O cantor e compositor capixaba André Prando lançou em julho deste ano o álbum Iririu, sucessor de Voador (2018).
A palavra Iririu é define uma identidade, a eterna jornada de autoconhecimento, conversas íntimas e a vida na estrada. Tudo isso serviu de inspiração para Prando neste disco.
Em uma conversa exclusiva com o cantor, ele revelou alguns detalhes do álbum e de sua jornada. Confira o papo na íntegra logo abaixo.
O que significa Iririu e por que você escolheu esse nome?
Iririu é uma palavra mágica do Brasil, misteriosa em sua origem, vitoriosa pela forma viva que fluiu (…) é um cumprimento, um salve inebriante, um grato axé” – depois de uma introdução apoteótica com trombetas estrondosas, é assim que eu abro o disco e começo a dar as primeiras palavras da canção. Iririu tem uma origem longínqua e misteriosa. Uma palavra capixaba sim.
Não sei te dizer como começou essa história. Mas meu contato com a palavra se deu ali em 2010, quando entrei na UFES e, naquela época, ali pelos prédios de artes, eu ouvia muito a galera usando essa expressão como um cumprimento. Nessa época rolava um encontro semanal em frente ao prédio de Artes que se chamava Fogueirinha Vibe – que eu também cito na música.
A galera se juntava pra trocar ideia, fazer um som, psicodelizar, curtir a fogueira, curtir a vibe. Ali era um momento em que eu ouvia bastante as pessoas se cumprimentando com a palavra Iririu e sentia que vivia experiências que considero vivências Iririu. Ali eu tinha 20 anos, já era músico, mas tava começando a conhecer a galera ainda, não tinha muitos amigos de longa data, então observava e absorvia muito (…) Usar “Iririu” como nome do álbum e como tema para uma música é uma forma de homenagear e afirmar parte da nossa história e da nossa identidade pro mundo.
Iririu, apesar de ser uma palavra alegre, descontraída e curiosa, representa a identidade de uma galera. Quis afirmar aqui uma homenagem e um orgulho de uma palavra de origem capixaba. Muitos anos antes de eu ter contato com a palavra, muitas pessoas já usavam e se identificavam com esse cumprimento. Eu, que passei a usar bastante também, inclusive em minhas circulações, achei interessante contar essa história, como uma lenda, citando personagens importantes na história da palavra e da cultura Iririu.
A música Iririu soa divertida, mas traz referências de um universo rico, tentando explicar algo novo, apresenta um cenário imagético, uma das referências nessa intenção foi Jorge Ben cantando sobre Hermes Trismegisto e a Tábua de Esmeralda, de forma didática, misteriosa e convidativa. A partir dessa afirmação de identidade, o disco segue destrinchando cuidadosamente o meu íntimo, aproximando minha música de quem sou eu como pessoa.
Quais foram as inspirações para o álbum?
Nesse álbum eu quis aproximar a minha música de quem eu sou como pessoa. Eu consumo muitas referências diferentes, sou uma pessoa que ouve e frequenta o samba, o rock, o reggae, jazz, forró, balada… porque minha música não expressa essa pluralidade? Eu parti meio daí. Alguns artistas brasileiros que me inspiraram muito pra colocar em prática essas referências diversas foram Milton Nascimento, Alceu, Caetano, Gil, Raul Seixas, Sérgio Sampaio, Mutantes, Zé Ramalho… são referências que fizeram eu me encontrar musicalmente.
As poesias vêm de outros lugares. Eu vim maturando a ideia de compor algo que falasse sobre a palavra Iririu há alguns anos. Achei pertinente contar um pouco da história de uma palavra que nasce e se desenvolve no Espírito Santo e ganha as estradas, envolve diferentes identidades, diferentes histórias de diferentes gerações, norteados pela vida ávida, pela expansão da consciência, pela celebração da natureza e um modelo simples de vida, valorizando as conexões e vivências, tendo a arte como forte expressão.
