em São Paulo, mas não tem todas as músicas cantadas em português. Este é o terceiro e mais recente álbum do haitiano Vox Sambou, que fez uma breve passagem pelo país em junho e conversou com o Mad Sound sobre a própria produção musical e a relação com o arte brasileira.

Com letras em criolo, francês, inglês, espanhol e português, Sambou se reinventa a cada canção para falar sobre unidade, solidariedade e sobre o legado de seus ancestrais. O chamado “embaixador do hip-hop haitiano” se conecta ao Brasil por tais sentimentos, e busca referências na música negra do país, com Jorge Ben Jor e os Racionais MC’s como principais inspirações.

Abaixo, leia a nossa conversa com Sambou na íntegra.

Mad Sound: Acho que, para os brasileiros, a primeira coisa que chama atenção no seu trabalho solo é a relação com o nosso país. Seu último disco, inclusive, se chama The Brasil Session (com a escrita do nome do país em português, o que amamos!) e foi gravado em São Paulo. Como nasceu esse interesse pelo Brasil?

Vox Sambou: Em 2005, conheci Liliane Braga, uma ativista cultural brasileira em um simpósio de hip-hop em Havana [capital de Cuba]. Nós conversamos e daí surgiu o desejo de fazermos algo juntos.

Naquela época, eu era o diretor da Maison de Jeunes de la Côte-des-Neiges, um centro comunitário de jovens em Montreal, no Canadá, e por isso convidei Liliane e dois artistas de São Paulo, Panikinho e Gaspar, para fazer workshops com os meninos de onde eu trabalhava.

Depois, a relação só se fortaleceu quando Liliane organizou a 1ª turnê do Nomadic Massive [ex-grupo do Vox] no Brasil, em 2008. Durante a passagem por São Paulo, também tivemos a oportunidade de realizar workshops em um centro de detenção juvenil na Zona Leste e um dos jovens de lá me apresentou ao trabalho do Mano Brown, dos Racionais MC’s. Desde então sou um apaixonado pelo trabalho deles.

MD: No seu último show em São Paulo, que aconteceu em junho, você contou com a participação de Luê, e, o seu disco mais recente conta com uma aparição de Rael. Como se deram esses encontros musicais?

VS: Assim como Liliane, Rael foi um dos meu convidados para workshops no centro de jovens em Montreal. Nossa primeira colaboração aconteceu em “Fui”, música de Rael em que eu fiz um verso, e desde então a parceria continua.

No ano passado, tive a oportunidade de participar da Semana Internacional de Música de São Paulo, uma experiência maravilhosa onde conheci Luê e André Sampaio, que também participou do meu show.

MD: E quem são os outros artistas brasileiros com quem você gostaria de colaborar? Quais são suas principais referências na música nacional?

VS: Eu realmente amo o trabalho do Jorge Ben. Também posso citar Ellen Oléria, Liniker, Luciane Dom, Indiana Nomma, Afro Jazz, Criolo, Bixiga 70, Aláfia, Emicida e Alma Djem.

MD: Falando um pouco sobre a música haitiana, quais são as principais características regionais que você carrega na sua música?

VS: Minha música é uma fusão do ritmo tradicional haitiano misturado ao hip-hop e ao reggae. Eu trabalho com ritmos de petro e mayi, que fazem parte de religiões africanas e são ouvidos pelos agricultores haitianos enquanto trabalham e agradecem aos ancestrais.

MD: Se tivesse que definir o cenário musical do Haiti em poucas palavras, como o faria? E quais outros cantores haitianos indicaria para alguém interessado em conhecer a música do país?

VS: Uma música feliz, misturada com coragem e resistência. Aqui uma lista do que vocês podem escutar: Azor, Tropicana D’Haiti, Setentrional, Coupe Cloue, Abojah, Doc Fila, Emrical, James Germain, Ram, Emeline Michel, Princesa Eud, Guillaume Rutshelle, Fabrice Rouzier, Niska, Mano Beats e Gardy Girault.

MD: Você tem letras em criolo, francês, inglês, espanhol e português. Como é compor nessas diferentes línguas? O processo criativo é diferente em cada um dos casos? E você acha que toda essa diversidade faz com que uma quantidade maior de pessoas possa se identificar com o seu som?

VS: Meu processo para criar é muito simples. Eu me liberto para me inspirar. Acredito que nosso corpo é um veículo, e que o seu papel é receber e enviar mensagens. Então acho que não há muitas diferenças entre uma língua e outra, pois não penso em linguagens quando estou criando.

MD: Nas músicas, você fala bastante sobre unidade, solidariedade e o legado dos seus ancestrais. Para você, qual o papel da música em um mundo que fica cada dia mais complicado em termos políticos e sociais?

VS: Ainda é muito difícil fazer as pessoas entenderem que a nossa sobrevivência depende da solidariedade. Não importa se alguém é do Canadá, do Haiti ou do Brasil. Somos todos iguais, somos humanos. Todos ansiamos pelo mesmo amor, pela mesma liberdade de decisão, expressão, pelo mesmo respeito. Todos nós queremos dar aos nossos filhos uma vida melhor e sair em paz. A diáspora africana é diversa, mas a injustiça contra um de seus membros é uma injustiça contra todos eles. E eu tento resumir um pouco de tudo isso nas minhas músicas.