Na noite do último domingo, 03, a jovem cantora Olivia Rodrigo levou nada menos que 3 Grammys para casa. Refletindo perfeitamente sua trajetória no ano de 2021, Olivia recebeu os prêmios de “Melhor Artista Revelação”, “Melhor Performance Pop” por “drivers license” e “Melhor Álbum Vocal de Pop” por seu disco de estreia, SOUR.

Logo em sua primeira semana, o single “drivers license” quebrou uma série de recordes, não só estreando em 1º no Hot 100 da Billboard como também se tornando a canção com maior estreia semanal na história do Spotify global. O sucesso não só colocou Olivia Rodrigo no radar e fez os fãs ansiarem por seu primeiro álbum, como também expôs publicamente sua vida pessoal e alguns detalhes envolvendo o fim de um relacionamento com o ator Joshua Bassett, que teria engatado quase imediatamente uma relação com a também atriz Sabrina Carpenter.

Embora o SOUR seja, em sua totalidade, uma grande coletânea de memórias e sentimentos de Olivia em relação ao seu primeiro amor da adolescência, existe uma peça-chave que permeia não só a maior parte das composições do disco, mas também as partes desse relacionamento que a levaram ao sofrimento: a comparação com outras garotas.

Logo na faixa de abertura, “brutal”, Olivia faz uma lista de coisas que não gosta em si mesma, começando com sua insegurança e ansiedade, e finalizando com “não sou descolada, não sou inteligente e não sei sequer estacionar”. A faixa em si é um grande retrato da pressão para encarar a adolescência como uma das melhores fases da vida, enquanto denuncia que ser jovem, na verdade, é uma jornada bastante “brutal” – e parte dessa brutalidade, é claro, vem da comparação de todas as próprias inseguranças com todas as qualidades que pertencem aos outros.

Quando se trata de perder o primeiro amor e sentir que está sendo “trocada” por outra pessoa, todas essas falhas autodenominadas parecem se tornar não só maiores como determinantes. Isso porque em sociedade, e, principalmente na socialização entre mulheres, aprendemos a atribuir nosso próprio valor baseado nas qualidades que os outros atribuem a nós e às coisas que conquistamos a partir delas. Logo, se Olivia perdeu a pessoa que amava para outra garota, a garota em questão deve ser melhor que ela em uma série de aspectos.

Esse pensamento fica evidente já em “drivers license”, quando ela canta no segundo verso: “você provavelmente está com aquela menina loira que sempre me fez duvidar / ela é tão mais velha que eu / ela é tudo que me deixa insegura”. Desse modo, as qualidades alheias – como a aparência e a idade – se tornam um espelho para as próprias falhas, que passam a ser, na visão da pessoa insegura, os motivos pelos quais ela foi deixada.

A maldição da comparação pode afetar a todos independente de gênero, especialmente em uma época com redes sociais feitas especialmente para mostrar suas conquistas pessoais e profissionais, como o Instagram e o LinkedIn. Contudo, mulheres e, principalmente, jovens meninas, são afetadas com mais força devido ao fenômeno cultural da “rivalidade feminina” – uma noção concebida por uma sociedade comandada por homens de que as mulheres devem sempre estar competindo entre si, seja por um lugar na sociedade, um emprego melhor ou um relacionamento. Dentro dessa lógica, mulheres só devem ter o direito de ocupar os mesmos espaços que um homem – ou de serem dignas da atenção desse homem – se forem melhores do que outras mulheres.

É claro que as noções de “melhor” e as características que se encaixam nessa definição são determinadas por moldes machistas e pelo olhar masculino. Logo, não são as mulheres que determinam quais qualidades as fazem “melhores” ou não que alguém, mas sim o homem que as estuda como objeto e que detém o poder daquela situação específica. No caso de Olivia Rodrigo, ela passa a se considerar inferior porque provavelmente sabe que o homem que amava tinha uma predileção por garotas loiras e mais velhas. Ela não sendo nenhuma das opções começa então a se ver como incapaz de manter a atenção e o afeto desse homem.

Olivia Rodrigo. Créditos: Reprodução/Facebook

A armadilha de viver sempre como refém do chamado male gaze (“olhar masculino”) é detalhada perfeitamente na faixa “enough for you”, onde Olivia lista todas as coisas que tentou modificar em si mesma para agradar seu namorado e convencê-lo a ficar. “Eu usava maquiagem quando namorávamos porque achava que você gostaria mais de mim se eu parecesse com as outras rainhas do baile que eu sei que você amou antes”, canta no verso da abertura. Dentro dessa espiral vertiginosa de comparação e dependência emocional, a autenticidade pouco importa. Olivia passa a acreditar que só teria valor e seria merecedora do afeto de seu namorado se ela fosse exatamente o que ele gostaria de ter, e não ela mesma.

