O WME Conferece RMX 2020 aconteceu no último final de semana, 18, 19, e 20, dessa vez, no formato online, mas certamente não com menos atrações, painéis e trocas vitais para aprender, empreender e relembrar o porquê o lugar da mulher no mundo da música é mais do que apreciado, e sim, necessário.

Em entrevista ao Mad Sound, a curadora musical do CCSP e co-fundadora do WME junto à jornalista Claudia Assef, a gestora Monique Dardenne, contou sobre as árduas fases que antecederam o que o evento desse ano estava plenajado, e foi destinado a se tornar. “Nós pensamos em cancelar e a gente ainda não tava com o decreto de que seria obrigatório, mas a gente entendeu naquele período que pelas artistas, pela segurança de quem trabalha, do nosso público, a gente tinha que cancelar para não ser um foco de disseminação da doença. E era tudo muito novo, e era pra ser nossa maior edição, o evento de domingo ia ser feito no Largo da Batata, então a gente tava esperando um público super grande (…) foi difícil trabalhar três, quatro meses em um projeto que é um dos nossos projetos do ano e ver tudo simplesmente desmoronar. Então foi um período que a gente teve que se entender como pessoas também nas rotinas, no trabalho, e observar o que nossos amigos e parceiros estavam fazendo ao redor para tomar a decisão de como o evento poderia acontecer, mas em nennhum momento a gente achou que ele não iria acontecer.”

“E aí, quando a gente cancelou, a gente tava remarcando tipo tudo pra junho, e quando a gente entendeu que não iria acontecer em junho, a gente ficou tipo não adianta seguir com isso porque o momento não pede. Tudo que a gente queria fazer com o WME, era remunerar as pessoas, porque o que a gente entende é que no momento as pessoas estão realmente sem emprego então, além de remunerar, trazer informação, conexão, e dar ferramentas para no momento as pessoas terem um pingo de esperança do que fazer para continuar a sua arte e ganhar algum dinheiro”, ela conta. O WME, inclusive, passou de um ingresso diário de R$50 para R$15, a fim de incentivar o público e garantir tal remuneração para as profissionais.

“Então a gente teve que visitar completamente a nossa programação, porque quando a gente fala de conferência, a gente fala de temas atuais, às vezes a gente sempre discute o passado, mas miramos para o futuro, e nesse momento a gente não tá conseguindo mirar no futuro, a gente tem que pensar muito no nosso presente. (…) Pegamos muito coisas sobre lives, podcasts, com dicas para fazer lives, vídeos, luz, captação de voz, porque é um dos únicos recursos que as artistas estão tendo para monetizar, então a gente pensou muito nisso: como dar essa ferramenta para o momento atual? Também estamos discutindo sobre assuntos como saúde mental que é definitivamente um assunto presente e vai refletir para o futuro (…) a gente acredita que a conversa para esse momento em que as pessoas estão precisando de inspiração e de informação é muito precioso, e ninguém é o dono da verdade, mas a gente tá passando o que a gente tá vivendo, então é dar a possibilidade de abrir a cabeça de tantas mulheres e homens que estão parados nesse momento é o nosso papel”, Dardenne completa.

Com mais de 70 mulheres da indústria escaladas na lineup, o evento começou com força total com diversos painéis, entre eles, sobre o mercado em extensão das lives, que contou com uma mesa estrelada com Luísa Sonza, Negra Li e Karol Conká, trocando suas experiências sobre o formato de show, suas percepções a respeito de negócios e valor delas como artistas, e suas metas ao realizarem os espetáculos, como ressalta Sonza, conseguindo fazer uma espécie de 360º, levar entretenimento, ajudar as pessoas que mais precisam no momento, e continuar pagando equipes de shows. A pauta até rendeu ideias futuras vindas de Conká, que indagou se em futuras apresentações presenciais, o show transmitido via Internet pode ser uma opção para fãs que moram longe, podendo conferir o espetáculo à distância, e através de um ingresso mais barato.

As possibilidades advindas do podcast também se tornaram debate entre Cris Fernandes, do Ideias Negras, Ju Andrade, do Musonas e Maitê Freitas, que explicitaram os bastidores por trás da plataforma que, em sua maioria, parece ser, para os pequenos podcasts, apenas uma forma de diversão, e não de monetização, tendo em vista investimento de marcas só indo para grandes nomes do meio. Apesar disso, as comunicadoras constataram: na pandemia, todos viram que dá pra ficar sem várias coisas, mas sem música, filme, série, podcast, ou seja, entreternimento, é impossível.

