Quando Jão fez seu retorno triunfal com o envolvente single “Coringa”, ele deixou claro que tinha algo completamente novo para mostrar. A levada latina junto ao bombástico refrão pop formavam algo mais ousado e grandioso que seus trabalhos anteriores, assim como a superprodução do videoclipe estilo 007, com direito a roubo de jóias, romance, traição e até acidente de carro.

Navegar por seu terceiro álbum de estúdio, PIRATA, é uma experiência cinematográfica mesmo sem o auxílio dos videoclipes ambiciosos que mostram cenários apocalípticos e sereias no fundo do mar. Fazendo uso de uma narrativa detalhada em suas composições, Jão constrói um universo totalmente imersivo e sinestésico com cheiro de maresia, gosto de bala e cerveja e o sentimento das noites da cidade que fazem o tempo parar.

Com produção assinada e organizada por Paul Ralphes, Pedro Tófani e Zebu, PIRATA experimenta sem medo uma construção mais eletrônica e enérgica, abrindo com a pulsante “Clarão” e seguindo para uma atmosfera quase futurista no novo single “Não Te Amo”. De acordo com Zebu, parte da inspiração para o álbum bebe da fonte dos discos Chromatica (2020) e Born This Way (2011), de Lady Gaga, trazendo um lado mais pop para a música eletrônica.

Indo na contramão de seu último disco, ANTI-HERÓI (2019), Jão traz em PIRATA um tom de celebração até mesmo pelas coisas que tiveram um fim. Faixas como “Acontece” e “Meninos e Meninas” dão cores vívidas a memórias nostálgicas de um passado que parece muito distante, seja sobre a vida no interior de São Paulo ou as experiências inesquecíveis dos tempos de universitário na Escola de Comunicação e Artes (ECA).

Apresentando um maior domínio vocal e se aperfeiçoando ainda mais em sua habilidade já característica de transformar memórias em histórias, Jão converte PIRATA também em uma experiência visual ao pintar cenários em nossa imaginação com suas palavras: o banco do carro, uma festa desinteressante, um carro pro mar, a beira do cais. Canções como “Idiota”, “Santo” e “Doce” nos convidam a assistir enquanto o personagem principal navega por rotas de amor alternativas e clandestinas. Os arranjos pop que por vezes remetem tanto a Dua Lipa quanto a Harry Styles ajudam a construir um sentimento de liberdade e euforia muitos específicos da juventude.

Ser livre é, segundo Jão, mais um desejo que um fato. Em entrevista à Tracklist, ele descreve PIRATA como um álbum sobre quem ele quer ser; uma ânsia que se faz presente mesmo que velada por trás de todo o entusiasmo das batidas eletrônicas e a sensação de infinitude. Para quem sente saudades, canções como “Você Me Perdeu” e “Olhos Vermelhos” se despem um pouco da produção detalhada e levam os fãs de volta à sensibilidade introspectiva que é a marca registrada do artista. 

Enquanto traça seu próprio curso pelas águas do passado e presente, Jão nos leva a bordo de um universo mais amplo e colorido do que aqueles que foram apresentados anteriormente. Ao longo de 11 faixas, o artista nos dá um vislumbre não só das memórias e sentimentos mais complexos, mas também das partes boas e despreocupadas, demonstrando uma nova maturidade ao lidar com a inconsistência da vida. Ao navegar as ondas sedutoras de PIRATA, Jão é tripulante e capitão.

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