No ano em que a música se tornou o kit de sobrevivência de tantos, escolher e elencar os melhores lançamentos que se tornaram companheiros e colegas de quarto foi um desafio, inesperadamente, árduo e até doloroso.

Cada um dos onze discos abaixo se tornaram a trilha sonora dos últimos doze meses que mais me conheci, me desafiei e cresci – e é claro, com o progresso, sempre há dor, mas para mim, sempre também irá ter dança. Álbuns estes que me sinto na obrigação de agradecer, se tornando primordiais para auxiliar em tantos sentimentos e me fazer crer que o melhor estar por vir, e que independente de quando a luz irá surgir, ou quando iremos estar todos juntos novamente, a música sempre vai permanecer sendo confidente incondicional por toda a vida.

11) Gloria Groove: Affair
Dos singles meticulosamente lançados através dos meses até o conjunto da obra de Affair, novo EP da drag queen extrodinaire, Gloria Groove, a fusão de pop, R&B e rap emergiam com uma perfeita proporção de nostalgia e frescor, com canções capazes de divertir, como “Vício”, e até a sensível “A Tua Voz”, o lançamento também inclui um protagonista inédito: Daniel, artista que dá vida à Glória, em Affair traz a definitiva permissão artística de uma das figuras mais importantes do pop brasileiro nos últimos anos.

10) Luedji Luna: Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água
O blues, jazz e MPB se reunem com uma intensidade e delicadeza inédita em Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água. O mais recente disco de Luedji Luna nasceu pra fazer a ouvinte dançar, ao mesmo tempo que sentir e refletir sobre ela mesma e os que as cercam. Com o poder do autoconhecimento, vem a vulnerabilidade, e no projeto, Luedji mostra que tais tópicos não são opostos que não se atraem, e sim, lados de uma mesma, necessária e preciosa moeda.

9) Laura Marling: Song For Our Daughter
Poucas coisas doem mais que o mais recente disco de Laura Marling, Song For Our Daughter. Ao mesmo passo, poucas coisas possivelmente soam mais belas que esse projeto. Com acordes, canto e letras que parecem ter sido concebidas diretamente de uma espécie de suave vento gelado de um topo de uma isolada montanha, te desafio a não se aprofundar nas narrativas de Marling, as trazendo para sua própria vida, e não sair com o coração mais quente, e talvez com lágrimas mais frias.

8) Kali Uchis: Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios)
Se tornar o sucessor de um álbum, de certa forma, responsável por te colocar no mapa como Isolation, primeiro disco comercial da colombiana Kali Uchis, é uma tarefa e tanto. Mas ao conhecer a artista latino-americana, a decepção não parecia ser uma opção para este projeto, no entanto, a relusente, habilidosa, teatral e palpável fusão do reggaeton, jazz e R&B presentes na fluída tracklist de Sin Miedo, pegaram muitos, inclusive aqui vós escreve, de maneira desprevenida mas com uma surpresa de final do ano certamente não menos agradável.

7) Jup do Bairro: CORPO SEM JUÍZO
CORPO SEM JUÍZO, de Jup do Bairro, se tornou um dos projetos brasileiros mais celebrados do ano, e a razão chegamente não chega em vão. Com composições extremamente pontuais, contando com uma narrativa rica, colorida, quase palpável enquanto Jup compartilha memórias, dores e sonhos, até o instrumental, que passeia pelo experimental, funk, até o rock, é impossível não se emocionar e embarcar na história da artista, uma das mais cativantes e fascinantes da cena musical brasileira da atualidade.

6) Ventura Profana, Podeserdesligado: Traquejos Pentecostais para Matar o Senhor
Um dos mais poderosos projetos da música brasileira, Traquejos Pentecostais para Matar o Senhor, de Ventura Profana e Podeserdesligado não pode ser comparado com nada já lançado. A utilização da religião – em um verdadeiro movimento de utilizar o feitiço contra o feiticeiro – presente composição e também nos retumbantes e hipnotizantes sons do EP servem para proteger e impor a presença, vitória e vida das travestis pretas contra gerações oprimidas e mortas pelo domínio colonial dos senhores. Som da vida este, criado por Profana e Pode que está longe de ser cessado.

5) HAIM: Women In Music Pt. III
O mais recente disco do trio de irmãs mais queridas da música atual foi meu lugar de conforto em tantas incontáveis ocasiões, que o clássico desejo de ser descoberta por acaso como a quarta irmã HAIM parece ter se tornado realidade.

Danielle, Este e Alana reunem narrativas pessoais de maneiras honestas e com isso, também devidamente bem-humoradas e dinâmicas, tranparecendo mais do que nunca a personalidade de nunca levar nada tanto a sério das artistas. Ao mesmo tempo, é díficil pensar em algum projeto que as irmãs tenha levado mais a sério que WIMIII, tal fusão, um tanto quanto contraditória à primeira vista, resulta no melhor projeto das HAIM até hoje.

