Quarto dia de garimpo musical e peregrinação em Austin. O acúmulo de atividades à essa altura começa a pesar de forma inversamente proporcional à maneira com que as cortesias de comida e bebida começam a ficar mais raras. Mas ainda temos forças, não será assim que irão nos derrotar.

A primeira parada do dia foi na tradicional e incrível Flatstock 77, uma feira de pôsters de shows e de artes gráficas com mais de 50 dos artistas mais interessantes da área, expondo e vendendo sua arte na forma de adesivos, botons, cartões postais, camisetas e claro, dentre outras coisas mais, fantásticos pôsters. Uma festa para os olhos e um aperto no coração por não ter como comprar metade de cada banca. Tem que ter algo de sadomasoquista nisso. Prazer e dor.

Dali, durante uma parada estratégica apenas para sentar e colocar pra dentro rapidamente nossos nutritivos sanduíches de 7-Eleven, acabamos “esbarrando” no show do grupo pop sul-coreano Balming Tiger, um povo extremamente irreverente que cantava e dançava preenchendo o palco naquela hora. Se você (ou uma filha sua, como no meu caso) curte um balanço coreano, sabe que não dá pra ignorar um palco ocupado por eles. Infelizmente não tive tempo de me aprofundar no trabalho da Balming Tiger mas me parece que o negócio deles é mais irreverência e versatilidade do que K-Pop mesmo.

A seguir tínhamos um compromisso cinematográfico importantíssimo: a estreia mundial do documentário Dio – Dreamers Never Die, dirigido por Don Argott e Demian Fenton, sobre a vida da lenda do heavy metal, Ronnie James Dio. O documentário estreiou no cinema mais belo e de maior
prestígio de Austin, o Paramount Theatre, com a presença na platéia, de figuras importantes na vida do astro, como sua viúva Wendy Dio e os também lendários Sebastian Bach, vocalista do Skid Row, e nada menos que Geezer Butler, baixista, letrista e membro original do Black Sabbath.

O filme vale muito à pena, mesmo para quem não é necessariamente fã de heavy metal. Dio era um artista completo e seu amor pelo que fazia é inspirador, para qualquer um. O filme é elogioso e mostra muito dessa busca de Dio por autenticidade e verdade em sua arte, sem deixar no entanto de ser um filme irreverente, com ótimos causos de bastidores e algumas recriações ficcionais bem feitas, que preenchem lacunas para as quais não devem existir imagens de arquivo. O Paramount estava surpreendentemente pouco ocupado e pudemos sentar muito bem (apenas algumas fileiras distantes das figuras lendárias que citei) pra curtir o filme e ouvir a música de Ronnie James Dio como deve ser ouvida, em bem alto e bom som. Grande experiência!

Pra não dizer que tudo são flores e que todos os shows são ótimos e que todos os lugares são incríveis, vou só mencionar de passagem um lugar chamado Idle Hands, onde, junto com um casal querido de amigos que fizemos por aqui, fomos tentar assistir ao show da banda Black Lips, da cidade de Atlanta. Sem entrar muito em detalhes: casa superlotada, som ruim, palco mais baixo que o público e logo, visibilidade quase zero pra maioria das pessoas. Nos perdemos de nossos amigos e logo abandonamos a barca furada sem poder dizer que conseguimos ver ou ouvir algo direito.

Mas calma, intrépido leitor, pois depois dessa, nossos reveses ainda não estavam no fim. Nossa última parada do dia/noite ainda nos guardava uma última surpresa desagradável. Fomos conferir o show da Wet Leg, duo da Ilha de Wight, formado por Rhian Teasdale e Hester Chambers, e acompanhado nos shows e gravações por outros três músicos. O lugar já era nosso conhecido pois era o mesmo espaço ocupado pela British Music Embassy quando cobrimos o show da Gallus e da Nuha Ruby Ra, há alguns
dias
. No entanto, a experiência legal que tivemos no outro dia foi transformada em algo um tanto negativo pela incompatibilidade do hype em torno da Wet Leg (que mesmo tendo lançado apenas alguns singles já é considerada a banda do momento por muitos) e o tamanho e estrutura do lugar. Muita gente espremida, muito fotógrafo, nenhum pit para fotógrafos, muito celular no alto tirando a pouca visibilidade de quem tava mais para trás, quase nenhuma máscara, enfim, com certeza, não eram
flores.

É possível que eu tenha deixado o cansaço e o consumo quase zero de álcool do dia afetaren minha paciência? Claro. É possível que o fato de ser feriado de St. Patrick’s por aqui tenha dado uma inflada maior ainda no público? Pode ser. É possível que o fato de eu ser quase ignorante a respeito dessa nova banda tenha levantado minha guarda, por assim dizer, em relação à música delas? Totalmente possível. O fato é que, sendo bem sincero, não posso dizer que foi uma experiência das melhores. O som da Wet Leg me parece bem feito e bem executado dentro do que se propõe. Pensei muito em Breeders quando as ouvi. As meninas também são simpáticas e brincalhonas, e tudo isso ajuda, claro, mas me senti um pouco “de fora da festa” demais. Vi várias pessoas cantando junto com tanta empolgação, músicas que me pareceram OK apenas. Sei lá, pode ser a idade também. Prometo refletir a respeito.

Aguardem novo relatório. A sexta-feira vai ser cheia!