Dos mesmos criadores de ditados de vó como, “Devagar com o andor que o santo é de barro”, ou até “Dar um passo para trás para depois dar dois para frente”, Ana Muller se viu encontrando em sua maior paixão, a música, um momento obscuro e de desorientação em sua vida, a obrigando a se reencontrar consigo mesma e retornar, ao mesmo passo que triunfamente mas delicadamente nos braços dos fãs, e da onde pertence: os palcos.

Em entrevista com o Mad Sound, a capixaba compartilha os bastidores do momento de sua vida que a curou, revigorou, e resultou no resgaste de seu próprio passado para com isso, ser livre para criar o presente em Prelúdio, projeto que estará disponível a partir de amanhã, 18, em todas as plataformas de streaming, e envolveu a regração as canções favoritas dos fãs, antes compartilhadas de formatos caseiros. Ana também se prepara para gravar em 2021 seu novo disco, ainda sem nome divulgado, mas que assim como sua jornada que a trouxe de volta para a música, se aprofundou em artistas brasileiros que não valorizamos tanto durante a vida, mas que merecem toda nossa atenção e ouvidos.

Mad Sound: Ana, obrigada por tirar esse tempo para conversar comigo nesse final de tarde.

Ana Muller: Obrigada você!

MS: Falando de Prelúdio, que é seu projeto mais recente, sendo uma espécie de De Volta Para o Futuro, digamos (risos). Eu queria saber como a ideia de realizar esse projeto surgiu. Se você lembra os motivadores e os sentimentos que permeavam sua vida em relação à sua carreira quando a ideia surgiu… me conta mais sobre isso!

AM: Então, quando eu lancei o meu último disco, Incompreensível (2019), foi um disco muito denso, muito pesado assim, ele me levou em um lugar muito complicado na minha própria cabeça, e eu precisei me dar uma pausa, me dar um tempo. Não só pelo que o disco trouxe, mas porque eu já estava há um tempo assim não dando muita bola para minha saúde mental. Então chegou uma hora que isso eclodiu e eu tive que parar.

E essa pausa, logo depois veio a pandemia, e acho que essa pandemia meio que me atravessou um pouco, mas eu já estava afastada dos palcos, e eu resolvi voltar já com um projeto novo, com músicas muito diferentes de Incompreensível, com músicas muito mais solares, muito mais alegres, mais brasilidades assim. E aí procurei a galera do [selo e produtora] Taquetá pra gente trabalhar juntos, e falei pra eles que antes de lançar coisas novas, eu tinha uma certa urgência de resolver essas coisas antigas. Porque essas músicas são as músicas mais ouvidas pelas pessoas, em todas as plataformas, e elas nunca foram gravadas profissionalmente, elas são gravações de celular, de vídeos caseiros.

Então eu comecei a trabalhar, as coisas começaram a acontecer, fazer shows, então eu nunca tive tempo para resolver isso. E eu achei muito importante, já que eu estava voltando, “Pô, então vamos resolver isso. Vamos regravar”, a gente começou a pensar como a gente iria regravar, se a gente faria novos arranjos, colocava outros instrumentos. E aí eu pensei que era melhor a gente regravar do jeito que elas são mesmo, do jeito que era no passado: só eu e o violão. Porque ao mesmo tempo que é uma coisa nova, não é uma coisa nova, é só eu resolvendo essa pendência, e acho que eu merecia isso. Muitos reclamaram já me mandaram mensagem (risos) tinham um carinho por aquelas versões mas eu falei “Gente, não tem como, em 2020 vocês tavam ouvindo um negócio que foi gravado no meu celular em 2012!” (…) Também foi bom para fazer uma ponte com o novo trabalho, porque o último disco tem um som totalmente diferente, experimental, denso, então ia ficar estranho eu lançar uma coisa totalmente diferente.

MS: Sei que deve ter muito de intuição, mas durante esse tempo longe dos palcos, teve algum momento chave em que você percebeu que aquela era a hora certa de retornar para a música?

AM: Quando eu dei a pausa porque eu tive muito medo do palco se tornar uma coisa aversível para mim. Porque eu comecei a ter um processo meio louco assim, um processo de fobia de palco, comecei a ficar meio encanada. Não conseguia ouvir meu disco. Eu fiz um show só de lançamento, eu cancelei toda a turnê de lançamento do disco, e eu falei “Acho que eu vou dar uma pausa, porque se eu não der uma pausa eu nunca mais vou querer subir no palco”, então eu quis dar uma pausa, entender o que tava acontecendo comigo, porque eu tava me sentindo assim para que se fosse possível, eu voltasse.

