Bem-vindo à MONTERO. Dois anos após o sucesso do fenômeno global “Old Town Road”, Lil Nas X nos convida a mergulhar em território desconhecido e desnuda suas facetas mais íntimas em seu álbum de estreia, abordando temas como sexualidade, culpa, depressão, a pressão da indústria e a busca árdua pelo reconhecimento.

Depois de se tornar um dos principais nomes no radar da mídia quase que da noite pro dia, o jovem rapper lutou para provar que não seria mais uma “celebridade de um hit só” e traçou minuciosamente seu caminho até o pop, emplacando o sucesso “MONTERO (Call Me By Your Name)” em 1º lugar na Billboard Hot 100 meses depois de ter viralizado um trecho da canção na internet, criando assim um clima intenso de publicidade e antecipação.

O hit contagiante traz referências da música flamenca e foi o escolhido para abrir a jornada por MONTERO, provando logo na porta de entrada que Lil Nas X veio para ficar. Ao oferecer seu nome de batismo para seu primeiro álbum e seu hit de maior sucesso, Montero Hill – como é chamado – comunica ao público que está pronto para ser vulnerável; e que entrou no negócio da música para que seu nome seja lembrado.

Em sua trajetória para se tornar a estrela pop que almeja ser, Lil Nas X mostra que não tem medo de causar uma boa comoção, incomode a quem incomodar. Com inteligência e bom humor, o artista assumidamente gay usa sua sexualidade como forma de orgulho ao retratar abertamente a homoafetividade em seus videoclipes, além de ter lotado o palco do VMAs 2021 com dançarinos negros performando coreografias queer – um movimento revolucionário para a geração atual, especialmente vindo de um jovem que iniciou carreira na cena rapper.

Através de MONTERO, Lil Nas X conta suas próprias histórias do modo como devem ser contadas: sem censura. Desde a liberdade sexual abordada com erotismo explícito no videoclipe de “Call Me By Your Name” até a história de amor com um final doloroso na nova “THATS WHAT I WANT”, o artista traz para o mainstream a representatividade homoafetiva de corpos pretos em histórias cotidianas de romance e luxúria, culturalmente reservadas a casais heteroafetivos na grande mídia.

Apesar de se afastar com sabedoria dos estereótipos de dor, culpa e repressão atribuídos às minorias na indústria do entretenimento, Lil Nas X também oferece ao público seus maiores momentos de vulnerabilidade ao escrever cartas para seu eu do passado nas introspectivas “VOID” e “SUN GOES DOWN”, onde relembra ter rezado a Deus para que seus “pensamentos gay” fossem tirados dele na juventude. Ele também aborda seus períodos depressivos antes da fama e a relação conturbada com uma mãe dependente química na melancolicamente bela “TALES OF DOMINICA”, conduzida pelo dedilhado de uma viola espanhola, e a sombria “DEAD RIGHT NOW”, onde admite ter tido pensamentos suicidas caso não obtivesse sucesso na música.

Lil Nas X não só obteve sucesso como tem se dedicado sabiamente a mantê-lo. Com o objetivo de ser reconhecido oficialmente como uma estrela do pop, o artista não economizou nos feats e convidou grandes nomes do momento para seu álbum, como a sensação do TikTok, Doja Cat, que entregou um verso na brilhante “SCOOP”, além de investir em uma faixa com Miley Cyrus, que é um dos nomes mais relevantes da cena pop atual desde sua virada para o pop rock no álbum Plastic Hearts (2020). O músico também acena para suas raízes no rap em “DOLLA SIGN SLIME”, um poderoso feat. com Megan Thee Stallion, além de ter contado com um dedinho de Kanye West na produção de “INDUSTRY BABY” e o piano divinal de ninguém menos que o próprio Elton John em “ONE OF ME”. 

Na compilação completa, a faixa que melhor somatiza os temas do álbum e abraça sua jornada no hip-hop talvez seja a eletrizante “DONT WANT IT”, que traça o caminho de Lil Nas X até o estrelato apesar das circunstâncias e opiniões alheias. Sua vida amorosa também ganha os holofotes através do pop rock da contagiante “LOST IN THE CITADEL” e a guitarra lenta e profunda da madura “LIFE AFTER SALEM”.

Entre polêmicas e aclamação, ódio extremo e admiração crescente, Lil Nas X mostra que ainda está aprendendo a navegar as águas turbulentas do estrelato e demonstra ter consciência do peso esmagador que é depositado em suas costas: o de quem sempre vai precisar se esforçar duas vezes mais para manter a relevância na indústria. Usando a seu favor a controvérsia de rappers e cristãos conservadores que o apontam como o grande arquiteto de uma “agenda gay” para perverter seus filhos, Lil Nas X orquestrou uma gravidez falsa para representar o nascimento de seu primeiro álbum e arrecadou milhares de dólares através de uma lista que linkava cada uma das faixas de MONTERO a uma instituição estadunidense dedicada a apoiar a população negra e LGBQIA+ dos Estados Unidos.

A celebração de suas conquistas e a aceitação de sua sexualidade representadas em suas músicas contam a história de um jovem que, contrariando todas as estatísticas, saiu de um ambiente familiar destrutivo e deu as costas ao futuro marcado que o aguardava em Atlanta para agora comemorar sua existência e abrir as portas para outros fazerem o mesmo. Depois de se apresentar formalmente e provar para o mundo e para si mesmo que é capaz de alcançar os espaços que foram negados a si e aos seus, Lil Nas X faz um último pedido na faixa de encerramento antes de deixarmos a terra de MONTERO: “não se esqueça de mim e de tudo o que fiz”.

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