No último domingo, 21, Weyes Blood veio ao Brasil pela primeira vez e se apresentou no C6 Fest em um show vibrante e hipnotizante.

A cantora trouxe músicas de seu álbum mais recente, And In Darkness, Hearts Aglow, e conversou com o Mad Sound antes de sua performance em solo brasileiro. Confira a promoção no nosso Instagram para ter uma chance de ganhar um pôster autografado pela artista.

Leia a entrevista na íntegra:

Mad Sound: Primeiramente, bem-vinda ao Brasil. Como tem sido sua experiência aqui até o momento?

Weyes Blood: Tem sido maravilhoso, muito bonito. Tem muita música em todo lugar. No sábado foi insano, todos os bares estavam lotados e cheios de música.

MS: Deu tempo de aprender alguma coisa nova sobre a nossa cultura que tenha te interessado?

WB: Não exatamente. Quer dizer, ver tudo isso pela primeira vez é diferente de ouvir falar sobre. Definitivamente o sentimento de comunidade e a energia de alegria, das pessoas querendo sair de casa. Temos isso nos Estados Unidos às vezes, mas não sempre. 

MS: Falando sobre sua música, seu álbum mais recente fala sobre esse momento de se encontrar no meio de situações complicadas, seja um relacionamento tóxico ou uma pandemia, mas também acreditar na luz no fim do túnel. Você pode nos dizer algo que aprendeu quando estava no meio de situações assim?

WB: Sobre os relacionamentos tóxicos, acho que intimidade e o tecido social na nossa cultura estão severamente danificados por várias razões diferentes. Acho que parte disso é cultural e relacionado com a tecnologia e nossos celulares. Mas a outra parte acho que é só as pessoas não gostando de si mesmas o suficiente para pensar que elas merecem mais ou não gostando o suficiente de si mesmas para se cuidar.

Acho que isso é refletido na nossa cultura, onde há uma espécie de suposição geral de que a cultura do bem-estar e as mídias sociais devem aumentar sua confiança. Mas acho que, na verdade, deixa as pessoas mais inseguras. E eu acho que há muitos corações sangrando e pessoas que não estão realmente dispostas a admitir como se sentem isoladas. Acho que o isolamento desempenha um papel muito importante, assim como toda a ideia de toxicidade.

Essa é uma questão realmente complicada e eu aprendi muito sobre isso, mas também perceber que quanto mais confortável você se sente para falar sobre isso… Por exemplo, eu me senti muito vulnerável no meu sendo tão literal no meu álbum e falando as coisas do jeito que eu achava que elas eram e percebendo que muitas pessoas concordavam e se sentiam igual. Não parecia banal ou óbvio. Acho que todo mundo está interessado na cura e ninguém pensa: “Ah, está tudo ótimo”. 

MS: Esse novo álbum é o segundo de uma trilogia. Você já está trabalhando no próximo? Pode nos contar algo sobre ele?

WB: Vai ser uma resolução. Vai ser extrovertido e um álbum de festa, meio que do jeito dele. Não quero azarar o processo falando demais [risos]

MS: Existe algo muito bonito na sua música. É experimental e criativa, mas ao mesmo tempo é fácil de encontrar uma conexão. Como você encontrou o equilíbrio entre essas duas coisas?

WB: No início da minha carreira eu era uma artista experimental. Eu fazia algumas canções de folk, mas eu gostava mesmo era de noise. E eu costumava dizer que era um pouco como se um escultor passasse a primeira metade de sua carreira quebrando mármore só para ver como ele se desfaz antes de começar a fazer esculturas. Então é como se eu tivesse passado muito tempo trabalhando com som e rock e coisas assim, e depois transformei isso em músicas reais ao longo do tempo. Era quase como se eu tivesse uma compreensão mais elementar de como todos eles interagem: o som, a composição e as letras. É como um cubo mágico. Quando você sincroniza tudo, ele se torna um objeto quadridimensional, ou algo do tipo.

MS: Uma vez você mencionou que o capitalismo meio que se tornou a religião de uma geração. De que forma o ritmo acelerado do capitalismo afeta você e a sua música?

WB: Eu penso muito nisso. Acho que ninguém está isento desse ritmo. Acho que é o ritmo das nossas vidas porque nós vivemos uma existência muito transacional. Se você fosse sair da rede e viver na floresta e se sustentar, talvez você pudesse entrar em um ritmo diferente. Mas com o tipo de trabalho que faço, sabe, tocar em festivais, fazer turnês e viajar, é como se essa troca estivesse sempre acontecendo. 

Eu penso muito sobre isso porque eu acho que é algo que aconteceu debaixo do nariz das pessoas e elas não perceberam como nós estamos sempre tentando encontrar um substituto para a religião, seja no tarot ou na astrologia ou no budismo. É como se essas coisas fossem uma solução rápida, porque, de certa forma, abordamos essas coisas como um consumidor faria. 

