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Mitski

Mitski. Crédito: Divulgação. Arte: Mad Sound

Mitski para de resistir ao fim de uma era em ‘Laurel Hell’

Sem uma linha para se guiar, Mitski simplesmente aceita as coisas como elas são; mas o que vem pela frente continua um mistério

Para uma era de fãs de Mitski que chegou entre 2018 e 2022, a perspectiva de um novo álbum era emocionante. Talvez essa não seja a palavra correta, é um sentimento mais intenso e até desesperador, mas carregado de emoções mesmo assim. Laurel Hell chegou poucos dias depois do primeiro álbum da cantora, Lush, fez 10 anos e serviu o que centenas de novos fãs esperavam, mas não foi o suficiente.

Não parece ser novidade para ninguém que a cantora tem sérios problemas com a indústria da música. Ela não seria a primeira e não será a última, mas Mitski anunciou, após terminar um show no Central Park, em Nova York, que estaria se afastando da carreira dela.

A maioria das músicas do novo álbum (e até mesmo de álbuns anteriores) demonstra o custo de fazer arte em relação a quem ela é como artista e as expectativas em cima da criação, além de uma vontade inerente de se aprofundar em si mesma, se examinar; a busca incessante de algo que nem mesmo Mitski sabe o que é. 

O desejo de cavar cada vez mais fundo, sem descanso, é o que ela está se referindo com o primeiro single “Working For The Knife”, com os sintetizadores da música rangendo, o violão no fundo mantendo a estrutura da música, mesmo que passe despercebido. A faixa deixa claro que qualquer que seja a força opressiva de sua escolha (capitalismo, questões de saúde mental, idade, entre outros) não tem escapatória.

Ela ainda volta esse tema em “Love Me More”, faixa com a melodia mais exuberante, no estilo dos anos 80, explicando que para que ela consiga amar o que faz, ela deve ser amada de volta, ao ponto de sufocar. “How do other people live? / I wonder how they keep it up? / When today is finally done / There’s another day to come / Then another day to come”. À medida que os limites entre arte e autoestima se desfazem, ela é apoiada por melodias teatrais de teclado no estilo ABBA

Já em “Stay Soft”, com os sintetizadores brilhando e caminhando em círculos, até faz parecer uma canção de amor protetora, dirigida especialmente ao seu próprio autor. O refrão é doloroso, estimulando um ponto desconfortável em que a dor e a honestidade brutal de um artista se torna uma mercadoria, e que se não é possível aguentar essa carga, crie uma casca para se proteger.

A cada disco, o som e estilo de Mitski ficaram maiores e mais grandiosos, mas ainda mantendo o elemento mais “cru” de seu álbum de estreia, assim como o lado de melancolia assombrosa de Puberty 2, de 2016. Laurel Hell, muitas vezes combina escuridão com luzes estroboscópicas, como em “Should’ve Been Me”. Depois de explorar o isolamento de se sentir como um “ninguém”, as explorações de Mitski de ser alguém provam-se igualmente convincentes.

Mesmo com um avanço gigantesco de produção, deixando seus álbuns mais polidos e profissionais ao longo da primeira década de sua carreira, o timbre da voz de Mitski ainda carrega uma sensação de afastamento, de uma artista sempre se pegando no ato de autoexposição. Essa qualidade distanciada não impediu sua adoção em massa por adeptos da estética online “menina triste”, que levou ao caos desenfreado com as músicas “Nobody” e “Washing Machine Heart” na rede social de vídeo favorita da geração Z. 

Esse componente que existe nas músicas de seu álbum de 2018 é a própria ficção. A própria cantora falou que algumas canções eram histórias de outras pessoas, observações dela, não experiências pessoais. Em Laurel Hell, não é assim. O sentimento é muito mais autêntico, e apesar de Mitski utilizar o artifício “influência dos anos 80” em diversas partes do álbum, será mais difícil para os fãs mais novos puxarem uma conexão tão intensa como foi antes.

Em Laurel Hell, o próprio título é uma espécie de imagem purgatorial, referindo-se a moitas de arbustos venenosos do sul em que as pessoas podem ficar presas e morrer. Aqui, Mitski documenta sua busca por modos de expressão além de sua vulnerabilidade ou bravura juvenil, mas essas músicas não conseguem cumprir a busca. 

O mesmo aconteceu com Lorde, antiga colega de turnê, em seu lançamento de 2021, o primeiro álbum após ter o seu “mais aclamado pela crítica”. As duas cantoras se igualam com a perspectiva de tomar escolhas estilísticas diferentes de seus discos anteriores para não repetir uma fórmula ou tentar alcançar patamares impossíveis. No caso, isso pode se tornar arriscado na instância de decepcionar os ouvintes. Na perspectiva de Mitski, que já falou milhões de vezes o quanto ela detesta a indústria de música mas não consegue parar de criar, tanto em entrevistas como nas letras e composições, talvez isso não seja um problema tão grande. 

No fim, Laurel Hell não serve para uma crítica rígida. Há questões hipotéticas, como: o álbum realmente existiria se a gravadora não tivesse cobrado? O quanto ainda se pode esperar de Mitski? Se nem ela sabe o que está procurando na sua arte, como ela pode esperar guiar algum ouvinte? Mas ela está tentando guiar alguém, ou são os fãs que insistem numa relação parassocial, amplamente rejeitada?

Em “I Guess”, a melodia estourada e enevoada aceita o fim de uma era. Mitski canta: “It’s been you and me / Since before I was me / Without you I don’t yet know / Quite how to live”. Essa composição, que poderia facilmente ter saído dos meus pesadelos, é reconhecer o fim pelo o que ele é, principalmente depois de tentar inúmeras vezes reviver algo que está há muito tempo morto. Mitski não sabe o que é viver sem ser artista, sem ter uma parte dela em fusão com a arte, e talvez tenha chegado o momento em que ela se deu por derrotada. 

No melhor dos casos, a cantora viverá por uma renovação a partir de agora e continuará na música, da melhor forma que ela conseguir. No pior dos casos, após o período de promoções de Laurel Hell acabar, nunca mais a veremos. 

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