L’Homme Statue, vulgo Loïc Koutana, está em todo lugar. Campanhas de moda, vídeos no YouTube e IGTV, Tik Tok, na festa Mamba Negra, nos palcos de uma turnê mundial com o Teto Preto, e muito provavelmente em seu feed do Instagram.

Durante os últimos meses, no entanto, Loïc está como a maioria de nós, em casa, fazendo o possível para continuar se expressando artisticamente, e aprontando os detalhes para o lançamento de seu primeiro disco Ser, previsto para o segundo semestre desse ano.

Foi em uma tarde ensolarada durante a pandemia que o Mad Sound conversou com L’Homme Statue sobre seu primeiro e novo álbum, sua infância musical, suas diversas facetas artísticas, histórias raramente contadas sobre momentos díficeis em sua jornada, e o futuro de um dos artistas mais interessantes e queridos dessa geração.

A conversa se inicia com um clássico “como você está?”, só que em francês. O [francês] de Koutana, fluente, o meu, um pouco enferrujado, mas para o artista parisiense, está ótimo.

Ao recapitular sua infância, sendo embalado desde pequeno por uma família artística (seu pai toca baixo, seu irmão é um hitmaker que mora atualmente no Canadá, e a mãe era dançarina), o sentimento de precisar achar um caminho próprio que não tivesse a ver com a música (já que isso era coisa deles, nas palavras de Koutana), foi desperto naquela época. Apesar da experiência, o artista acredita que tirou coisas positivas disso, pois nunca frequentou nenhuma escola de música ou dança, mas mesmo assim, consegue chegar no estúdio e ser objetivo com o que quer fazer artísticamente.

Conto para Loïc que de certa forma, ele adiantou minha segunda parte da pergunta (sobre como esse medo de infância influenciou em se sentir à vontade e criar sonoramente sua história junto à outras pessoas), coisa que aconteceria em diversos momentos da nossa conversa, sempre nos fazendo rir e me fazendo jurar a ele que não estava mentindo, nossa conexão de ideias e pensamentos só estava bem compatível.

O artista responde mais a fundo minha pergunta, trazendo à tona o Teto Preto. Ele conta que a banda e os membros cresceram juntos artisticamente, e fez com que ele ficasse cada vez mais confiante com a dança. Enquanto isso, observava a vocalista da banda, Laura Diaz, descobrir ainda mais as possibilidades de sua voz, o que inspirou Loïc a, um dia, sozinho no backstage, cantar um trecho de um texto que estava escrevendo. O que ele não esperava era que Zopelar, seu colega de banda, surgisse com uma afirmação que traria um novo capítulo em sua carreira. “‘Você canta?’, e eu falei ‘Não, não canto não, desculpa’, e ele falou, ‘Não, não era uma pergunta: você canta!’ (risos), Então semana que vem combinamos de ir lá no estúdio, porque na casa dele tem um estúdio e vamos brincar né, vamos ver o que dá pra fazer. Assim que eu cheguei no estúdio na semana seguinte (isso foi em novembro de 2018, ele ressalta), eu fui na casa dele com seis textos (risos). E ele ficou tipo, ‘você já chega com o texto, que é o mais díficil’, e eu não sabia disso, mas o mais díficil é você achar seu discurso. Então já que eu já tinha o texto, vamos criar, e foi assim que começamos.”

Koutana, natural de Paris, mas que morou por um período na Costa do Marfim, país natal de sua mãe, veio para o Brasil para um intercâmbio entre a Sorbonne e a USP, conhecendo o país que logo se tornaria seu novo lar, e um gênero que seria a perfeita combinação de suas raízes africanas com um dos seus gêneros favoritos, o R&B: o funk brasileiro.

Ao questionar suas primeiras impressões do gênero, um dos vários presentes em Ser, Loïc expressa sua felicidade com a minha indagação, “Ai, que pergunta boa! (risos)”, explicando o compartilhamento de ritmos em comum em relação a sua origem franco-africana e contando sua confusão entre o que o brasileiro chama de funk, e o europeu, preparando seus ouvidos para ouvir um disco ou blues ao ser convidado para ouvir funk, mas logo percebendo que seu pré-conceito mudava de sonoridade ao mudar de endereço. “Dai eu fiquei quieto né, a gata colocou um ‘tchu tcha tcha tchu’, ai eu fiquei ‘gente, isso que é funk?’ (risos)”.