4) Dua Lipa: Future Nostalgia
O segundo álbum da inglesa Dua Lipa, Future Nostalgia foi, sem competição aparente, o disco mais tocado durante o meu ano de 2020.

O motivo, se me atrevo dizer, é simples, tendo em vista que o projeto trata-se da música pop atual em sua melhor forma: divertido, atrevido, mas que abraça e ao mesmo passo chacoalha, fazendo se impossível de não se contagiar por Dua, que ao lado de fiéis colaboradores e do mega produtor Stuart Price, responsável por literais bíblias da música como Confessions On A Dance Floor, de Madonna, narra a superação de seu coração, antes partido, que agora se cura ao se submeter ao mais recomendado dos procedimentos para o caso: ressucitação pela pista de dança.

3) Jessie Ware – What’s Your Pleasure?
Certamente deve estar para nascer um disco que reuna uma aura tão elegante ao mesmo tempo que enflamante, charmosa mas discreta, fresca mas nostálgica que What’s Your Pleasure, obra da britânica Jessie Ware.

Desde “Spotlight”, primeira canção do projeto que chegou aos meus ouvidos, fui diretamente capturada para o mundo que Jessie criou, e o sentimento peculiar de achar algo que você, inconscientemente, estava procurando, mas não sabia ao certo, tornou a partir da faixa e, mais tarde, do disco, um teletransporte para outro lugar, em que as batidas contagiantes e a emocionante orquestra proporcionavam um senso de esperança, uma adrenalina semelhante à expectativa do que uma noite na cidade pode proporcionar até um, arrisco dizer, sentimento parecido de quando percebemos nossa própria juventude e a preciosidade dela – mágica esta perdida ao redor do mundo este ano, recuperadas pelas mãos de Jessie.

2) Fiona Apple: Fetch The Bolt Cutters
Não me chamo Pitchfork, mas deixar Fetch The Bolt Cutters de fora do pódio dos melhores discos do ano seria uma tarefa um tanto quanto impossível.

A intensidade e imponência contrastando com a vulnerabilidade emocional e instrumental praticamente caricatas despertadas por Fiona Apple me causaram incontáveis vezes de lágrimas à passos fortes sendo dados no caminho do único passeio possível do ano de 2020… o supermercado: acreditem, o corredor de macarrão dificilmente viu uma mulher mais decidida caminhando ao som desse disco.

Em um movimento de atração (a demanda pelo que Apple quer, sonha e precisa), e repulsão (sem sentimentos pela metade, sem exigências da indústria, sem homens asquerosos no caminho dela e de qualquer mulher que, com sorte, cruze com este trabalho), Fiona criou um projeto pulsante, colorido e unificador ao mesmo passo que mais intímo impossível, mostrando como o autoconhecimento e um brutal estado de permissão pode não só libertar a própria artista, mas todos que, agora, a levam com ela.

1) Taylor Swift: folklore
Verdades sejam ditas: quando se trata de Taylor Swift o receio de enaltecer uma artista tão polarizadora na indústria da música se torna sim presente. E mentiras também não sejam colocadas de lado: entre gregos e troianos, ou melhor, swifties ou os anti à artista, algo sempre me localizava no lado mais favorável da contínua tensão que a cerca por seus mais de dez anos de carreira.

Mas foi no oitavo disco da carreira de Taylor, folklore, lançado de surpresa em julho de 2020, que minha posição geograficamente musical foi esclarecida e justificada: a intimidade da artista que percorre todos os aspectos do projeto, desde a composição, mais afiada e friamente sincera do que nunca, em uma narrativa diversa que traz nostalgia de nossas próprias histórias, mas também expande a mente invadida pelo mundo fícticio de filmes, livros, e romances e desafios que não são nossos – um hábito um tanto quanto saudável para um ano em que o horizonte se encontrava tão estável, cinza, e insuportávelmente infinito.

Ao lado dos célebres Jack Antonoff, Aaron Dessner, Justin Vernon, do Bon Iver, e até do ator Joe Alwyn, companheiro da artista, folklore é, do começo ao fim, um prato cheio, no entanto, simples e eficaz de tudo que Taylor Swift faz de melhor, desde canções díficilmente imunes ao lado mais frágil de qualquer fã de música como “Exile”, até carismáticas e coloridas faixas pop-country como “Betty” – ao mesmo tempo que ela reforça sua marca registrada, Taylor evolui diante dos olhos e ouvidos do público, uma habilidade que apenas uma artista de sua altura e propriedade de Swift conseguiria fazer.

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