Texto por: Agatha Flora
No começo, parecia só mais um dia para os fãs de Hayley Williams. Nenhum anúncio de álbum, nenhuma promessa oficial. Mas, por trás do silêncio, a vocalista do Paramore preparava um dos movimentos mais ousados da sua carreira solo. Primeiro veio a faixa “Mirtazapine”, entregue em um CD caseiro para a rádio WXNP Nashville — um gesto que soava mais como presente pessoal do que como campanha de lançamento.
Depois, um convite enigmático em meio a um lançamento: sua marca de tintas de cabelo, Good Dye Young, apresentou uma nova cor, um amarelo vibrante batizado de EGO. A edição era limitada e quem comprasse recebia um código para acessar um site retrô, direto dos anos 90, repleto de imagens aleatórias, arquivos soltos… e 17 novas músicas. Os compradores eram incentivados a compartilhar o link com amigos, espalhando o mistério.
Poucos dias depois, os arquivos desapareceram. No lugar, apenas a mensagem: “Thank you for listening”. E então, como num piscar de olhos, todas as faixas chegaram às plataformas digitais como 17 singles independentes, cada um com identidade própria. Hayley descreveu o movimento como algo natural: “Eu não queria fazer um álbum, só precisava escrever… e acabei com todas essas músicas.”
Conquistando a tão sonhada independência
Foi a primeira vez que a artista lançou algo de forma totalmente independente, após encerrar um contrato de 20 anos com a Atlantic Records. O novo selo, batizado de maneira irônica de Post Atlantic, distribuiu as canções via Secretly Distribution. A produção ficou por conta de Daniel James, que já trabalhou com Hayley em Petals for Armor (2020), e contou com participações dos músicos da turnê do Paramore, Brian Robert Jones e Joey Howard.
Ao evitar um tracklist oficial e liberar cada música separadamente, Hayley abriu espaço para que os fãs criem sua própria ordem de escuta e construam suas próprias narrativas, transformando o lançamento em uma experiência viva, colaborativa e profundamente comunitária. Embora tenha sido uma estratégia inédita e muito elogiada por profissionais do marketing, essa ação vai além de um simples truque, representando um retorno à essência da música como vínculo, algo que se constrói coletivamente, sem hierarquia entre palco e plateia.
Num mercado que ainda pensa em álbuns como “o” produto final, lançar 17 singles de uma só vez é quase um ato de insubordinação. Livre de obrigações contratuais e de calendários de gravadora, Hayley parece ter abraçado justamente o que sempre a manteve inquieta: a liberdade de experimentar. O caos planejado dessa estratégia com músicas soltas, sem tracklist, com acesso inicial quase clandestino, desmonta a previsibilidade do lançamento musical tradicional e convida o público a se perder no caminho.
E essa liberdade não veio de graça. Durante duas décadas, a banda Paramore viveu sob um contrato assinado quando Hayley tinha apenas 16 anos. Foi um acordo pioneiro que ficou conhecido como 360, que dava à gravadora participação em absolutamente tudo: discos, turnês, merch, parcerias. Ao longo dos anos, esse contrato foi alvo de críticas públicas, alimentou narrativas distorcidas sobre a banda e transformou decisões criativas em disputas contratuais. Encerrar esse vínculo abusivo após 20 anos foi um alívio emocional e criativo para a vocalista.
Por isso este lançamento marca uma nova era, onde vemos Hayley publicar sob o próprio selo, Post Atlantic, em parceria com a Secretly Distribution, sem intermediários que ditem formato, calendário ou estética. Ao recusar a lógica de um produto fechado e entregar as músicas como peças soltas, ela traz a sensação de descoberta e de posse que os fãs sentiam trocando mixtapes, gravando fitas e CDs e criando playlists caseiras. Ela abriu mão do controle, redistribuindo e devolvendo à música a camada rara de intimidade e comunidade que contratos e cronogramas industriais tendem a corroer.
17 músicas e nenhum álbum
Se o formato é livre, o conteúdo não fica atrás. As 17 músicas transitam por paisagens sonoras que lembram tanto a delicadeza introspectiva de FLOWERS for VASES (2021) quanto a vibração do Paramore mais recente. A estratégia já dizia muito sobre a proposta: abrir espaço para que cada faixa respirasse por conta própria e criasse conexões únicas com quem ouve.
