Texto e entrevista por: Camila Pazini

Na esteira dos revivals e da onda de nostalgia que tomou conta da indústria musical nos últimos tempos, os riffs melódicos e estridentes, a estética despretensiosa e a energia crua do indie rock continuam ecoando forte nos corações millennials. Quando bate a saudade de tempos mais simples, essa sonoridade funciona como uma verdadeira válvula de escape emocional. Por isso, não surpreende que o anúncio do retorno do Moptop – banda emblemática do gênero no Brasil – causasse comoção entre os “indie véios”, aquela geração que cresceu grudada na televisão, assistindo videoclipes e programas da extinta MTV Brasil.

A separação da banda carioca em 2010 pegou a todos de surpresa. Em pleno auge, com dois álbuns lançados, Moptop (2006) e Como se Comportar (2008), e dividindo palco com nomes de peso como Franz Ferdinand, o grupo decidiu encerrar as atividades. De lá para cá, além de abrir caminho para outras bandas do cenário independente brasileiro, o Moptop seguiu conquistando novos ouvintes, enquanto sua base de fãs mais antiga mantinha acesa a esperança de um retorno.

Nos últimos meses, os integrantes começaram a alimentar as redes sociais com conteúdos nostálgicos, deixando pistas no ar. Até que, finalmente, veio o anúncio oficial: a banda estava de volta, com shows marcados e um novo disco de inéditas intitulado Long Day (já disponível nas plataformas digitais).

Em entrevista ao Mad Sound, Gabriel Marques, vocalista do Moptop, relembrou os primeiros anos da banda na cena independente, comentou sobre seu processo criativo, refletiu sobre o uso de inteligência artificial por artistas e compartilhou as expectativas para essa nova fase do grupo.

Mad Sound: Na época da separação do Moptop, o indie rock ainda fervilhava com novas bandas, festivais e uma estética muito própria. Como você enxergava esse movimento na época? 

Gabriel Marques: Eu me lembro com muita nostalgia daquele momento, tinha uma sensação de independência muito grande, no cerne da palavra. Ninguém ganhava dinheiro, mas a gente se divertia, tocava a beça, gravava cada um da sua maneira. No começo, principalmente na esfera local, nós tínhamos a possibilidade de fazer as coisas acontecerem. Tinha bastante casas de shows, produtores locais, e a gente se organizava, sabia se comunicar através de e-mails, Fotolog, Orkut e outras redes da época para organizar nossos próprios eventos. As bandas organizavam e chamavam outras, que chamavam outras e esse era o movimento na cena do Rio de Janeiro. 

Nós vimos isso sendo transferido para uma esfera nacional com os festivais independentes, como o Abril Pro Rock, Porão do Rock, entre outros, e tinha essa troca com os produtores e bandas de outras cidades. Quando assinamos com uma gravadora, isso impulsionou bem mais nossas possibilidades de divulgação, mas, ainda assim, nós fazíamos tudo: o site, a divulgação, as artes. Foi um momento muito fértil para a música brasileira. 

MS: Olhando para o cenário atual, o que você acredita que sobreviveu daquele espírito mais cru e autêntico do indie?

GM: Agora, atualmente, eu nem tenho como comentar muito porque eu estou morando fora, não acompanho de perto. Só agora com a volta dos shows do Moptop que estou conseguindo perceber como anda o cenário independente no Brasil. Tem muita banda legal, muita banda que domina a parte de comunicação, estética, o uso das mídias sociais. Ando escutando bandas novas que as gravações são muito bem feitas, então, acho que o nível de qualidade subiu muito em questão de produção, num nível geral. O que eu escuto, porém, é que na parte de shows, tá mais difícil. Tem menos casas, menos eventos, mas a cena continua sobrevivendo e tá crescendo. 

MS: O mercado musical teve muitas mudanças nesses anos todos. Houve algum empecilho de adaptação na produção e lançamento desse novo álbum? 

