Leon Michels, produtor vencedor do Grammy, lançou em 2025 o novo álbum de seu projeto El Michels Affair.

O disco se chama 24 Hr Sports e conta com a participação de artistas de diversas partes do mundo, como Clairo, Nora Jones, Shintaro Sakamoto, o brasileiro Rogê, entre muitos outros.

Conversamos com Leon sobre a diversidade e pluralidade presentes em seu novo álbum e também sobre seu amor pela música brasileira – que, surpreendentemente, não se transfere para os esportes. Confira na íntegra.

Entrevista: Gabriela Marqueti
Transcrição: Vitor Melo

Mad Sound: Vamos falar sobre seu novo álbum, 24 Hour Sports. Primeiramente, como surgiu o conceito para este álbum?

Leon Michels: A ideia veio de várias fontes, mas meio que começou de uma forma mais sonora. Eu tinha uma visão de como queria que o disco soasse. Estava ouvindo muito as batidas instrumentais do MF Doom presentes no álbum Special Herbs e aquilo realmente me impactou. A sonoridade, as fontes de samples e a forma como ele recortava tudo isso Então eu queria tentar criar algo assim para mim. E aí, a coisa dos esportes foi meio estranha. Aconteceu porque eu comecei a jogar softball numa liga para adultos. Nunca tinha praticado esportes antes, esportes coletivos. Eu simplesmente gostei de estar em um time e encontrei muitas semelhanças com o processo de fazer música. Então isso foi o começo do porquê de eu o chamei de 24 Hour Sports.  

MS: Que tipo de semelhanças você encontrou entre essas duas coisas?

LM: Bem, quando você faz música, para mim, é como se fosse um esporte coletivo. Não costumo fazer isso sozinho, e quando faço, não parece ser tão bom igual quando estou criando com outras pessoas. Fazer música é como ter uma equipe, cada um com seu papel e todos trabalhando juntos no mesmo objetivo. Quando conseguimos, é uma alegria coletiva, sabe? É bem parecido com os esportes. Essas são algumas das semelhanças.

MS: Uma das primeiras faixas do álbum, “Mágica”, conta com a participação do cantor brasileiro Rô. Como essa colaboração aconteceu?

LM: Meu grande amigo Thomas Branick produziu os dois últimos discos do Rô, então já o conheço há alguns anos. Também toco com o Tommy na Manahan Street Band, e até cheguei a gravar com o Roger. Já tinha uma certa relação com ele. Quando eu compus “Mágica”, não tinha a intenção de colocar vocais nela, mas depois que terminei, ela soava meio brasileira para mim. Então pensei que seria legal se o Roger cantasse nela. Essa é a única música do disco que realmente fala sobre esportes.Todo o resto não é tematicamente ligado a isso. Mas ele que se deu a liberdade de cantar sobre futebol.

MS: Impossível ser brasileiro e não falar de futebol.

LM: Exatamente. Eu adorei isso. 

MS: Você tem alguma relação pessoal com a música brasileira, a cultura brasileira ou até mesmo os esportes brasileiros?

LM: Bom, música brasileira. Estou nessa desde que a descobri, mais ou menos no começo dos meus vinte anos. Um disco da Gal Costa, um dos primeiros dela, foi o que me apresentou a esse universo. Isso meio que abriu as portas para a música brasileira. Até hoje, na verdade, acho que minha coleção tem mais músicas brasileiras do que qualquer outro estilo musical do mundo. Eu realmente amo. Nunca tentei fazer música brasileira pois é uma linguagem muito específica. Não é algo que você simplesmente começa a tocar. É  muito particular e técnico também. Tenho alguns amigos brasileiros e já estive em São Paulo. Fora isso, não muito mais. Sobre esportes, eu não sou muito fã. Meu filho adora futebol, mas o futebol americano. Futebol americano é muito novo para mim. Então, tirando caras como Pelé e os grandes craques, não conheço muito bem.

MS: Tem algo na música brasileira que te chama mais a atenção? Tem algo em particular que te faz gostar tanto dela?

LM: Muitas coisas. Na verdade, tudo. A música brasileira, especialmente dos anos 60 e 70, é incrível.  Adoro quando existem lugares no mundo onde existem influências de todos os lugares, sabe? E o Brasil é um exemplo perfeito disso. Há influência dos Estados Unidos, da Europa, de várias regiões do próprio Brasil e África.Tudo isso se mistura e acaba gerando algo completamente novo e específico daquele lugar. Algo que não aparece em nenhum outro lugar do mundo. Adoro quando isso acontece. Esse é o meu tipo favorito de música. É assim com a música jamaicana, brasileira e de várias partes da África também. É uma mistura total de um milhão de lugares diferentes. E, no caso da música brasileira, também tem o aspecto de produção. A forma como aquelas gravações foram feitas, os estúdios. São algumas das músicas mais incríveis daquela época.