“Mas minhas referências, como você disse, são como Frank Ocean, quanto Solange, a irmã da Beyoncé, mas também o Milton Nascimento, Luedji Luna, Rincon Sapiência, e cantores franceses, e a gente se deu conta com o meu produtor que a gente não queria se fechar numa coisa. Eu acho que hoje as pessoas me vêem como um cantor sei lá, indie, R&B e tal, mas às vezes a gente gosta dessa ousadia de chegar um funk de repente assim, na música, sabe?”, explica Koutana.

Nesse momento, Loïc se desculpa por estar falando rápido, preocupado se eu vou conseguir entender e anotar tudo que ele está falando. Falo que estou gravando nossa conversa e o asseguro que está tudo perfeito.

Sua diversidade de influências e sua preocupação genuína fazem ponte com a minha próxima afirmação, ao dizer que a frase que relaciono com ele, como artista e pessoa é que “O céu é o limite”, Loïc fica muito feliz e agradece minha gentileza, afirmando que tem dias em que duvida muito disso, e acha que as pessoas vão falar que ele é uma fraude. Pergunto se é como a famosa Síndrome do Impostor, e ele confirma com entusiasmo, pois ambos sabíamos como era.

Ao relacionar essa frase, com como o artista se apresenta, uma pessoa e um artista que se aventura (um multiartista) e usa sua voz e plataforma para ajudar os outros e consequentemente se ajudar, com uma das minhas canções favoritas do disco até agora, “Sai do Meu Caminho”, pergunto para Koutana quem ainda está em seu caminho, questionamento que se transformaria em boa parte de nossa conversa.

“Eu adorei essa pergunta e eu adorei saber que você gosta de ‘Sai do Meu Caminho’ porque até agora é a música que me deu mais medo de lançar”, revela Loïc. O artista afirma que tinha medo que a imponência da música fizesse seus fãs o estranharem, por ser uma figura sempre carismática e otimista nas redes sociais, mas acredita que a música é um jeito de liberar o que está guardado. Então dedica essa música aos pensamentos auto-destrutivos, pessoas racistas, e pessoas que querem te por pra baixo. Mas incentiva os ouvintes a receberam a canção de forma abstrata, a dedicando para quem bem entenderem.

“E tu falou uma coisa que eu adorei, essa coisa de passar de um mundo pra outro assim, eu sempre me considerei um espírito fluido, até desde jovem assim, eu falava assim pro meu pai, ‘eu quero fazer ginástica acrobática’, enquanto todos os meninos da minha escola faziam futebol, e meus pais ficavam tipo ‘meu, você não tá com medo das pessoas rirem de ti?’, e eu tava tipo ‘não’, (risos)”, afirma o artista, e eu completo que ele era destemido desde sempre, o que ele concorda com entusiasmo.

Em tempos de pandemia, sua habilidade de não se limitar a uma única carreira mudou até o pensamento de sua família, que demorou mas aceitou a decisão de focar na arte e não mais na universidade, no entanto, os pais pediram para que Loïc escolhesse apenas um caminho, cenário que seria desafiador durante a quarentena se aceito pelo artista.

Apesar de todos os fatores positivos em sua jornada, Loïc se sente à vontade para compartilhar comigo algo que raramente fala sobre, e conta sobre bookers de agência que presenciaram apresentações do Teto Preto na Mamba Negra, e no dia seguinte, o informavam que ele havia perdido campanhas com marcas pois pessoas responsáveis por elas estavam no evento e não queriam vincular a marca com a imagem que o artista passa durante as performances com o Teto. “Então, às vezes esses mundos não combinam entre si, porém eu não desisti. E essas mesmas marcas que há três anos falavam ‘tchau’ pra mim, hoje em dia querem colaborar, então o importante é não desistir mesmo, eu acho.”