GM: Tiveram muitos empecilhos, principalmente na parte de orçamento e tempo. Fizemos o disco de forma independente, de forma remota e não teve a possibilidade de ensaios do disco. Não teve produtor, nós produzimos. Tem uma questão de tempo mesmo, já que todos trabalham em outras coisas, têm filhos… A gente teve que se virar para achar tempo para fazer isso acontecer. Apesar disso, nosso espírito foi muito de não se deixar empatar com esses empecilhos. 

A tecnologia evoluiu muito, e teve isso a favor. Muito do equipamento de produção foi barateado. Eu estou morando nos Estados Unidos, então as coisas são mais baratas nesse sentido e foi mais fácil conseguir esses equipamentos para gravar com uma certa qualidade. Uma outra coisa é a quantidade de informação sobre como gravar, então a gente conseguiu através de pesquisas e dicas de outras pessoas achar maneiras de gravar coisas com a qualidade que a gente queria. Foi uma experiência diferente, mas não tá diferente assim. Tiveram empecilhos grandes em comparação aos outros discos que a gente fez, como falei, mas também tiveram melhoras na parte tecnológica. Isso deu um equilíbrio. 

MS: A transição das letras de português para inglês foi uma das mudanças mais perceptíveis nesse novo trabalho. Em outras entrevistas, vocês chegaram a comentar sobre importar o som para fora e sobre como a decisão foi concisa com o momento de vida de cada um. Um disco em português estava fora de questão desde o princípio ou foi uma ideia que evoluiu com o tempo?

GM: Na verdade, foi uma ideia que evoluiu com o tempo. Quando a gente começou o trabalho, não sabíamos se ia ser para o Moptop. Nós tínhamos umas músicas, elas vieram em inglês, as letras não estavam completamente prontas. Só algumas que estavam bem evoluídas. Então, a maioria das músicas ou já estava com alguma coisa em inglês ou tinha um certo feeling que a música tinha que ser em inglês. Nossa ideia inicial foi respeitar as canções, fazer o melhor com essas músicas. “Não vamos entrar nessa pensando em Moptop, trazendo o som característico do Moptop”. A gente não queria ter muitas barreiras na parte criativa. 

Mas assim que começamos a gravar, a gente percebeu: as músicas estavam com nosso DNA, não tinha como fugir da gente mesmo. Quando percebemos isso, começamos a nos perguntar se a gente faria as músicas em português, mas, cara, bateu uma coisa de ‘’estamos fazendo esse disco para a gente’’. Sempre quisemos fazer um disco em inglês, as próprias demos da banda eram em inglês. Então as músicas já estavam quase prontas e para passar em português seria um esforço enorme. Também estamos curiosos para ver se dá para nossa música chegar a mais ouvintes fora do Brasil… Então foi por uma série de razões, fez mais sentido. A gente não estava pensando que as pessoas iam se importar com esse disco, foi mais para frente que a gente se tocou que tinham mais fãs da banda do que a gente imaginava. 

MS: Em relação às letras escritas para o Long Day, como vocês vêem a evolução das temáticas? 

GM: Por um lado, acredito que não tem uma evolução. As últimas três semanas a gente tem ensaiado, fizemos alguns shows, então eu estou reencontrando as músicas antigas do Moptop. Percebo que os temas do Long Day também estão lá nos primeiros discos, a gente fala bem do abstrato de conflitos de vida, existenciais, de amores. Da dificuldade de ser nesse mundo com todas as questões que envolvem isso. 

Acho que, de novidade, tem a perspectiva. Estamos mais velhos, mais maduros, então as letras conversam e abordam questões parecidas, mas sob uma ótica mais madura. Também acho que tem assim… É engraçado, mas tem mais otimismo. Por incrível que pareça, com tudo que está acontecendo no mundo, acho que desenvolvi mais otimismo com uma série de coisas, como o amor, por exemplo. Estou casado há bastante tempo, tenho filhos e isso mexe um pouco com a gente, com as letras e com a minha visão de mundo. Também tem algumas questões mais modernas, como o burnout, o cansaço do trabalho e do digital. Isso foi inserido nas composições. 

