Em nosso sexto e último dia pra valer da garimpagem musical no Texas, fomos de volta para os lados de East Austin, ou zona oeste, em bom português. Lá pertinho de onde falamos com os caras da Taipei Houston, mas desta vez em um outro estabelecimento, o Easy Tiger, uma padaria/confeitaria e beer garden, pelo que entendi.

A tarde de shows era obra da produtora brasileira Brain Productions, numa maratona heroica de produção em Austin. O espaço do palco ao ar livre, ou Pátio, era muito amplo e o lugar em si bastante agradável, mas o sol se tornara inclemente mais uma vez e a apreciação dos shows do início da tarde seria para poucos.

No entanto, nem Atalhos e nem Tagua Tagua, os dois shows de artistas brasileiros que fomos conferir, se deixaram abalar pela condição menos que ideal. Acho que todos que viram projetos em andamento serem adiados pela pandemia estão felizes por estarem aqui realizando coisas, fazendo contatos, shows, mostrando sua música, enfim. Seja de noite, com casa cheia, seja de dia, com algumas poucas pessoas se refugiando do sol escaldante nas sombras um tanto distantes do palco.

Em comum também entre o duo Atalhos, do interior de São Paulo, e o gaúcho Felipe Puperi, que se apresenta como Tagua Tagua, a mesma necessidade de redução no tamanho da banda que completa o show, para se apresentar no SXSW. Uma constante, aliás, na maioria dos shows de bandas com mais de três integrantes que vimos por aqui. Por mais que Austin seja uma cidade-palco, ainda é longe e caro pra maioria das pessoas que vem de fora, ainda mais se você vier acompanhado de uma banda com seis ou sete integrantes, por exemplo.

Armados de suas vozes, guitarras e chapéus (quem sabe em um aceno de reconhecimento do caipira paulista para o cowboy texano) Gabriel Soares e Conrado Passarelli, da Atalhos, se apresentaram acompanhados de baixista e baterista e capricharam na trilha sonora daquele início de tarde. Conhecidos no Brasil, entre outras coisas, pelas muitas referências literárias nas letras de suas músicas, em Austin o protagonismo teve de ser mesmo da agradável sonoridade anos 80 do seu folk rock. E tá tudo certo. A tal da barreira da língua parece não fazer muita diferença quando as melodias são cativantes. Falamos sobre isso com o Felipe da Tagua Tagua e ele nos contou que sempre pensa na maneira como nós brasileiros crescemos escutando e amando música em inglês, mesmo sem entender nada da letra, e isso está longe de ser um obstáculo para uma conexão.

Tagua Tagua também se apresentou em formação de quarteto (uma pequena adaptação segundo o Felipe pois dava para completar o conjunto com um naipe de metais) e apesar do que apontei anteriormente sobre o sol afugentar o público da frente do palco, o som estava lindão. Quem estava pelos arredores com certeza curtiu enquanto tomava sua cerveja e comia seu hambúrguer, ou seu pretzel com mostarda que foi algo sobre o que fiquei bem curioso. Esse seria apenas o primeiro de três shows do dia para eles. Outros palcos, outros plateias, novas chances de conexão.

Depois da empreitada sob sol o escaldante no Easy Tiger voltamos para a área central da cidade onde fomos em busca do que seriam nossas últimas cortesias de Shiner Bock no SXSW, só pra dar uma relaxada entre compromissos. Eram mesmo os últimos minutos do expediente dessa área em frente ao Centro de Convenções, onde todo o dia podíamos passar para um reabastecimento de energias e por conta de estarmos na reta final do Festival, o pessoal lá estava generoso, dispensando duas latas por pessoa, o que ajudou bastante a refrescar o momento. Um banho e troca de roupas depois e estávamos prontos para o compromisso principal da noite que seria o show do duo brasileiro ANAVITÓRIA, em um dos palcos mais prestigiados e inusitados de Austin, o da Igreja Presbiteriana Central.

De longe a atração brasileira mais conhecida participando do SXSW, as meninas de Araguaína, encantaram com a delicadeza de suas vozes e melodias se apresentando no mesmo altar em que Billie Eilish se apresentou na edição de 2018 do Festival. A acústica e grandiosidade da Igreja só emprestou à apresentação um pouco mais daquela solenidade que faz um salão inteiro ficar em silêncio pra ouvir o sussurro de alguém. No público, muitos brasileiros, a julgar pela reação aos bem humorados comentários em português das artistas, sempre muito simpáticas e se mostrando maravilhadas com a experiência toda. Por outro lado, este é outro daqueles casos em que a música transcende e língua então acho que o público não-falante de português também levou uma sensação bem boa dali.

Já era mais de 23h quando saímos da Igreja, um tanto cansados, não só pelo dia de atividades mas pela semana toda e um pouco mais. A exaustão vai chegando devagarinho e se acumulando um pouco mais a cada dia e de repente você começa a pensar em coisas simples, como cama, banho, janta, com um carinho bem especial. Mas rendição é uma palavra que não existe no nosso vocabulário e precisávamos terminar a cobertura musical em grande estilo. Depois de uma parada estratégica na base de operações colocamos o pé na rua de volta em direção à mesma boa e velha East Austin, agora sem sol escaldante da cabeça mas com um belo de um vento gelado lambendo nossos rostos.

Nosso objetivo era conferir um show que eu já queria ver há um bom tempo, o da Surfbort, banda punk de Nova York mas também meio que baseada em Los Angeles, com uma vocalista das mais carismáticas e um show que é pé no acelerador o tempo todo. Chegamos no bar chamado Hotel Vegas (que, por sinal se tornou outro dos meus locais favoritos daqui), mais precisamente no palco ao ar livre, o Hotel Vegas Patio, e o show já estava começando.

A apreciação do show dessa vez foi um pouco diferente porque nosso arranjo tradicional não funcionaria. Geralmente meu irmão e parceiro Rafael Beck se posiciona no pit em frente ao palco armado de seu infalível harness de couro com duas poderosas Nikon penduradas, e eu só acho um lugar confortável, se possível, pra curtir o show e faço algumas fotos na posição de fotógrafo secundário. Dessa vez, no entanto, por conta da minha vontade de conferir de perto esse show e da minha vantagem em estatura, enrolei a alça da câmera na mão e entrei na roda punk, enquanto o Rafa pôde curtir de uma distância segura. O quê dizer? Divertido não descreve completamente. Foi catártico, um momento dionisíaco de curtição pura e ao mesmo tempo de trabalho extremamente proveitoso.

Tomei banho de cerveja e em um dado momento um cara passou voando por cima de mim, mas fiz umas fotos bem legais, deixando o dedo solto e disparando com o flash direto na galera do mosh pit e mesmo bem na cara da vocalista Dani Miller (até porque nesse show as regras da boa etiqueta fotográfica podiam ser dobradas ou mesmo quebradas). Ainda trocamos uma ideia depois do show com essa frontwoman que não só tem uma presença de palco única mas também uma voz surpreendentemente aveludada para quem canta o tipo de música que ela canta. Definitivamente um baita encerramento para a nossa cobertura musical.

Em breve um texto resumindo toda a nossa experiência por aqui e possivelmente mais alguns escritos aprofundando algumas coisas legais que pudemos apreciar. Até!