A vocalista de Paramore, Hayley Williams, lançou na última sexta, 8 de maio, Petals For Armor. Apesar de já ter mais de 15 anos de carreira, é a primeira vez que lança um álbum solo. A produção do disco foi feita por Taylor York, guitarrista e companheiro de banda da cantora. 

Pode se dizer que Petals For Armor foi criado a partir da terapia intensiva que Williams recebeu depois de voltar de uma tour mundial com o álbum mais recente da sua banda, After Laughter, em 2018. Ela tinha acabado de passar por um divórcio no ano anterior (com o vocalista da banda New Found Glory, por sinal, em um relacionamento que durou uma década), e com o lançamento do quinto disco de Paramore, ela só teve tempo de processar o que estava acontecendo depois de ir para casa em Nashville, Tennessee. 

Petals For Armor é dividido em três partes, com as duas primeiras lançadas como EPs, mas também é visto pela cantora como uma associação de fogo, terra e água. A princípio, Williams reconhece sua raiva e outros sentimentos reprimidos por muitos anos, reconectando-se com uma feminilidade escondida, assim como seu corpo e desejos. 

Hayley Williams teve que descobrir como se mostrar vulnerável enquanto deixava de lado vergonha, medo de abandono e a máscara de menina durona que carregou durante a vida toda.

“Simmer”, o primeiro single e a faixa de abertura do disco. É a estrutura musical e simbólica de tudo que está por vir. Começando com “Rage is a quiet thing / You think that you’ve tamed it / but it’s just lying in wait” em uma voz controlada é quase um resumo para o resto da música. A melodia é temperamental, embalada pelo som da bateria que quase parece uma contagem para a chegada do som de expiração que aparece ao fundo em diversos momentos. 

Ainda nessa faixa, ela descreve o título do álbum pela primeira vez: “Wrap yourself in petals for armor”. Williams acredita que é possível retornar de situações ruins como uma pessoa gentil, sem medo de sentir coisas novas. 

Em entrevista para a Pitchfork, ela conta que durante uma sessão de terapia, ela se viu coberta de terra, plantas e flores e assumiu que estava vendo a si mesma morta. Ao perceber que era o contrário, conforme sentia a dor de seus traumas e o crescimento através da cura, Williams tomou para si o imaginário floral como metáfora.  

A primeira canção destinada para o solo foi “Leave It Alone”, depois que a avó da cantora sofreu um acidente que a deixou com sequelas mentais graves. Pensando na ironia do que estava vivendo, em meio a depressão e outros problemas psicológicos, a música inicia com um impacto: “Don’t nobody tell me / That God don’t have a sense of humor / ‘Cause now that I want to live / Well, everybody around me is dyin’”. 

É possível perceber referências de Radiohead nos instrumentais, possivelmente inspirado no In Rainbows. A letra logo relaciona o amor com o sentimento de perda e luto, “If you know love / You best prepare to grieve / Let it into your open heart and / Then prepare to let it leave”.

A faixa seguinte muda o tom. “Cinnamon” imerge o ouvinte numa batida experimental inspirada por Big Thief e Janet Jackson, enquanto Hayley discorre, como nas páginas do seu diário, a sensação de ter uma casa só dela, descobrindo como é ser feminina e fazer as coisas da sua própria maneira, acompanhada por cheiros de cítricos, canela e flores. 

Em seguida voltamos ao melancólico com distorções vocais intensas em “Creepin’”, mencionando pessoas que sugam a energia da cantora e como ela lida com eles. “Sudden Desire” mostra Björk como referência nas texturas de fundo com linhas de baixo e bateria mais carregadas.   

A transição para a segunda parte do Petals For Armor é evidente. A música leva o ouvinte para o crescimento da vocalista. Porém, a canção que lembra mais o After Laughter, dá o local de fala para a Hayley Williams de 20 anos.