E foi isso que aconteceu, eu comecei a fazer terapia, tomar medicação, comecei a entender o que aconteceu ao longo desses anos porque a gente não conseguia chegar no que tava verdadeiramente acontecendo. E isso começou, essa vontade, esse olhar realmente para o meu trabalho. Porque você passa um tempo você fica muito confuso entre o que você quer fazer, o que você precisa fazer, o que é mercadológico você fazer, o que as pessoas esperam que você faça, e aí surgem muitas comparações do que é ser um artista… eu sou uma pessoa muito simples, uma pessoa do interior, então em algum momento isso começou a me atravessar assim de eu me sentir uma fraude mesmo, do tipo eu sou só uma menina do interior, acho que isso não é para mim. Então acho que eu precisei passar por esse processo de entender o que eu valorizava no meu trabalho, o que era importante de verdade, e eu descobri que o que realmente importava era a conexão que eu tinha com as pessoas. Não importava mais essa neura que eu tinha de sentir que estava sendo avaliada por outros artistas, produtores.

E aí começou essa saudade, de shows, estrada, de fazer música, produzir, então comecei a procurar, inclusive um pouco da pandemia, mas estava acontecendo muita coisa ao mesmo tempo na minha vida então preferi segurar mais um pouquinho. E foi o que aconteceu, passou um tempo e veio a pandemia, e aí eu senti que não podia demorar muito para voltar não.

MS: E como foi para você revisitar essas músicas? Você mencionou que sãso as faixas mais queridas pelos fãs, e super dá pra entender mais ainda agora sua motivação de gravar por ter sido sua motivação de voltar. Porque eu sei que em termos de tempo de carreira você ainda não é um Paul McCartney (risos) e aí começa a enjoar das músicas mais tocadas, mais famosas...

AM: Muito longe [de ser o Paul] ainda! (risos) Então, a gente passa por esse momento de ficar “Ai, cansei de cantar essa música”, “Tô cansada de tocar isso em show” e tal. E para mim como foi importante essa distância, porque eu comecei a valorizar tudo que eu já tinha construído com as pessoas. E eu comecei a perceber, ‘Cara, por que eu to com tanta loucura assim? Sendo que as pessoas que importam, que eu realmente necessito que elas gostem do meu trabalho, elas amam essas músicas’, eu comecei a dar valor à isso. E ao regravar as músicas, que inclusive aconteceu em São Paulo, e meio que tudo na minha vida começou a acontecer lá, porque minhas músicas começaram a ser conhecidas lá e depois para outros lugares. Acho que porque São Paulo é um lugar que tem muitas pessoas de vários cantos do Brasil, isso fois e espalhando a partir de lá.

Então já no avião para São Paulo eu fiquei ‘Nossa, que sensação estranha, ir pra lá só para gravar, sem show, sem público’, e aí comecei a tocar e fazer isso sem a galera perto foi uma sensação doida assim, e mais uma vez me confirmou que é isso que importa, sabe? (…) E isso me sustentou durante muitos períodos da minha vida, minha saúde mental, e dessa vez não foi diferente, eu percebi o quanto eles são importantes, e por isso que eu decidi fazer Prelúdio, senti que devia isso à eles, e nós construímos tudo isso juntos.

MS: E pensando no próximo disco que você comentou que chega no futuro, como foi para você começar a criar nessa nova fase não só da sua carreira, mas da sua vida também?

AM: Então, essas músicas começaram a surgir assim que eu comecei a me distanciar dos trabalho, e que eu pude focar mais também em mim, na minha cabeça, na minha vida, e eu comecei a perceber como as coisas estavam bem. Porque ás vezes você surta, e acha que está tudo um caos e uma loucura, mas na verdade tá tudo bem, você só precisava de férias, descansar um pouco. E nesse momento eu consegui olhar para minha vida com mais leveza desse período da minha vida que eu estou emocionalmente bem, em que eu tenho um relacionamento já de anos que é um relacionamento super saudável, que a gente é muito companheira, muito amiga, além de muito apaixonada nós somos muito amigas. Então eu falo de uma forma mais bem humorada sobre esse processo mental, você não precisa falar com tanto peso, você pode falar de uma maneira mais leve. Então esse momento novo representa, depois de tantos anos, indo e vindo de depressão, eu consegui ver minha vida com mais leveza, saborear as coisas com mais leveza. E essas composições começaram a surgir muito antes da pandemia, então quando a pandemia aconteceu eu já estava me tratando há um tempo, então me ajudou muito, quem sabe se eu não tivesse me cuidado antes da pandemia eu estaria pior ainda, mas mesmo assim eu consegui me resguardar, me proteger.

MS: Ana, muito obrigada pela atenção e pelo tempo, e muito sucesso para todos seus próximos passos.

AM: Muito obrigada você!