Em “jealousy, jealousy”, a cantora deixa bastante evidente o motivo pelo qual ser ela mesma não parece o suficiente. Em uma captação perfeita da vida adolescente e sua relação com as redes sociais, Olivia Rodrigo começa dizendo “eu gostaria de jogar meu celular contra a parede porque tudo o que vejo são garotas boas demais para ser verdade, com dentes brancos e corpos perfeitos”. Durante o resto da canção, fica claro que o valor que a jovem atribui a si mesma é determinado pela comparação com pessoas que se encaixam em um padrão de beleza e condição financeira que não se enquadram a ela.

Isso é um retrato não só das crenças impostas a jovens mulheres por meio de uma sociedade machista, mas também pela lógica de um sistema capitalista. Se o que você é equivale a o que você tem, então não se encaixar em um padrão de vida tipicamente americano e luxuoso te torna menos digna de seus desejos e de suas conquistas pessoais – desde manter um relacionamento até a comemorar pequenas vitórias que não seriam boas o suficiente para o Instagram, uma vez que sempre vai ter alguém celebrando algo melhor que você.

Billie Eilish disse que é “triste que garotas sejam treinadas para competirem umas com as outras” ao falar sobre rumores de rivalidade com Olivia Rodrigo. Créditos: Reprodução/Facebook

Mesmo com a carreira indo de bom a melhor, Olivia Rodrigo acabou provando em frente a todos os olhos que a comparação com outras mulheres e o incentivo à rivalidade feminina é algo que ultrapassa as demarcações da adolescência e se espalha para todas as esferas da sociedade, sendo incentivada não só pelas grandes indústrias mas também pela mídia, quando se trata de arte e fama. Sua ascensão vertiginosa e repentina com tão pouca idade, inevitavelmente foi comparada à trajetória de outra jovem cantora que se tornou uma revelação avassaladora poucos anos antes: Billie Eilish.

Apesar da competição entre as duas estrelas não existir a nível pessoal, a necessidade midiática e comercial de comparar duas jovens artistas com trajetórias semelhantes parte não de um ponto de celebração de ambas, mas sim de uma rivalização desnecessária entre as duas, além de alimentar indiretamente a pergunta: quem será a próxima? Será que a chegada de Olivia Rodrigo teria ofuscado o sucesso de Billie Eilish? E se a resposta for sim, quem irá ofuscar Olivia Rodrigo? 

A lógica do consumo desenfreado e da busca constante pelo novo também se reflete nessa questão. Ao invés de celebrarmos o início da carreira dessas duas cantoras em idade tão jovem, por que estamos tratando a ascensão de uma como um apagamento da outra? Se Billie Eilish não é mais novidade, isso torna o trabalho dela inferior em qualidade ou menos digno de ser consumido? Será que seu nome vai sumir das paradas só por conta da chegada de uma artista ainda mais nova e que quebrou ainda mais recordes?

Infelizmente, essa é a regra a ser aplicada quando se trata da carreira bem-sucedida de mulheres, especialmente na indústria da música e do cinema, que estão sempre buscando maiores novidades. Enquanto homens são mantidos e celebrados nesses espaços por longos períodos e vistos como símbolo de força e resiliência, mulheres são celebradas por sua aparência e sensualidade, o que acaba colocando um carimbo com data de validade em suas carreiras – elas só podem ser celebradas e reconhecidas enquanto forem bonitas.

Embora ainda seja muito cedo para prever o futuro da carreira de Olivia Rodrigo, é possível afirmar que a genialidade de SOUR reside justamente no fato de denunciar, mesmo que de forma não-intencional, a facilidade com que mulheres e jovens garotas podem ser menosprezadas e substituídas, e o quão difícil é viver diariamente sob a mira engatilhada do olhar masculino que parece controlar todos os aspectos de suas vidas – desde os relacionamentos interpessoais até o alcance de uma carreira de sucesso.

Enquanto pode parecer que tudo gira em torno do valor que Olivia atribui a si mesma, é importante ressaltar o ponto mais crucial da questão: esse mesmo valor vem de crenças sociais muito maiores que ela e que qualquer um de nós.

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