Entrevista e texto por: Dimitrius Vlahos e Heloísa Lisboa
Grooves hipnotizantes, sintetizadores poderosos e muita sincronia. Foi assim que a banda francesa L’Impératrice subiu ao palco da Audio no último dia 04 de novembro. Prestes a realizarem sua estreia na capital paulista, os seis integrantes do grupo conversaram com o Mad Sound sobre a tão aguardada vinda ao Brasil, a arte em meio às pressões da indústria e, claro, a saída da ex-vocalista Flore Benguigui.
A turnê também passou por Petrópolis (RJ), com duas apresentações no festival Rock the Mountain. Antes de mergulhar nos temas mais delicados, Charles de Boisseguin, fundador e tecladista do L’Impératrice, elogiou as paisagens da região serrana do Rio: “Para nós, franceses, vir ao Brasil pela primeira vez, descobrir o Rio desta forma… É basicamente como a selva. Árvores enormes, bambus, bela natureza e, o mais importante de tudo, o público brasileiro, que foi incrível”.
Os shows no Brasil tiveram como foco Pulsar (2024), terceiro e mais recente disco de estúdio da banda. Sem se distanciar do que já havia sido feito em Tako Tsubo (2021), o álbum minimiza os momentos introspectivos e parece feito justamente para brilhar em casas de shows e grandes palcos ao redor do mundo. Charles explicou que isso não é mera coincidência.
“Foi desafiador”, ele admitiu sobre o processo de gravação extremamente veloz. “Não foi muito prazeroso, sendo sincero, porque acho que, basicamente, no começo a gente não queria lançar um álbum. Mas sabe como funciona a indústria… a turnê inteira já estava marcada, então pensamos: ‘Ok, vamos fazer isso talvez uma última vez’”.
Apesar das circunstâncias pouco favoráveis, o artista se disse feliz com o resultado, descrevendo o disco como “algo feito especialmente para o ao vivo, super cru e cheio de energia.” A iminente e extensa turnê, incluindo shows no Coachella e em pelo menos três continentes, não foi o único ponto de tensão na jornada de Pulsar.
Em setembro de 2024, pouco tempo após o lançamento do disco, a então vocalista Flore Benguigui anunciou que deixaria o L’Impératrice. Integrante do grupo desde 2015, ela alegou “profundas discordâncias criativas e pessoais” e chegou a acusar os antigos colegas de sexismo e práticas de humilhação. Também no ano passado, o grupo reconheceu o estresse, mas afirmou em comunicado à imprensa que “as situações descritas por Flore não correspondem à realidade”.
Foi nesse contexto que Louve entrou em cena. Fã assumida da banda, ela contou que “tinha que dizer sim’” ao convite de Charles para assumir os vocais principais do L’Impératrice. A artista, familiarizada com a energia funk e disco, já tinha um EP e um álbum na bagagem, mas admitiu que estar no grupo é uma experiência muito diferente: “Comecei meu próprio projeto musical há cerca de três anos, então ainda sou um pequeno bebê”.
“Eu costumava trabalhar com amigos em música indie em Paris, depois conheci os caras — nós já tínhamos nos encontrado antes, em turnê — e então fomos para o estúdio, talvez uns cinco meses depois do início da turnê”, continuou. Ela ainda confessou que estava nervosa quando gravou “chrysalis” com “aqueles grandes músicos”. No palco da Audio, porém, sua inquietude parecia dissipada pela harmonia com os demais integrantes do sexteto.
Cantar os versos e melodias escritos por Flore exigiu dedicação, um trabalho do qual Louve não se escondeu. “Não foi difícil, nem fácil, foi tipo… Eu só precisava fazer meu trabalho e respeitar as letras, a Flore – que escreveu as letras -, a música, o público”, definiu. “Simplesmente trabalhei muito. Trabalhei, trabalhei, e aí encontrei meus próprios segredos em cada letra e em cada música.”
A conturbada mudança na escalação do L’Impératrice rendeu críticas nas redes sociais. A nova vocalista também foi alvo de comentários negativos, uma situação com a qual nunca havia lidado até então. “Flore esteve na banda por dez anos, mas eu não estava lá. Acho que é como uma família, ou como um casal, ou qualquer relacionamento em que às vezes você talvez precise terminar”, ela apontou.
Para Charles, a repercussão não ultrapassou as barreiras virtuais e o L’Impératrice segue sendo recebido com carinho por onde passa. Sobre a decisão de Flore, ele acrescentou: “Ela tem a verdade dela, nós temos a nossa verdade. E em dado momento, quando você trabalha com pessoas por 10 anos e está exausto, as coisas podem ficar distorcidas. E acho que estamos realmente bem e tranquilos com quem somos.”
Quando perguntados sobre uma possível sombra que poderia ser causada por outros grandes nomes do pop, funk, disco e indie que emergiram da França, como Daft Punk, Justice e Phoenix, o grupo defendeu que há espaço para todo mundo. “O mais importante é que todos nós [do L’Impératrice] viemos de diferentes formações musicais: música clássica, jazz, rock, música barroca… Acho que isso é o que faz a diferença”, argumentou Charles.
O guitarrista Achille Trocellier também refletiu positivamente sobre as particularidades de cada membro da banda, cujas letras são majoritariamente em francês. “É muito interessante, é um prazer, mas às vezes pode ser bem complicado. Ao longo dos anos, aprendemos a trabalhar em conjunto”, ele disse. “No final, é bem legal, porque podemos explorar muita da nossa diversidade musical e experimentar algo novo, com o qual não estamos acostumados. Esse, talvez, seja o lado bom: não ficamos andando em círculos”.
O futuro parece reservar um período mais tranquilo para o L’Impératrice. Segundo o tecladista Hagni Gwon, por causa do ritmo intenso que a banda adotou nos últimos anos, um novo disco não deve vir tão cedo, e o foco será o descanso. Até lá, eles terão mais tempo para reforçar o entrosamento com Louve e, quem sabe, explorar algumas das influências brasileiras citadas durante a entrevista — de Maria Bethânia a Marcos Valle, passando por Cartola e Astrud Gilberto.
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