Esta entrevista foi originalmente publicada por Wikimetal
Fantastic Negrito é um homem de três vidas. Cada fase de seus 51 anos possui um começo, um meio e um fim bem definidos. A terceira fase, a atual, rendeu uma carreira internacional e dois Grammys. Um som carregado de influências da música negra e letras preocupadas com as questões sociais.
Xavier Dphrepaulezz nasceu em Massachusetts no final da década de 1960, o oitavo de 15 filhos. Aos 12, mudou para Oakland, Califórnia. A cidade explodindo de cultura. Opostos convivendo, o hip hop e o punk em ascensão. Xavier, que ainda não era Fantastic Negrito, passava o dia na rua aplicando pequenos golpes e vendendo drogas.
“Oakland é uma cidade de golpes. Não no mau sentido, mas no sentido de tentar correr atrás”, explicou Dphrepaulezz em entrevista para o Wikimetal. “Eu carregava sacolas para as pessoas no mercado para conseguir umas moedas”. Mas a cidade também passava por um boom no consumo de drogas e ele, jovem negro de classe baixa, envolveu-se com o tráfico em busca do dinheiro.
O submundo californiano, que misturava a vivência de uma sociedade de classes e a cultura, acendeu a fagulha musical em Xavier. “Eu cresci no meio dos hippies”, brincou. “Do berço da liberdade de discurso. Eu ouvia Metallica, Green Day, Creedence Clearwater Revival. A contra-cultura me influenciou desde o princípio.”
Com o começo da fase dois, Xavier aprendeu a tocar música sozinho, aos 17 anos. “Eu vi na música a oportunidade de fugir da violência das ruas”. Em 1993, depois de muita batalha, conseguiu um acordo com um ex-empresário do Prince e lançou o primeiro disco The X Factor. “Eu fiquei na gravadora por cinco anos, fiz turnê com o De La Soul. Mas foi um fracasso. Ninguém ouviu.”
Foi então que Xavier sofreu um acidente de carro e perdeu a mobilidade da mão, o que o impedia de tocar. “Nesse momento, eu sentia que não tinha nada pra falar. Eu sou um artista, mais do que um músico. Eu quero construir sentimentos. Eu paro de novo se sentir que não tenho nada para falar ao mundo.”
Xavier desistiu de tocar. Voltou ao underground de Los Angeles, onde conheceu bandas de rock en español e o movimento afro. Cultivou uma fazenda de maconha, que durou 7 anos. Nesse meio tempo, teve uma revelação. “Eu parei de perguntar o que a música poderia me dar. Pode me dar sapatos? Pode me dar mulheres? Pode me dar drogas? Um carro, uma casa? Eu comecei a me perguntar o que eu poderia dar para a música.”
Eis que surge Fantastic Negrito, a terceira vida de Xavier. “Inventei esse nome porque alguém me disse que brancos não iam gostar de falar Negrito. ‘Ah, mesmo? Interessante’”, ri Negrito ao explicar. Ele saia pelas ruas, ouvindo conversas, gravando sons, pedindo para que pessoas falassem para ele qualquer coisa que viesse na cabeça. “O tipo de música que eu quero fazer agora é aquela que você poderia cantar na varanda com a sua vó. Só batendo palma, ou murmurando alguma coisa.”
The Last Days of Oakland e Please Don’t Be Dead são as obras resultantes da fase engajada. O último é um apelo para os EUA e para o mundo. “Por favor não esteja morto. Lembra quando não havia racismo, quando não havia machismo ou homofobia? Por favor, que esse tempo não esteja morto.”
O surgimento de Negrito se deu ao mesmo tempo em que a onda conservadora começou a varrer o mundo. Trump, e o preconceito contra negros e latinos, faz parte da pauta de Negrito. “Eu acho que o direito de todo mundo está em perigo. Quando você começa a se voltar contra um grupo, adivinha, você pode ser o próximo. Algumas vezes, os negros e latinos estão nas classes mais baixas, por isso eles são os primeiros alvos.”
Ele dispensa o título de ativista, mas acredita que os artistas têm uma responsabilidade social. “É simples, não importa sua ideologia, seu partido político. Importa como você trata as pessoas. Uma revolução pode acontecer todo dia, depende de você ser gentil com todo mundo”.
Com os dois novos discos, a música de Fantastic Negrito ganhou mais e mais influências da música negra. Ambos, inclusive, renderam o Grammy de Melhor Álbum de Blues Contemporâneo. “A música é uma contribuição para o mundo, manda uma mensagem de amor e de unidade”.
“Take That Bullshit, Turn It Into Good Shit”, música de Please Don’t Be Dead, é o lema da fase derradeira de Xavier. “Pegue o racismo, a homofobia, o machismo, toda essa merda e transforme em coisas boas. É bem simples, na verdade. A música é a mais pura forma de comunicação. É inspiradora.”