A multi-artista baiana de 25 anos, Jadsa, não é um novo rosto na cena musical brasileira, mas segue crescendo, surpreendendo, e entrando mais em contato com ela mesma, resultando em uma das figuras mais genuínas e criativas a compartilhar com o mundo sua arte no momento.

Em 14 de julho, a artista e o também multi-artista do Baiana System, João Milet Meirelles , (também produtor do próximo disco de Jadsa, Olho de Vidro) lançaram no Bandcamp, via Balaclava Records, o EP TAXIDERMIA vol. 1, e nessa sexta, 21, o projeto chega à todas as plataformas de streaming.

Em uma verdadeira submersão na arte sendo traduzida através do EP, Jadsa também se prepara para lançar seu próximo disco e em meio disso tudo, reflete em entrevista para o Mad Sound, sentimentos de estranhamento e vergonha causados pelo isolamento, e críticas e recomendações sobre o Mês da Visibilidade Lésbica.

Em uma tarde chuvosa de segunda, após uma rápida conversa a respeito da qualidade de Internet durante a chamada, o questionamento a respeito da escolha da curiosa palavra taxidermia para batizar o EP, o primeiro de uma série, vem a tona, “É exatamente isso, essa onda do isolamento, né? Porque querendo ou não você tá se preenchendo, você preenche um animal de nada”, explica a artista. “E nesse caso, o nome taxidermia se não fosse material de dentro que é utilizado, seria chamado de empalhar, e é taxidermia porque é uma espuma dentro. E o olho de vidro de a última parte de uma taxidermia animal que é o título do meu disco que eu vou lançar agora também.”

Apesar da inspiração do projeto ter sido fruto do isolamento que boa parte do mundo vêm enfrentando há alguns meses, Jadsa compartilha detalhes da concepção do projeto, que começou antes do caos em que vivemos, “A gente começou a gravar o disco do Red Bull. Eu consegui esse espaço pra gravar meu disco dai também fui contemplada pelo Edital de Natura, então começamos a gravar o disco no Red Bull, veio Natura, e dentro dessa experiência de gravar o disco no Red Bull a gente teve dez dias de gravação e a gente gravou no total umas 21 faixas assim. Bastante música. E a gente foi gravando o que deu na telha, uma doideira. E aí dentro disso eu gravei várias vozes pq pelo menos a gente teria essa qualidade da voz mesmo, boas com microfones bons e tal, ai gravei várias músicas só voz né, e nós fomos escolhendo depois, no ínicio selecionamos três, mas a gente tinha só selecionado e começado a fazer algo.”

“Então chegou esse momento da quarentena e a partir de fevereiro a gente começou a mergulhar na TAXIDERMIA, no isolamento, pra tirar proveito disso. E o projeto realmente narrou e narra o que a gente tá vivendo, o que a gente tá passando. Um pouco também pelos preconceitos que estão acontecendo, os absurdos”, completa.

Como a artista mesma disse, se mergulhar na TAXIDERMIA foi necessário, e ao compartilhar a experiência do projeto com ela, ressaltando sua natureza um tanto quanto sensorial e até cinematográfica, Jadsa compartilhou as referências do EP, “Total, que foda, que bom saber o que tu achou do projeto porque a gente vai mergulhando em algumas referências e algumas delas não são muito vivas assim para as pessoas né, não tão no mundo das pessoas. E você realmente tocou num ponto foda né, esse lance da textura, pq a gente pira muito na sonoplastia né. A gente se conheceu no teatro aqui em Salvador, que foi o teatro Vila Velha, e a gente se conheceu fazendo música pra teatro, e é muito dessa textura, tem que ser vivo, tem que ser presente, tem que dar a ideia real. E a gente tentou realmente mergulhar nessa ideia sensorial de você escutar um baixo, e você sente uma tensão, então é trocar os sentidos né. É quase tátil, o som.”

Ainda dentro do projeto, o enredo do projeto instiga, e o ouvinte é capturado imediatamente pela, literalmente, quente “Sou Gente”, a minha faixa favorita, e de Jadsa também, “[‘Sou Gente’] foi a primeira que eu e João conseguimos escolher, foi a primeira que foi finalizada então ela realmente assim, coube como a primeira de tudo. E a ideia de ser essa música como a primeira e ‘QUIETACALADA’ como último não é ser prioridade de ser gente, de ser quente e sensível, e mais uma explicação minha, porque tudo que eu canto, tudo que tá ali saiu de mim, então foi mais uma necessidade minha de falar um pouco que por mais que eu seja quente, gente, eu também sou queitacalada, eu também sou observadora, então às vezes o meu querer estar perto não é um fervor, é com uma tranquilidade de me situar e que as pessoas se situem assim. Então é uma continuidade de ‘Sou Gente’, falando da gente, dos pretos, de nóis, né. E ‘QUIETACALADA’ é falando de mim, assim.”