Ao mencionar o destino, pois digo que acredito que essas ocasiões só o aproximaram de marcas que realmente tinham a ver com quem ele realmente é, Koutana menciona o acaso juntando ele e músico e ator Chay Suede, com quem trabalhou e co-criou para o novo álbum, uma combinação que está fazendo as pessoas questionarem como isso aconteceu, mas que não poderia ser mais frutífera para Loïc. Ambos os artistas fazem parte da label HAVONA, criada pela festa ODD, e algo que Koutana admira em Chay foi sua decisão de escolher um selo independente ao invés de uma grande gravadora, para as pessoas entenderem que nas ruas, e nas festas tem talento surgindo e coisas novas acontecendo.

Loïc lançou recentemente seu mais novo single, “Desejos”, e pensando na canção, o questiono quais são seus desejos pós-pandemia. Uma pergunta um tanto quanto agridoce que ganhou uma reação muito doce: “Perfeita!”, Loïc exclama nos fazendo rir, e avisa, “Vou responder essa pergunta em dois tempos”, nos encaminhando para os últimos momentos da conversa.

Primeiramente, o artista comenta sobre o álbum em si, e revela algo que, segundo ele, praticamente ninguém sabe: todas as canções sendo lançadas estão em ordem inversa de criação, ou seja, as mais novas estão sendo divulgadas quase que imediatamente, enquanto as mais antigas (com exceção da delicada e trágica “Braços/Vela”), e segundo ele, as mais profundas, que ele guarda como um bebê, em suas palavras, e que irão dar a cara do projeto, estão guardadas para o lançamento do disco, mas que já está o fazendo sorrir.

“Até agora nós lançamos uns singles, pras pessoas começarem a entender o universo, e ver que vai ser um universo vasto porque pode tanto ter um funk, quanto uma música rock, como uma música triste, então meio que até agora é para as pessoas se acostumarem, pra quando todo mundo tiver pronto: ‘vrá!’ (risos)”, afirma Koutana.

Em segundo lugar, Loïc fala sobre desejos concretos para o futuro. “Como você falou né, é uma coisa meio agridoce porque na minha cabeça eu já tava pronto pra fazer tours, meu primeiro show ia ser uma coisa grandiosa, e agora está tudo com um ponto de interrogação, porém eu não estou com medo, porque na vida nos momentos que eu me dei melhor foram em momentos difíceis.”

Com isso, o artista detalha seu processo de achar beleza na tristeza. “Por exemplo, a casa que pegou fogo ano passado, a gente pegou isso pra tornar isso em arte, então esse período de tristeza da pandemia tem dias que eu to tipo ‘gente, vou desistir’ (risos). Mas daí eu uso essa dor, essa tristeza, ou de um boy que falou ‘eu não quero mais te ver’, eu uso isso tudo para escrever textos, e transformar isso em arte.” Koutana me diz que anda escrevendo muito durante a pandemia, e revela que muito provavelmente outro EP está a caminho, e ressalta que está aproveitando esses picos artísticos pois sabe o quão profundos são os fundos do poço da vida.

Outro desejo para o futuro é cuidar da parte visual do álbum, uma das coisas que realmente chateou o artista de ser impossibilitado de fazer durante a pandemia. Afirmo que quando tudo estiver bem, criar vai ser mais prazeroso ainda, e Loïc pergunta se eu acho mesmo, o asseguro que sim, afirmando que as pessoas também estarão muito mais entusiasmadas. O artista então expressa sua preocupação do público e os festivais quererem apostar nele, algo incerto, ao invés de oferecer como atração algo que já tem como certeza do público, afirmando que vai ser mais um desafio. Concordo, mas o incentivo falando que é mais um desafio que ele vai vencer, o que me faz soar como uma coach, nos fazendo rir e Loïc afirma, “Era uma entrevista, virou uma terapia!”, em tempos de pandemia, qual momento não vira uma terapia, não é mesmo?

Os últimos momentos da conversa ficaram reservados para refletir como é bom quando uma entrevista flui e se torna uma conversa boa, e responder perguntas de Loïc sobre meu apelido, Pétala. Ao final da entrevista, ele me agradeceu novamente pela conversa, dizendo que foi ótimo. Em qualquer momento da vida, ter a oportunidade de compartilhar pensamentos e aprender com um artista como L’Homme Statue já seria um prazer, mas em momentos em que a vida parece tão preto e branco, personalidades e sons como a do francês nos trazem de volta à vida.