Um Q&A com a madrinha do evento, ninguém menos que Daniela Mercury foi feito em conversa com uma das idealizadoras do WME, Claudia Assef. “As mulheres que colocamos de madrinha geralmente têm uma idade média de 35, 40, 50 anos, e a gente tem as homenageadas com mais de 40 anos de carreira na premiação, então a gente acha importante mostrar o exemplo da carreira, da trajetória de vida, tanto como artistas, como empresárias no mercado para que essas mulheres consigam inspirar outras mulheres. Porque eu quando eu comecei na música, eu não tinha mesmo musas inspiradoras executivas da música, então eu semper me inspirei nos caras.”, explica Monique sobre a escolha do cargo no evento, que já passou por Marina Lima, Pitty, e Céu, mas sempre sonhou em ter Mercury presente e ela, como inspiração na música e também no ativismo, chegou no momento certo ao WME.

“Então você dar voz para uma mulher dessas que foi e é tão importante para o mercado da música, que quebrou muitas barreiras, é uma escola da vida, real! E que muitas vezes em entrevistas, elas só foram perguntadas sobre… ‘Nossa, ela se assumiu homossexual’, ou ‘Nossa, o que ela faz pra ficar com aquelas pernas bonitas’, isso pra gente é muito irrelevante, a gente quer história da vida, a gente quer inspiração, a gente quer saber como essa mulher venceu, como ela trabalha no seu dia-a-dia…”, complementa Monique.

No segundo dia do evento, uma nova avalanche de assuntos e grandes nomes permeiavam o inspirador ambiente virtual que contava até com simpáticos palcos virtuais desenhados no site do WME.

Em meio à tantas pautas necessárias, um dos painéis em que Dardenne mais estava ansiosa para conferir, sobre as restrições e preconceitos que chegam junto com a idade ao ser uma mulher no meio musical, pode ser eleito, talvez, como meu momento favorito da conferência. Com Fabi Lian na mediação, Marta Carvalho, do Festival Satélite, a radialista Pat Palumbo, a primeira mulher guitarrista a fazer sucesso no Brasil, Lucinha Turnbull, era impossível não se inspirar, rir, e querer tomar um café com as maravilhosas mulheres que compunham a conversa, ao se completarem e se apoiarem sem nenhum esforço a cada fala. Com destaque para as histórias de vida de Fabi, Pat e Lucinha, e as lições de vida urgentes de Marta, ao refletir sobre o tempo de vida das mulheres pretas, em que, ao ter que lutar para sobreviver a cada segundo de sua vida, não teve tempo para ver o tempo passar, e só de estar ali aos 40 anos, ela é uma estatísca de vencedora.

O debate que reuniu as incríveis Cashu, DJ Donna, Eli Iwasa e Lei Di Dai, artistas e idealizadoras de destaque na cena eletrônica do Brasil e do mundo contou com a jornada das profissionais, mas como já estava sendo de presença marcada em todas as conversas até agora, trouxe um aviso: há muito trabalho a ser feito a respeito de oportunidade para minorias em qualquer vertente da indústria da música, e o investimento para artistas e espaços independentes e undergrounds, na pandemia, não tem vez para as marcas perto de nomes mainstream já estabelecidos, reforçando os desafios do meio.

A noite continua com Roberta Martinelli entrevistando a lendária Teresa Cristina, (capa da Vogue Brasil este ano), conversando sobre seu legado e importância de estarem presentes em um evento sobre mulheres na música. A companheira de TV Cultura de Martinelli, Didi Couto também estava presente no evento junto a Paula Lima, Mafalda Ramos, da Batekoo e Brisa Flow sobre um assunto infelizmente e aparentemente interminável: a importância e intrisecidade da música ser preta, e a oportunidade para artistas pretas não ser à altura. Já na Discografia WME, as já eternizadas mesmo tão jovens, Letrux e MahMundi se sentaram e conversaram sobre suas impactantes carreiras para a apresentadora Sarah Oliveira.

O sábado a noite foi embalado pelo show de graça, no canal da Budweiser com shows de Rakta, e o trio As Baías, estreando com muita classe, diversão e imponência sua nova era.

No domingo, o terceiro e último dia contou com apresentações gratuitas de Tiê, Mc Souto, e no cair da noite da mágica Xênia França e a brilhante Céu, que em, 1h de apresentação, tentaram, mesmo em uma Casa Natura Musical povoada apenas pela equipe do evento, matar as saudades do palco e contagiar com a fantasia que só um grande show pode proporcionar, os fãs cantando em casa e lotando os chats da live com mensagens de amor, agradecimento, e muitas letras de música para acompanhar as artistas na apresentação.

Apesar de algumas dificuldades técnicas totalmente entendíveis ao ter que inovar nas condições de realizar um evento desse porte em que o momento permite, a equipe do WME, sem exceções pareceu lidar com profissionalismo, agilidade, mas mais do que isso, entender e se dedicar à algo que mais parece ser uma verdadeira missão em formato de evento que teve como proposta nos lembrar que os palcos existem, anseiam por todas nós, e estão nos avisando que nos vemos em breve.

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