Jess Wolfe e Holly Laessig, do duo Lucius, tomavam café no saguão de um luxuoso hotel de São Paulo durante a entrevista. Depois de duas semanas na cidade e algumas passagens por outras regiões do Brasil na turnê com Roger Waters, lendário líder do Pink Floyd, na qual participam da banda como backing vocals, era hora de tratar da mais nova obra da dupla: o álbum Nudes, terceiro disco de estúdio, lançado em março desse ano.

A Lucius ganhou popularidade por causa da mistura inesperada entre indie-pop, folk, rock e ritmos eletrônicos, além dos poderosos e distintos vocais das artistas, que muitas vezes se unem e formam uma espécie de coro musical. Porém, pela primeira vez desde a formação da banda em 2005, Nudes é um álbum inteiramente acústico, que abre mão dos recursos eletrônicos e foca mais na composição através do canto e de instrumentos de corda não elétricos.

“Nós já fizemos shows com as músicas de elementos eletrônicos por muitos anos, mas em alguns momentos das apresentações nós tirávamos um tempo para nos livrarmos de tudo e ter um momento íntimo com a plateia, inclusive de ir para junto do público, só com dois violões e todas aquelas pessoas nos cercando”, contou Jess Wolfe ao explicar a guinada acústica do álbum. “É algo diferente, mais simples. Parece como um respiro. E traz algo para que os fãs possam se sentir especiais”, completou Holly Laessig.

É mesmo a conexão interpessoal que o duo buscava ao produzir o álbum, “num mundo em que, mesmo com toda a tecnologia, estão todos extremamente desconectados e individualistas”, como explicou Jess. Do mesmo jeito que a voz das cantoras que, para Holly, juntas formam um som único e as conecta com uma intimidade ímpar, Nudes extrapola esse sentimento para o público.

O álbum também conta com alguns covers, sendo o mais especial para as artistas “Good Night Irene”, de Lead Belly, que elas regravaram em parceria com Roger Waters. “Virou uma tradição cantar essa música com o Roger em passeios que fazíamos com ele após os shows, normalmente depois de algumas taças de vinho barato”, brincou Jess, no que Holly corrigiu: “garrafas”.

“Nós, provavelmente cantamos umas 100 vezes. Ele veio pro estúdio e nós gravamos em uns dez minutos, dois takes numa cabine de gravação que parece uma cabine telefônica e que grava direto em vinil. Acho que só existem 20 dessas no mundo”. Para Jess, “é uma música mórbida, mas meio que nos conecta em um grand finale”.

Nesse sentido, as apresentações no Brasil parecem estar sendo um tanto quanto catárticas para as artistas. “O Brasil está passando por um momento muito sensível”, Jess se referiu às eleições e à chance da presidência de Jair Bolsonaro (PSL), que o grupo e Roger Waters citaram em uma lista de neofascistas em shows no Brasil, “então, ver as pessoas gritando e chorando é ainda mais especial”.

A empolgação parecia genuína ao falar do país, quando Jess tirou o celular do bolso e começou a mostrar alguns vídeos dos lugares que elas visitaram durante a estadia, como uma aldeia indígena onde as artistas ouviram os nativos cantarem e tocarem e o famoso espaço musical de São Paulo, Casa de Francisca, onde Jess inclusive comprou a camiseta da banda Batucada Tamborim, que se apresentava no local. “Nós sempre queremos experienciar a cultura do lugar. Esse hotel é muito chique, mas não é uma experiência cultural. Se fosse a nossa turnê, não nos hospedaríamos aqui”, riu Jess.

“Esse é o tipo de conexão que queremos ter. O mundo hoje é assustador, parece muito desconfortável de se viver. Nós precisamos de coisas que nos unem, e para nós, isso é a música”, confirmou Holly enquanto assistia aos vídeos, no que Jess concordou, “Esse tipo de coisa fica gravada na gente. Você nunca esquece do jeito que a música soa, do jeito com que as pessoas te fazem sentir, do gosto da comida… Essa é a forma correta de passar por esse mundo, e nós somos muito sortudas de conseguirmos fazê-lo”.