MS: Em algumas músicas dos álbuns antigos, parece um debate existencial ou até que tem uma segunda persona rebatendo as questões apresentadas. Isso foi intencional? 

GM: Sim, foi intencional. Uma coisa que eu sempre curti de letra é dialogar com as personas dentro de mim, de visões distintas. Como se fosse uma busca entre o ‘’entre’’, entre o espaço entre ideias e conflitos. Não quero pregar nada, eu quero confundir e esclarecer ao mesmo tempo. Trabalhar nesses espaços entre verdades e sentimentos. Os discos anteriores eram mais pessoais na voz. Eram minhas vozes, principalmente, dialogando entre si. Já nesse disco, eu identifiquei que tem muitas vezes que não me sinto na narrativa, são mais impessoais, de outras pessoas. Eu tentando escrever na perspectiva de outras pessoas. 

MS: Recentemente, surgiu um debate intenso em torno de uma arte de divulgação do Moptop feita com inteligência artificial. Como vocês enxergam essa questão? Na opinião de vocês, de que forma essas ferramentas podem ser usadas de maneira consciente por artistas e músicos?

GM: Esse debate é muito novo e minhas opiniões sobre são muito fluídas. Não concordo com essa coisa de que ‘’artista não pode usar IA’’ em todos os casos e situações. Existem sim maneiras de utilizar isso dentro de certos limites que são razoáveis e apropriados. O que acho que fica numa área muito cinza é quais são esses limites éticos. Eu tentei colocar ali [no vídeo do Instagram] que o nosso produto principal é a música e nisso, acho que seria completamente desonesto usar IA. Isso é com o Moptop, se fosse com outro trabalho, com outro artista, talvez isso seria diferente. Na questão das artes, os limites éticos têm mais a ver com a forma de se usar a ferramenta. Se eu tentar copiar a arte de outra pessoa, colocar o prompt para copiar a arte de outra pessoa, aí acho que não é um uso ético. 

MS: Qual a expectativa em voltar aos palcos depois de todos esses anos? 

GM: Já fizemos alguns shows e eles superaram todas as expectativas. Antes de subir aos palcos, tinha aquele sentimento de gratidão por estar voltando a tocar e se reencontrar para tocar juntos. Que ainda querem escutar o nosso som depois de tanto tempo. Isso já é muito especial para nós. E não é só a banda, a formação original e única do Moptop, também é a volta de todo mundo que ajudou a banda: dos nossos produtores, empresários, técnicos de som. É uma galera, e nós passamos por muita coisa juntos. Só de voltar a estrada juntos já é uma coisa muito legal. Nos shows que já fizemos, tivemos uma recepção incrível dos fãs. É muito legal receber todo esse carinho e poder compartilhar com eles essa nova fase. Tinha isso há 15 anos atrás, mas eu não me lembrava dessa intensidade. No Rio e em São Paulo, que as casas são maiores, a gente tem essa expectativa de que vai ser algo parecido. 

MS: Existe alguma música do repertório antigo que vocês sentem uma saudade especial de tocar ao vivo? 

GM: Pessoalmente, eu estava com muita saudade de tocar ‘’Contramão’’. Na época, eu já achava uma das músicas mais legais da banda e com o passar do tempo, acho que ela cresceu. Vejo que os fãs entendem dessa forma também, que é uma das músicas mais emblemáticas do Moptop. Não sei se na época tinha esse entendimento, de hits que são mais escutados. Também estou com saudade de tocar músicas mais calmas, que a gente não costumava tocar na primeira passagem da banda. Eram coisas mais rápidas, talvez por uma certa insegurança a gente evitava baladas, mas tem músicas que envelheceram bem como ‘’Bom Par’’, ‘’Adeus’’, ‘’Melhor Nem Vir’’… Já estava muito saudoso e curioso para ver como seria tocar elas ao vivo e nos ensaios foi como eu pensei. Elas soaram bem melhor que 15 anos atrás. Nos shows que a gente fez, a gente teve uma resposta incrível. É um lado do Moptop que a gente não mostrava muito ao vivo, mas agora isso é possível. 

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