A falta de representatividade LGBTQ+, principalmente de jovens negros e periféricos na frente e atrás dos palcos e telas, infelizmente, não é novidade pra ninguém. Muitos dizem que é preciso ter essas pessoas tendo oportunidades, mas são poucos que se disponibilizam a dar visibilidade e remuneram esses artistas.

O Mad Sound conversou com três de vários coletivos, grupos, festas e iniciativas LGBTQ+ que estão revolucionando a cena artística brasileira criando seus próprios espaços e colocando sob holofote artistas que representem sua luta e arte.

Gleba do Pêssego

“A Gleba do Pêssego, é um grupo criativo com foco no audiovisual, composto por 8 realizadores vindos das periferias da Grande São Paulo e membros da sigla LGBT+. O grupo busca representar nas telas as vivências de pessoas fora dos padrões da sociedade, sempre fazendo uma crítica às opressões sofridas no cotidiano por elas e ao mesmo tempo trazendo o lado leve da vida.”, diz o coletivo em nota.

“A Gleba do Pêssego se formou em 2015, na Turma XI do Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias, incomodados com a falta do protagonismo negro, LGBT+ e da população periférica na frente e atrás das câmeras. O circuito audiovisual ainda possui pouquíssima presença das periferias e os membros sentem  orgulho de conseguir se apropriar da linguagem audiovisual e ocupar espaços como festivais,  mostras de cinema e no mercado audiovisual.”

A Gleba tem uma lista de incríveis produções, incluindo o documentário Negritudes Brasileiras, feita em parceria com a youtuber Natály Neri e o projeto Creators For Change do YouTube, e conquistou recentemente o Grande Prêmio 2020 com o curta-metragem Bonde. No curta, três jovens negros da favela de São Paulo vão se libertar na vida noturna da cidade, e a música invade quase todos os momentos da produção, parecendo se tornar um personagem ao lado dxs protagonistxs do filme.

“A música é parte essencial na construção do Bonde por várias razões. Na vida das três personagens do Bonde, a música entra como uma forma de exorcizar todas as opressões que eles sofrem diariamente, no filme construímos em especial a relação deles com o funk, um gênero tão presente na juventude de periferia e que está sempre em mutação”, explica o diretor Asaph Luccas.

“Durante a criação do filme eu passei muito tempo no Soundcloud ouvindo remixes e funks que a gente não acha em plataformas de streamings pra chegar em referências que pareciam com as que eu ouvia em festas como Batekoo e Chernobyl, festa na qual Eric (que interpreta Raí) é DJ. Mano DJ, MAFFALDA (puts ele tem um remix arrocha de “Infinity” do Summer Eletro Hits que eu não tirava do repeat) e .enzo foram artistas que ouvi muito enquanto imaginava o universo do filme. Foi aí que inclusive cheguei até o .enzo pra convidá-lo pra fazer nossas trilha, que na minha cabeça era uma mistura de música clássica e ambiente com funk e tenho muito orgulho do que ele construiu pro filme. E a antena pras transformações constantes do funk continuam ligadas pra caso tenhamos a oportunidade de expandir esse universo do curta, onde a relação deles com a música fica ainda mais aparente e que também nos dará a oportunidade de explorar outros gêneros musicais que eles amam, como por exemplo o trap.”

Tr4v4d4

“Ela [Tr4v4d4] surge como uma festa em 2018, já faz quase três anos que nós temos esse projeto. Porque a gente era vários artistas da cidade, né? E nós não estávamos sendo chamadas pra várias festas, pra vários rolês, e então a gente criou um espaço para que a gente consiga dar espaços e colocar em visibilidade, perspectiva as corpas negres e travestigênere.” diz a mineira Vita Pereira, curadora da Tr4v4d4 e que se apresenta em suas palavras como “uma multi-artista, travesti, preta, formada em pedagogia, edificações, teatro, estilista, dançarina, DJ, produtora cultural, modelo, escritora, dramaturga, cineasta, performer que usa seu corpo como ferramenta política de destruição e construção de outros mundos possíveis para corpas travestigênere e corpas negres”

