Poucos artistas fora do mainstream, acertaram em uma roupagem inspirada pelos anos 1980 tão bem quanto Allie X, que por sua vez, não só se inspira pela década como nos apresenta uma nova pista de dança oitentista. O 3º disco de estúdio, Girl With No Face, é totalmente produzido pela artista e foi concebido em tempos pandêmicos.

Para além do X

A arte sempre esteve presente na vida da cantora, compositora e produtora canadense batizada Alexandra Ashley Hughes. Ela estudou piano clássico e canto no Centro Interlochen de Artes, no Michigan, EUA, e se formou no programa de Performance de Teatro Musical do Sheridan College, em Ontario, Canadá.

Sob o nome de Allie Hughes lançou os discos Waiting for the Prize (2006) e Ladies and Gentlemen (2009), além de ter participado de competições, contou com composições em trilhas sonoras de programas de TV como Instant Star, Triple Sensation entre outros.

Já em Los Angeles no ano de 2013 e sob o nome artístico Allie X, se aprofundou nos estudos de design sonoro e produção musical resultando no lançamento do single de estreia “Catch” em 2015, mostrando ao mundo suas novas influências e mesclando de maneira divertida synthpop com electropop.

Junto com outras 7 canções, Allie lança o cultuado EP de estreia CollXtion I (2015) e o primeiro álbum, CollXtion II (2017) seguido do EP Super Sunset (2018) e o favorito dos fãs, segundo álbum de estúdio Cape God (2020), com participações de Troye Sivan em “Love Me Wrong” e Mitski em “Susie Save Your Love”.

Ainda em 2015, Hughes colaborou com Troye Sivan em seu álbum de estreia, Blue Neighbourhood, co-escrevendo sete músicas. Após essa experiência e uma turnê conjunta, os artistas se tornaram amigos se ajudando nas composições e escrevendo para outros artistas, como aconteceu com a canção “Moonlight” de Seohyun e “Louder Than Bombs” do grupo sul-coreano BTS.

Odisseia oitentista no aguardado “Girl With No Face”

Enfrentando o momento trágico que nos cercou há 4 anos atrás, Allie se viu rodeada de questionamentos de incertezas sobre o destino da humanidade e de sua carreira, tendo em vista que a era anterior havia sido agitada. Em devaneios pandêmicos, a primeira faixa “Weird World” é concebida.

O pé na porta com sua bateria programada, suas fortes influências da coldwave e darkwave constrói uma base encantadora para Hughes brilhar com sua voz e começar o disco de forma tão simplista que em seu ápice guarda algo valioso. A faixa título segue a mesma dinâmica instrumental, trazendo novas camadas de guitarras e baixos que grudam na memória facilmente. Allie conta que enxerga a “Girl With No Face” (garota sem rosto, em tradução livre) como uma boa presença que surgiu em seu quarto enquanto estava compondo durante os últimos anos.

Se em “Off With Her Tits” Allie nos apresenta o que existe de melhor em seu terceiro disco, abusando de uma linha de baixo viciante e sua voz atingindo notas altas, nas faixas “John and Jonathan” e “Galina” composições de situações cotidianas da sua vida, ela mostra um lado mais palpável, para além da persona misteriosa. 

Em 2018, num encontro meet e greet, estão presentes John e Jonathan, namorados com nomes semelhantes e que Allie acha engraçado e promete escrever uma música sobre eles. “Galina” por sua vez, é sobre alguém em quem você confia e que simplesmente deixa sua vida. Hughes sofre com um eczema muito grave na parte interna dos cotovelos e certa vez encontrou essa senhora russa chamada Galina que preparava um creme milagroso. Um tempo mais tarde Allie descobre que não vai ter mais acesso àquele medicamento pois Galina perde a memória e se aposenta.

Enquanto “Hardware Software” foi feita sob improvisação, “Black Eye” que foi o primeiro single lançado em 13 de outubro de 2023, conta com Allie rimando sobre seus diversos pensamentos autodepreciativos e sua experiência em viver em um corpo frágil, dado muitos desafios físicos e estressantes no mundo artístico.

Na faixa “You Slept On Me”, a canadense mescla o seu synthpop com fortes elementos do gênero Hi-NRG (gênero de música eletrônica que surgiu no Reino Unido influenciado pela música disco e pop do final da década de 1970) e canta sobre um tweet que viu diversas vezes ao longo de sua carreira: ‘Vocês estão dormindo na Allie X’, no sentido de não prestarem atenção em seu trabalho.

Um das composições mais melancólicas de Girl With No Face, se encontra na faixa “Saddest Smile”, acompanhada por “Staying Power”, faixa com teor mais persistente sobre Allie ter reconhecimento de um “superpoder” de sentir altas doses de dor. A faixa foi escrita logo depois em que a cantora teve um ano difícil relacionado à sua saúde.

A finalização do disco com “Truly Dreams”, e cercada de boas referências, sua voz mescla perfeitamente numa balada italo-disco. Uma faixa mais fantasiosa e que Hughes escreveu pensando em drag queens, em sua identificação com esses artistas. O parceiro de Allie, George Pimentel, assina como co-escritor da canção.

Parcerias entre Allie e outros artistas estão sendo realizadas para divulgação desse projeto, em março se juntou aos artistas brasileiros Tolentino, Frimes e FUSO! no remix de “Black Eye” e recentemente com a norte-americana Empress Of no remix de “Galina”.

Girl With No Face revisita e presta grande homenagem a gêneros e nomes importantes da música dos anos 70 e 80, de modo realmente encantador. Além do seu trabalho habitual com o synthpop, neste disco, a cantora canadense mescla o dance-pop e o coldwave com fortes influências da new wave e Hi-NRG, canalizando forças gratificantes tanto de seus sintetizadores como de sua voz. Allie X ao embarcar em aventuras oitentistas nos mostra seu potencial para uma carreira consistente que se encontra apenas no início.

LEIA TAMBÉM: Favourite Dealer e sua atmosfera disruptiva no sensacional álbum de estreia ‘Control Dirt’