“Dead Horse” menciona o relacionamento com Chad Gilbert e ela admite como ela teve um caso com ele e, a partir disso, ela fez seu próprio destino (“I got what I deserved / I was the other woman first”). Indo além, há uma referência a “Pool”. Williams fala sobre estar se afogando na fantasia que tinha com seu ex e que faria tudo novamente se pudesse. Aqui, ela cita o momento nos dois primeiros versos: “Every morning I wake up / From a dream of you, holding me / Underwater (Is that a dream or a memory?) / Held my breath for a decade / Dyed my hair blue to match my lips / Cool of me to try (Pretty cool I’m still alive)”. Hayley disse em entrevista para a Rolling Stone que a época de “Pool” foi a que percebeu como estava afundando cada vez mais na depressão.

“My Friend” é um tributo para um dos amigos mais antigos e parceiro de negócios da cantora, com uma melodia calma, ainda num tom que remete a primeira parte do álbum. Em “Over Yet”, se vê claramente elementos dos anos 80 que crescem cada vez mais na música pop atual. Como uma brincadeira, há uma coreografia para se exercitar com essa canção.

As duas últimas músicas da segunda parte entram em um território mais soturno. “Roses/Lotus/Violet/Iris” volta ao imaginário florido de Williams, com back vocals do grupo boygenius. A melodia lembra Warpaint, com detalhes orquestrais. A letra conversa com a metáfora de que as flores de um jardim não competem entre si, comparando-as com a rivalidade feminina. “But I am in a garden / Tending to my own / So what do I care / And what do you care if I grow?”. 

Com inspirações R&B e uma linha de baixo que se destaca, “Why We Ever” descreve uma desconexão entre duas pessoas, lidando com o medo de ser deixada e como agir perante um acontecimento desses, depois de tantas experiências traumáticas em pouco tempo.

A terceira e última parte do álbum é a mais animada. As letras se expõem mais, exibem uma Hayley Williams mais alegre, ainda se recuperando, mas que chegou a um lugar bom depois de muito trabalho. É quase palpável a vontade de ter uma ligação romântica. 

“Pure Love” fala justamente sobre isso. O baixo vai mais pro jazz, algo mais groovy. Entretanto, ainda há pequenas partes que citam as referências às bandas mencionadas. A partir desse ponto, Williams traça uma história sobre reaver os sentimentos de amor, começando com ter que deixar de lado o medo de intimidade. “If I want pure love / Must stop acting so tough / (I give a little, you give a little, we get a little, sentimental)”.

A história continua em “Taken”, uma faixa que chega a lembrar bossa nova em alguns pedaços com seu tempo mais tranquilo e devagar. “Sugar On The Rim” sobe lentamente para um pop dos anos 80, com as batidas e pausas sistemáticas que trazem elementos que poderiam ter saído de uma música da Madonna

Caminhando para o fim, Williams volta à introspecção com “Watch Me While I Bloom”, agora com uma batida inspiracional, alegre. A cantora disse que a canção veio do sentimento de ter seu corpo de volta depois de ter ficado um ano sem menstruar, como se estivesse voltando à vida (I’m alive in spite of me / And I’m on my move / So come and look inside of me / Watch me while I bloom).

A última faixa, “Crystal Clear”, mostra a longa estrada em que Williams deixou para trás. Ela deixa nítido que não tem mais medo do futuro e o que a aguarda. Não há mais medo do amor, da intimidade, de se machucar. No início da música, ela fala “This time I wanna stay right here / I wanna make it crystal clear / That I won’t give in to the fear”. Ter borboletas no estômago já não é um problema. 

O álbum transcende das páginas de um diário e de pequenas poesias para trazer uma mensagem pessoal, intimista e bem elaborada sobre crescimento. Petals For Armor, criado acidentalmente, denuncia a grande artista que Hayley Williams se tornou ao longo da sua carreira. Uma artista que não faz o que esperam, mas sim o que quer, se descolando da antiga imagem que carregou nos últimos 16 anos.