Essa informalidade é também reflexo do processo criativo. Ao lado de velhos parceiros como Daniel James, Brian Robert Jones e Joey Howard, Hayley reuniu uma pequena comunidade de colaboradores para construir todo o universo visual: as fotos analógicas de Zachary Gray, as ilustrações manuais de Jordan Short nas capas de cada single e a direção cuidadosa de sua empresária Leah Hodgkiss. Tudo com um toque DIY que ecoa suas origens na cena emo e punk, estéticas que também atravessam a sonoridade.
E que sonoridade. Alternando entre momentos íntimos e explosões de energia, faixas como “Whim” soam como páginas arrancadas de um diário, com sua melodia folk que fala de um amor que está sendo perdido, enquanto “Mirtazapine” resgata o rock dos anos 90 para abordar o uso de antidepressivos. A crítica social aparece afiada em “True Believer”, que denuncia a hipocrisia dos cristãos, e em “Ice In My OJ”, que expressa revolta contra as grandes gravadoras.
No meio dessa diversidade, Williams transborda emoção. Músicas como “Negative Self Talk”, “Kill Me” e “Hard” nos confrontam com a decepção, o colapso pessoal e a instabilidade. Por outro lado, faixas como “Brotherly Hate”, “Blood Bros”, “Love Me Different” e “Zissou”, esta última trazendo um trecho da versão de Seu Jorge para “Life on Mars”, do filme The Life Aquatic with Steve Zissou, nos conduzem por caminhos de reconciliação, cura e calmaria. O efeito é um verdadeiro mosaico, alternando texturas orgânicas e camadas digitais mínimas, sem se prender a uma narrativa linear.
Essa ausência de um “fio condutor” é proposital: ela permite que cada ouvinte monte seu próprio roteiro ao organizar por humor, por tema, por instrumentação, ou simplesmente deixar que as músicas se embaralhem e contem histórias novas a cada ordem. Hayley não entregou um produto final embalado, e sim matéria-prima para infinitas conexões, como se dissesse “tome, isso é nosso”.
Não à toa, Hayley convidou os fãs a participarem ativamente desse processo. Em seus stories no Instagram, ela pediu para que compartilhassem as playlists que estão criando com as músicas, porque pretende lançar essa coleção em mídia física, e quer entender qual sequência faz mais sentido para o público. O engajamento foi tão forte que um fã brasileiro, Victor, criou um site que funciona como um catálogo colaborativo, permitindo que fãs do mundo inteiro subam suas próprias playlists com os singles. Hayley não só viu o projeto como ficou emocionada, celebrando essa conexão orgânica entre sua música e a comunidade que a acompanha.
A recepção foi rápida e apaixonada. Logo no dia do lançamento do site com as músicas, muitos fãs, acostumados com a intensidade e sinceridade da Hayley, se preocuparam. As letras profundas, que falam sobre términos e dores pessoais, levaram a rumores e especulações: será que o Paramore estava chegando ao fim? Ou o relacionamento entre Hayley Williams e Taylor York? No entanto, nada disso foi confirmado, e o que parecia um “surto” passageiro deu lugar a um sentimento coletivo de celebração e pertencimento.
Afinal, mais do que nunca, essa coleção de singles mostrou que Hayley conseguiu reunir sua comunidade em torno de um projeto que é tão plural quanto profundamente pessoal. Os fãs, movidos pela sinceridade e abertura das músicas, começaram a criar suas próprias expressões artísticas como ilustrações, fotos e vídeos, todas inspiradas pelas canções e pela proposta colaborativa que Hayley entregou.
É como se, ao revisitar suas raízes, Hayley tivesse reafirmado um valor que sempre guiou sua trajetória: a conexão genuína com quem a acompanha. Desde os primeiros dias do Paramore, quando a banda trocava diretamente com fãs, respondia mensagens, republicava artes feitas por eles, e cultivava um vínculo real, essa relação nunca se perdeu, apenas se fortaleceu.
Agora que os fãs de Hayley receberam esse presente, fica no ar a ansiedade pelo que vem a seguir. Foi um gesto que deu certo, aproximou ainda mais a comunidade, inovou e resgatou um jeito quase esquecido de ouvir música. E, mesmo sem sabermos quais serão os próximos passos, seguimos voltando a esses 17 singles, como quem não quer deixar que esse momento acabe…bem ao estilo Hayley Williams.