Após a vinda de American Football para o Balaclava Fest em 2023, o vocalista, guitarrista e baterista Mike Kinsella parece ter mantido o Brasil em mente. “Eu sabia, quando fui embora, que queria voltar o quanto antes”, confessa. Menos de dois anos se passaram e já presenciaremos seu retorno, mas dessa vez a partir de dois projetos diferentes: Cap’n Jazz e Owen.
Indispensável quando falamos da formação de uma cena emo — seja nos Estados Unidos ou no Brasil — nos anos 90, o projeto liderado por Mike e seu irmão, Tim Kinsella, é definitivamente marcado por uma energia caótica. Cap n’ Jazz chega a carregar um pouco dessa característica em sua própria história singular, afinal, alcançaram tamanha influência no cenário musical tendo lançado apenas um álbum de estúdio, o Burritos, Inspiration Point, Fork Balloon Sports, Cards in the Spokes, Automatic Biographies, Kites, Kung Fu, Trophies, Banana Peels We’ve Slipped On, and Egg Shells We’ve Tippy Toed Over.
Devido aos vários hiatos, a notícia de um show da banda no Brasil foi uma boa surpresa. E justamente para aproveitar a (já não tão mais) rara presença em solo brasileiro, Mike decidiu adicionar mais uma apresentação na rota. “Pensei: ‘Já que estou indo, por que não incluir um show solo e aproveitar ao máximo estar lá?’, afirma.
Já são mais de 20 anos de estrada com Owen, projeto onde o cantor assume uma face mais reflexiva, acústica e introspectiva. O último disco, The Falls of Sioux, lançado em 2024, sintetiza bem esse lado vulnerável que Mike se permite explorar com mais clareza fora das burocracias de uma banda. “Com o Owen, posso encerrar uma música quando sinto que está pronta. Se quero adicionar um solo de guitarra totalmente aleatório, posso. É tudo comigo, e isso é libertador”, relata.
O show de Owen acontece na quinta-feira, 06 de novembro, no Jai Club, em São Paulo. Já no sábado, 08 de novembro, é a vez de Cap’n Jazz se apresentar no Cine Joia, também na capital paulista. Foi a curiosidade dessa contrastante vinda ao Brasil, as expectativas para ambos os shows e os rumos criativos recentes, que Mike Kinsella explorou na entrevista exclusiva realizada pelo Mad Sound. Confira na íntegra:
Mad sound: Essa é apenas a sua segunda vez vindo à América do Sul em toda a sua carreira, o que é meio louco considerando o tamanho da sua fanbase por aqui. O que te levou a finalmente voltar e quais são suas expectativas para essa segunda passagem pelo Brasil?
Mike Kinsella: O motivo de eu estar voltando é que me diverti muito da última vez — talvez até demais, com muitas caipirinhas (risos). Mas, falando sério, eu sabia, quando fui embora, que queria voltar o quanto antes. Só que o Cap’n Jazz acabou ficando bem ocupado no último ano, o American Football deu uma pausa e lancei um novo disco com Owen, então não fazia muito sentido antes, por causa do tempo. Agora finalmente consegui um espaço na agenda, e pensei: “Já que estou indo, por que não incluir um show solo e aproveitar ao máximo estar lá?”
MS: É sempre bom ver esses dois lados seus: o das bandas como American Football e Cap’n Jazz, e o dos shows acústicos como Owen. São facetas bem diferentes, mas igualmente incríveis.
MK: Eu faço isso meio que por egoísmo, pra ser honesto. Eu gosto muito dos shows acústicos, porque é como se eu estivesse apenas passando um tempo com o público, sabe? Já tocando bateria é o contrário — é algo visceral, mais selvagem e divertido. Então é bom poder alternar entre esses dois lados.
MS: Falando desses projetos diferentes — Cap’n Jazz, por exemplo, é barulhento e enérgico, enquanto Owen é muito mais pessoal e íntimo. Você sente que esses projetos se influenciam entre si ou tenta mantê-los separados de propósito?