“Mas têm, segue esse enredo, até porque em ‘SECANTE CAJU’ mesmo, a convidada foi chamada por isso por ter uma linguagem com o caju, por ser nordestina e entender a importância da fruta, assim como eu e porque no Olho de Vidro, ‘SECANTE CAJU’ tá como interlude em uma música ‘Mangostão’, que uma outra fruta, no caso. E ela vêm bem corrida, ela não é mais um rap, eu sinto como um pagode rasteira. Dai eu fiquei pensando muito no formato que ela vem no Olho de Vidro, e convidei Jéssica Caitano por tudo isso assim, e dirigi ela também pra ela fazer os lances, e ela também escreveu muito certeiro assim. Então as músicas tem uma ligação, uma compreensão de cada colaborador, tem um enredo”, explica.

Ao mergulhar no EP junto à Jadsa, é impossível não avistar no horizonte seu próximo disco, mas se aprofundar no projeto desperta um novo sentimento na conversa, “Ai que vergonha falar assim, eu acho muito doido. É engraçado, não dá pra ver nada aí você fica falando olhando pras coisas (risos).”

Mas não muito tempo depois, a vergonha dá lugar para a animação e paixão, “Olho de Vidro, eu posso dizer que é um disco orgânico, ele tem uma interferência eletrônica assim pelos efeitos vocais, de reverb e instrumentos orgânicos né e o Olho de Vidro foi composto, estudado e ensaiado por uma banda que me acompanha em São Paulo que se chama POWER 7, é uma banda que tem sete pessoas e nesse disco orgânico ele tem muitos arranjos que envolvem um reggae, o rock e o samba de uma maneira bem intuitiva e bem natural também, nenhuma forçação de barra.”

“O disco também vem com uma ideia que tem uma junção de pessoas, então tem muitos muitos participantes tem Sérgio Machado, do Metá Metá, então temos uma música com duas baterias, Ana Frango Elétrico, Luiza Lian, Raíssa Lopes, uma galera assim, convidados, tem bastante gente”, revela. “E é um discão, é um disco de 14 faixas. Ainda não tem data, pelo fato de ser por um edital, então tem várias burocrácias, até o edital liberar, então estamos esperando essa indicação. Mas o disco já tá protatalmente pronto, as fotos já tão prontas, só falta encaminhar (risos).”

Ao chegar em um ponto com diversos projetos incríveis na carreira, parece ser inevitável olhar para trás e observar o que mudou, e o que se manteve no jeito de criar arte, “No Godê eu falava muito de mim de uma maneira muito rasa, uma sensação, uma paixonite aguda por uma mina, uma ansiedade muito gigantesca de não saber controlar. E o Olho de Vidro e TAXIDERMIA tem composições muito metáforicas, porque eu lido muito com esse lado superficial mas vou aprofundando em uma palavra, ou em uma fruta, uma suposição, uma ideia, um acontecimento, é muito metafórico.”

Encaminhando para o final de nossa entrevista, conversamos a respeito do ser uma artista lésbica no meio musical, um tópico que precisa ser abordado sempre, e não somente agora, no mês da Visibilidade Lésbica, o que a artista concorda, “Não existe somente o mês de agosto, o mês da Visibilidade existe mas a gente precisa trabalhar no resto do ano, conversar como a gente tá conversando aqui, e precisa rolar mais oportunidade sim, além da escolha da pessoa né, além do que ela é, e mais pro que ela faz, pro que ela escreve, se é acessível, se é bom, se é ruim. Ter uma crítica humana e tratar todos iguais e não somente por ser uma lésbica no mês de agosto.” Jadsa também compartilha conosco artistas incríveis para apoiar, ouvir e se inspirar não só em agosto, mas sempre, confira sua seleção aqui.

Ao nos despedir, rimos e concluímos o quão estranho é conversar com alguém em meio ao isolamento, mas como falamos, foi ótimo “lembrar como se fala português”, com Jadsa e, nesse caso, conhecer através da escuta seu mundo que não para de expandir, e nós não paramos de querer acompanhar.

Confira aqui o EP TAXIDERMIA vol. 1, de Jadsa e João Milet Meirelles.

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