O repertório do álbum vem se acumulando e amadurecendo de forma bem viva. “Patuá” é a música mais antiga do álbum, uma parceria com LUIZGA. Começamos a compor em dezembro de 2017 e finalizamos em outubro de 2021. A grande maioria é de 2020 pra cá, tendo finalizado “AMORTECONSIDERO” e “Muita coisa” já durante o processo de produção musical, no meio de 2023. A produção musical e os arranjos foram feitos por Rodolfo Simor e eu assino com ele. Foi ele quem produziu meu primeiro álbum, Estranho Sutil (2015).
De lá pra cá, eu lancei outros trabalhos e me conectei com muita gente pelo Brasil a fora, fiz shows em palcos importantes, gravei com artistas que são referência pra mim… desde meu álbum anterior, Voador (2018), que me permitiu voos importantes, eu fiquei um tempo sem saber como dar “o próximo grande passo”. Foi quando eu comecei a desenvolver a ideia do “Iririu”, pensando nesse resgate de uma história e identidade do meu estado de origem, pensando em conseguir aproximar minha música de minha pessoa, de expressar coisas mais íntimas, contar uma saga de amadurecimento, abraçar as pessoas que me conectei em mais de 10 anos de trabalho, gravar com diferentes músicos pra além do formato banda base, orquestra, sopro… “preciso voltar pra casa”.
Então, produzir novamente em casa foi uma maneira de fazer tudo da forma mais bem elaborada possível, com mais segurança, mostrando as potências que temos pelo Espírito Santo bem conectadas com diferentes potências do Brasil.
Além desses elementos que já citei, é um álbum norteado pela saga do amadurecimento. Depois que você atravessa o portal “Iririu”, que é a primeira canção do álbum, você acessa com profundidade a complexidade da paixão, com dilemas entre o espiritual e o carnal. Abordo a antropofagia sob o olhar de Oswald de Andrade pra analisar o crescimento da criança, do adulto e a nossa relação com a natureza numa consciência de unidade. Abordo morte/vida, temos referências da cultura psicodélica de Albert Hofmann, Timothy Leary, Hermann Hesse, Jodorowsky de forma bem diluída e bem aplicada em questões comuns do dia a dia… O tema da estrada, da vida nômade e cigana do artista também é bem desenvolvido em todo álbum e o amor, em suas diferentes faces, é o fio condutor dessa saga.
Como você sente que esse lançamento é diferente do álbum anterior?
Sinto que minha obra amadurece junto comigo. As histórias das composições são as histórias que vivencio (ou crio), as referências, a estética, tudo passa pela metamorfose natural que eu passo como pessoa. É assim que eu intenciono e permito, gosto de como o trabalho soa e ecoa de diferentes formas. Acho que soa tudo diferente e, ao mesmo tempo, há conexão. Voador tem uma pluralidade que me agrada bastante e de uma forma geral soa bem rock. Talvez essa seja a maior diferença, em Iririu tem menos rock. Mas tem uma boa dose também. Iririu permite mutações. Também procurei escrever letras mais diretas, tem muita subjetividade e profundidade sim, mas tem uma linguagem mais clara.
Quais são suas maiores influências musicais?
Eu sempre consumi muitas referências diferentes e isso me trouxe até aqui, com esse trabalho mais plural que é o Iririu. Sinto que nesse álbum eu consegui expressar bem o artista livre que sou. Alguns nomes da música que considero importantes em mim são Milton Nascimento, Alceu Valença, Raul Seixas, Sérgio Sampaio, Belchior, Tom Zé, os Mutantes, os Beatles, John Frusciante, David Bowie, Queen… mas é impossível não citar referências do cinema e da literatura. São universos que me inspiram e estão presentes em minha obra tanto quanto as referências musicais… Alejandro Jodorowsky, David Lynch, Carlos Castaneda, Aldous Huxley, George Orwell. A contracultura, o estranho, a subversão, a utopia, a psicodelia, o sonho… sempre foram materiais valiosos que me servem de combustível.