MK: Acho que eles se influenciam indiretamente. Por exemplo, eu passei o verão todo tocando com o Cap’n Jazz, então agora estou realmente ansioso pra fazer o primeiro show do Owen em uns seis meses. Quando faço uma coisa por muito tempo, fico com vontade de fazer algo diferente. Acho que cada projeto reflete um lado diferente da minha personalidade. Estou empolgado com o show do Owen porque posso conversar com as pessoas, me comunicar de outro jeito. Já no Cap’n Jazz… bem, ali não há limite pra o quanto posso beber antes de tocar, porque o importante é tocar forte e rápido. Então são prazeres bem distintos.
MS: E nessas diferenças todas, como é estar em turnê com cada um desses projetos? Porque American Football e Cap’n Jazz são bandas antigas, mas ainda têm um público jovem. O que muda no clima pra você?
MK: (risos) Obrigado por nos chamar de “antigos”. Cada turnê é uma experiência completamente diferente, e eu me sinto muito sortudo por poder fazer as três coisas. No American Football, todos somos pais, e a música reflete isso — é mais pensada, mais detalhada, exige uma certa calma. Já no Cap’n Jazz, eu escrevi minhas partes quando tinha uns 15 anos, então é algo bem menos elaborado e muito mais livre. Ninguém ali tem filhos, todo mundo ainda vive em “modo turnê”, então é tudo mais solto. E, quando viajo como Owen, é só eu e minha namorada, e a gente planeja o melhor jantar que o orçamento permitir em cada cidade. Então são experiências completamente diferentes, mas todas divertidas à sua maneira.
MS: Agora que você vai fazer shows do Cap’n Jazz e do Owen em um intervalo tão curto, o que espera desse contraste?
MK: Acho que vai ser ótimo — de formas bem diferentes. Os shows do Owen são mais tranquilos e íntimos. Já com o Cap’n Jazz eu preciso meio que invocar a energia adolescente e me soltar totalmente. São experiências complementares. Se eu tivesse que tocar dois sets iguais na mesma noite, seria estranho. Mas, sendo em contextos diferentes e com públicos diferentes, vai ser incrível.
MS: Falando mais especificamente sobre o Owen — sempre pareceu um espaço muito pessoal pra você. Ainda é assim? Especialmente depois de passar tanto tempo trabalhando de forma colaborativa em outras bandas.
MK: Com certeza. O Owen é o meu refúgio. Trabalhar em banda exige fazer concessões, lidar com agendas de nove pessoas, decisões conjuntas… isso cansa. Com o Owen, posso encerrar uma música quando sinto que está pronta. Se quero adicionar um solo de guitarra totalmente aleatório, posso. É tudo comigo, e isso é libertador. É algo que faço por puro prazer, toda vez que tiro um tempo pra escrever pro Owen.
MS: Falando do novo álbum, The Falls of Sioux — ele soa introspectivo, mas também muito centrado, como alguém que aprendeu a conviver com as próprias memórias. Isso foi algo que você quis explorar conscientemente, ou surgiu de forma natural?
MK: Acho que foi natural. Eu não comecei o disco com um tema definido. O título vem da primeira faixa, “A Reckoning”, e depois percebi que esse sentimento meio que unificava as outras músicas. Elas não soam todas iguais, mas compartilham essa ideia de aceitação. Comparado ao álbum anterior, The Avalanche, que eu sei muito bem o que representava e quem eu era naquela época, The Falls of Sioux mostra alguém mais distante daquela dor, mais confortável em simplesmente existir.
MS: Como as músicas do Owen são tão pessoais, é difícil revisitá-las ao vivo? Elas mudam de significado com o tempo?
MK: Mudam, sim, mas é um processo lento. Uma música de 10 ou 15 anos atrás vai inevitavelmente adquirir novos sentidos depois de tantas experiências. Às vezes eu percebo trechos nas canções novas que são tão pessoais que fico pensando se é estranho pras pessoas ouvirem aquilo. Tocar em Chicago, por exemplo, é o mais desconfortável — meus amigos vão me ver, mas eles não conhecem “aquele cara” que escreveu essas músicas, o cara introspectivo. Pra eles, sou só o amigo que assiste jogos e toma uma cerveja. Mas, no fim das contas, esse lado vulnerável é parte de quem eu sou. Antes, eu ficava mais constrangido com isso. Hoje, já não. Acho que é coisa de homem adulto. Chega um ponto em que você pensa: “Podem me julgar à vontade, não tem problema, já sobrevivi a coisa pior”.
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