Nós abordamos a astrologia como se fosse apenas algo feito sob medida para a individualidade e todas essas coisas. Assim, o efeito do capitalismo é tão profundamente penetrante que até mesmo ser contra ele é uma forma de capitalismo. Eu sou uma grande hipócrita [risos]. Eu voo em aviões o tempo inteiro.

MS: Acho que todos nós somos.

WB: Esse é o ponto! Se todos somos hipócritas, como vamos lidar com isso? Essa é a grande questão.

MS: No Brasil, muitas pessoas vêm de famílias religiosas. Acho muito legal que você tenha encontrado um equilíbrio entre as partes da religião que você gosta sem se apegar aos dogmas e à rigidez. Houve algum momento em que você lutou com sentimentos de culpa, dúvida ou vergonha que vinham da religião de alguma forma?

WB: Nunca senti vergonha de ter sido criada como alguém religiosa. Eu senti uma vergonha que vinha da religião. Acho que qualquer um que cresceu muito religioso sabe que há muita vergonha envolvida em sentir como se você não se encaixasse ou como se você não pudesse ser bom.

Os meus amigos que não foram criados dentro de alguma religião não sentem tanta dificuldade em serem egoístas, por exemplo. E eu fui criada com essa ideia de que egoísmo era um pecado. Então eu tenho muita vergonha no que envolve expressar minhas necessidades e coisas assim. Mas nunca senti vergonha de ter criada como uma pessoa religiosa.

MS: Uma vez você disse que é uma pessoa sensível, mas acho que essa é uma das partes mais bonitas da sua música. Como foi pra você, entender que você é mais empática com as pessoas ao seu redor?

WB: Por muito tempo foi uma grande luta porque eu sempre pensei: “Como todo mundo consegue viver normalmente e pensar que está tudo bem? Como? Por que todo mundo não está chorando as lágrimas do mundo igual a mim?” Mas agora acho que nasci com um equipamento a mais ou algo assim.

É como se alguém tivesse um dedo a mais. Eu tenho um software emocional a mais. E eu acho que estou sempre tentando decifrar o código sobre o que as pessoas estão sentindo e por que e como, você sabe, tentar remediar a distopia moderna. Porque eu acho que na civilização moderna há tantas coisas diferentes dando errado ao mesmo tempo. Você não consegue necessariamente botar a culpa em uma coisa só. 

MS: Uma vez você disse que costumava mutar sua sexualidade e feminilidade para ser vista pelos seus colegas de trabalho como uma colega ou um dos caras. Você conseguiu aceitar sua sexualidade e feminilidade? E como é ser uma mulher na indústria musical hoje em dia?

WB: Acho que vou ter essa habilidade pelo resto da minha vida onde eu sei como me portar em uma situação com homens e deixar muito claro que não tem nada sexual rolando. E eu tenho amigas que não têm isso e elas sempre me perguntam como eu faço. E são anos trabalhando isso na minha cabeça e sabendo exatamente como fazer. 

Mas sim, eu ainda, definitivamente, lido com o sexismo na indústria da música. Sinto que tenho muito respeito das pessoas fingindo ser mais masculina do que eu sou, mas agora estou trabalhando para desfazer isso, sabe, como se fosse uma habilidade que adquiri. Mas sim, seria divertido não me sentir assim o tempo todo. E a indústria musical agora está se tornando mais feminina. Tem muito mais mulheres do que tinha antes, então não me sinto do mesmo jeito que 10 anos atrás. Era muito diferente.

MS: Tem alguns artistas que você costumava admirar e ter como referência? Essa relação mudou ao longo dos anos?

WB: No geral, acho que quando você é jovem e pensa nos músicas e nas vidas que eles levam, a impressão é que é um sonho. E aí, quando isso finalmente acontece na sua vida, acho que você passa a se sentir meio mal por eles porque não é o que você pensava. E não de um jeito ruim, é só diferente. 

É como o Mágico de Oz. Quando você olha atrás da cortina você pensa que vai ver um feiticeiro insano, mas é só um cara trabalhando. A música é meio assim. O trabalho nunca acaba e ele não é muito glamuroso. 

Então tenho uma reverência pelos meus heróis mais no sentido de quando penso que eles estavam trabalhando com isso nos anos 80 ou quando o cenário era ainda mais doido ou às vezes eles tinham a chance de ganhar mais dinheiro. Talvez seja um pouquinho de inveja deles serem um superstar dos anos 90 ou da Geração X. Eles vendiam álbuns físicos na época, então você podia ter uma música boa e estar financeiramente seguro pelo resto da sua vida.

MS: Para terminar, você gostaria de deixar alguma mensagem para seus fãs brasileiros?

WB: Estou muito feliz por estar aqui. O meu set não era grande o bastante para cantar todas as músicas que vocês queriam, então já me sinto mal.

MS: É uma razão para voltar!

WB: Sim, é uma razão para voltar.