O rapper paulista Rincon Sapiência realizou no Sesc Pompéia, na última sexta e no sábado (15, 16), shows de lançamento de seu segundo álbum (observação feita em sua primeira fala no show, direcionada aos, nas palavras de Rincon, “jornalistas e afins”, para lembrarem que, mesmo tendo lançado músicas nesse intervalo, esse é seu segundo CD). O sucessor do estrondoso Galanga Livre, de 2017, foi batizado como Mundo Manicongo: Dramas, Danças e Afroreps

O espetáculo se iniciou com a faixa que dá título ao projeto, contando com as boas-vindas de Rincon ao público, que agora estava inserido no mundo dele. E, contando com duas incríveis dançarinas ao seu lado, Gabb Cabo Verde e, com ela, Larissa Ozato, que, inclusive, protagonizou recentemente o incrível vídeo de “Are U Gonna Tell Her?” de Tove Lo com Mc Zaac. Acompanhamento este, que, inicialmente, estranhei um pouco, por se assemelhar ao formato de um show um tanto quanto mainstream

No entanto, a cada aparição das bailarinas, as presenças delas faziam mais sentido, o Mundo Manicongo é centrado na dança, como o artista expressa em quase toda canção do álbum, na tela do show, que reproduzia imagens de diversas danças de origem africana. E mesmo com Rincon completamente solto, dançando e se divertindo no palco, a coreografia energética e poderosa das dançarinas dava mais poder ao som e inflamava o público.

Por volta da quarta música do show, “Não Sei Pra Onde”, eis que surge, uma participação especial nada simples: Mano Brown. O público, cada vez mais imerso no Mundo Manicongo, agora havia mergulhado de vez, entrando em um verdadeiro êxtase com a presença do lendário rapper do Racionais MC’s. O MB10, como Rincon chamou o artista, também teve o palco só para ele no momento seguinte, com Sapiência indo para os teclados e deixando um dos mestres de seu gênero mostrar o que faz de melhor. Mano Brown finalizou sua participação afirmando o que muitos já reconhecem: Rincon Sapiência é um dos melhores de todos os tempos, e o resto da noite só reforçou isso.

A viagem pelos diversos gêneros presentes no álbum, como as batidas funk do sudeste (com direito à apresentação de passinho vinda de um rapaz na audiência, que chamou a atenção de Rincon), na faixa “Eu Mereço”, com Lelle, até o tecnobrega, presente em “Arrastão” com ÀTTØØXXÁ, característica da região nordeste, transformou o público ali presente para assistir um show, em pessoas que estavam em uma grande festa ou até em um bloco, cantando, dançando, rebolando com os amigos e até desconhecidos. 

“Homem rebola também!”, Sapiência avisa em um dos momentos, quebrando o padrão esperado pela masculinidade, padrão esse que o próprio artista não só prega, mas leva à risca em cima do palco.  

A conexão com a ancestralidade, assunto recorrente na discografia do rapper, estava presente em todo momento do espetáculo. Nos movimentos, nos telões, nas letras e, na diversidade de gêneros musicais. Com isso, em uma conversa depois da apresentação, Rincon definiu resumidamente suas referências para o processo criativo dos shows com uma única palavra, “Afrobeats!”, declarou o artista, se referindo à combinação musical de ritmos africanos. 

No Mundo Manicongo, os dramas que a população negra enfrenta, ficam menos nebulosos com os ritmos africanos representados no afrobeat, fazendo com que a dança libere diversos males, traumas e dores, e conectando essas pessoas com sua ancestralidade, esta que a influência branca, europeia e racista não incentiva, pois sabem que isso dá forças e identidade para essa comunidade. No entanto, projetos, espetáculos e mundos como os que Rincon proporciona, dão forças para transformar o mundo real, preconceituoso e conservador, em mais Manicongo: com ritmo, suor e luta.

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