MS: Isso é ótimo porque seu novo álbum tem muita diversidade. Você tem cantores do Brasil, de Gana, do Japão e de outros países. Como essa pluralidade se reflete na sua vida pessoal e também no seu trabalho como produtor? Isso faz parte da sua vida?

LM: Ah, sim. Em termos de influências multiculturais? Sou de Nova York e me casei com uma mulher mexicana. Ouço música do mundo todo. Além disso, cresci ouvindo jazz e muita música instrumental. Há um certo apelo em mim quando ouço música onde não entendo a letra. Gosto de ouvir a voz como um instrumento, sem precisar prestar atenção na letra. Sabe o que eu quero dizer? Para mim, eu realmente gosto de ouvir música sem entender o que estão dizendo. Isso, de certa forma, faz parte da minha paixão pela música instrumental. Posso apreciar a voz ou o som como um instrumento por si só, sem me prender às palavras.

MS: Você gosta de misturar muitas referências em sua música também. E há um toque de coisas do passado. Há também um pouco de modernidade em sua música. Como é o seu processo quando você está criando algo como este disco?

LM: Acho que minhas referências sempre são discos antigos. Eu ouço música de 40, 50 anos atrás. É a partir daí que as referências começam. Mas, ao mesmo tempo, não tenho interesse em fazer música que possa ser confundida com música antiga. Sempre quero que tenha um toque moderno, sabe? Meu processo também é assim: eu uso analógico, mas também todas as ferramentas atuais disponíveis para fazer música. Então, de certa forma, tento atualizar naturalmente essas referências mais antigas, e fazer algo que ainda soe moderno. 

MS: Você já trabalhou com grandes nomes da indústria, como The Carters, Kali Uchis, Dom Tolliver e muitos outros. Houve algum projeto de outro artista, em particular, que tenha sido mais desafiador para você realizar?

LM: Desafiador? Acho que tudo sempre é um pouco assim. O disco da Clairo [Charm] que produzi não foi desafiador da forma tradicional. Ele nos tomou um bom tempo para descobrirmos exatamente o que estávamos tentando fazer. Quando finalmente conseguimos, foi bem satisfatório. Sinceramente, não consigo pensar agora em algum projeto específico que tenha sido especialmente desafiador.

MS: Você tem algum favorito, que tenha sido muito divertido de fazer?

LM: Quer dizer, vou deixar as pessoas bravas se eu disser isso. Mas o disco da Clairo foi incrivelmente divertido de fazer. Ela basicamente veio até mim como uma popstar. Mas não estava nem um pouco interessada em fazer música pop. Ela queria criar algo como uma nova versão do que cada um de nós faz. O processo foi muito colaborativo. Além disso, foi extremamente gratificante, pois fez sucesso. É sempre incrível quando você faz algo onde a percepção do público não influencia na música. Mas aí quando ela é lançada, as pessoas aceitam. Isso é muito gratificante.

MS: E ela também está no seu novo álbum, certo?

LM: Sim, está. 

MS: Como é isso? Vocês gostam de trabalhar juntos? Funciona muito bem.

LM: Sim, claro. Ela e a Norah [Jones]. Eu produzi os discos das duas no ano passado. Elas acabaram se tornando grandes amigas e colaboradoras. Então, quando eu estava fazendo meu álbum, sempre soube que queria incluí-las nele.

MS: Mas você pretende fazer turnês? E shows no Brasil?

LM: Bom, espero que sim. Disse para o último entrevistador que não costumo fazer turnês porque não gosto muito. E tipo, na minha banda, como posso dizer, não existe uma infraestrutura para turnês.Quando faço turnê, são em lugares do mundo onde eu realmente quero ir. Se o Japão quiser que eu vá, vou. O mesmo para o Brasil. Esses são os dois lugares que eu quero ir. Então espero que sim. Mas não há nada definido ainda. 

MS: Você mencionou que já esteve em São Paulo antes

LM: Sim. Toquei alguns anos atrás com o Leafy Expressions. Não lembro o local, mas foi incrível. O público estava sensacional. Acho que haviam 2000 pessoas, mas só umas 200 nos conheciam. Mas isso não importava. Sabe, foi muito divertido.Também comprei discos incríveis lá. Esse é mais um motivo pelo qual quero ir em lojas de discos.

MS: Você se lembra quais eram?

LM: Não me lembro do nome. Era como um pátio que tinha uns dois andares. Foi numa loja bem pequena. Mas era incrível. Comprei muitos discos.

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