“Ela surge em Araraquara, no interior de São Paulo, uma festa organizada por travestis pretas, por pessoas negres, que chama não só somente produção, fotógrafos, todo mundo é negre e trans, mas também as pessoas que se apresentam DJs, performances, são pessoas negras, e trans e travestigêneres. Então também temos o TransFree que as pessoas trans não pagam pra entrar nas nossas festas. E é uma festa que, não dar voz, a gente não trabalha com esse sentido, mas é dar espaço para que esses artistas e narrativas sejam respeitadas (…) não só dar espaço mas valorizar a arte dessas pessoas com remuneração. Ela surge como uma festa para financiar (clique aqui para acessar a vaquinha da festa) projetos e sonhos de pessoas trans e negres, e o primeiro projeto que a Tr4v4d4 financiou foi o Morada das Ixtranhasdocumentário [dirigido por Vita] que conta a trajetória e resistência da Casixtranha, que é um coletivo da cidade que diáloga com a cultura ballroom.“, explica Vita.

A festa está atualmente tendo sua segunda edição online durante a pandemia, contando com uma programação diária de 15 à 28 de junho. “Foi uma forma da gente continuar se movimentando mesmo nesse tempo de isolamento”, explica Roma, uma das performers do Tr4v4d4 Em Casa e parte da coletiva transmídia Casa Nena. “A arte pra muita gente serve como uma fuga da realidade e como alívio das frustrações que a gente tem passado, mas no nosso caso de pessoas produtoras da arte dissidente, trans e preta a arte sempre foi, ao contrário de uma fuga, uma ferramenta de sobrevivência. Então se movimentar criando esses espaços que fortalecem nossa arte, ajudando as manas que tão numa situação mais vulnerável e ainda colocando a gente num local de protagonismo é essencial.”

MARSHA!

“A MARSHA! é uma coletividade sociocultural composta por pessoas trans que vem falando sobre restituição e prosperidade da VIDA transgênera, construindo ações afirmativas para a comunidade LGBT desde 2018 em São Paulo.”, explica o grupo, que tem todas suas idealizadoras em destaque no perfil do Instagram. “Nesse contexto de pandemia temos feito Festivais online, o primeiro aconteceu nos dias 4 e 5 de Abril e com ele levantamos uma campanha de financiamento coletivo que arrecadou 42 mil reais para distribuição de cestas básicas e subsídio para mais de 50 artistas LGBT e produção do festival. Até o momento, mais de 100 artistas LGBT passaram pela MARSHA! e mais de 80 mil reais de capital re-distribuído entre a população LGBT. Dessa forma, seguimos nos articulando sem nenhum tipo de patrocínio, porém, nos mantendo fiéis ao propósito inicial de tudo: Um coletivo transcentrado pensando estratégias de sobrevivência para comunidade LGBT brasileira, como única alternativa de nos mantermos vivas diante da pandemia.”

“Estamos indo para a nossa 4a edição do Festival, o MARSHA PRIDE!, em celebração ao mês do orgulho LGBT, que acontecerá nos dias 26, 27 e 28 em parceria com outras coletividades, incluindo a Afrobapho, Mídia Ninja e a Plataforma GENTE, da Globo (…) As pessoas podem colaborar fortalecendo em nosso financiamento coletivo, com patrocínio, apoios, parceria, qualquer ação que possa ajudar a ecoar nossas vozes, em busca de garantir sobrevivência. Sendo a comunidade trans a mais invisibilizada e marginalizada na sociedade, se pergunte o que você pode fazer, efetiva e radicalmente, para mudar esse quadro. Contrate pessoas trans, apoie iniciativas independentes de pessoas trans, compartilhe seus privilégios com quem nunca teve nenhum. É sobre posicionamento e ações efetivas.”

Para contribuir com a MARSHA!, clique aqui para o financiamento coletivo, e o aqui e-mail para Paypal.

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