Entrevista por: Pedro Mauro

A banda neozelandesa de indie rock The Beths lançou em agosto seu novo álbum de estúdio, Straight Line Was a Lie.

Em entrevista ao Mad Sound, a vocalista Elizabeth Stokes fala como atravessou um difícil período com sua saúde mental enquanto enfrentava um bloqueio criativo e exalta o poder restaurador da arte. 

Confira na íntegra:

Mad Sound: Vocês lançaram seu novo álbum, Straight Line Was a Lie. O que mudou para vocês como banda nos últimos três anos desde o nosso último álbum?

Elizabeth Stokes: Cada álbum é diferente. O primeiro álbum, nós meio que fizemos enquanto trabalhávamos em tempo integral. O segundo álbum, nós estávamos em casa durante a quarentena da COVID e outras coisas. E então, com este álbum, nós tiramos um tempo para fazê-lo e o fizemos. Tudo, desde a composição até a entrega, levou cerca de um ano. Nós tivemos que projetar um sistema comigo e com o Jonathan especialmente, porque eu estava com dificuldades para escrever. Eu passei por vários estágios em que eu escrevi em uma máquina de escrever, 10 páginas por dia, durante umas seis semanas. 

E então fizemos algumas turnês e eu escrevi as músicas. E em cerca de dois meses e meio, eu meio que voltei para casa com 24 músicas. A partir daí, tocamos juntos como um grupo e reduzimos para cerca de 10 músicas. Então pareceu que tínhamos tempo para ter meio que um sistema. E eu realmente sinto que é bom fazer muitas músicas, escrever muitas coisas, e depois encontrar as melhores coisas que você acha que estão funcionando e combiná-las. Então talvez tenha sido isso.

MS: Como você mencionou, você também passou por dificuldades que dificultaram a composição de novas músicas para o novo álbum. O que te ajudou a superar esse momento de bloqueio?

ES: Eu estava tendo alguns problemas de saúde física e mental e eu sinto que muitas vezes eles meio que se juntam. Eu estava tendo dificuldades e precisei começar a cuidar de mim mais ativamente, então comecei a fazer terapia, comecei a tomar antidepressivos para me ajudar a me recuperar, o que foi muito bom, e eu comecei a criar rotinas mais saudáveis ​​e tudo mais. Depois de muitas turnês, eu estava tendo dificuldades para descobrir se compor é algo muito instintivo para mim e muito emocional, eu acho. Era difícil dizer com precisão… É como se minha bússola não estivesse funcionando para me apontar na direção do que eu queria escrever. 

Então, [comecei a escrever] em um tipo de fluxo de consciência, só preenchendo umas 10 páginas. E eu fiz isso em uma máquina de escrever. Acho que, ao fazer isso, eu estava tirando coisas do meu cérebro sobre as quais eu normalmente não escreveria. E acho que foi muito útil escrever sobre memórias antigas, coisas novas e relacionamentos entre mim e todas as pessoas na minha vida. Era como se eu examinasse tudo e isso significava que eu tinha muitas coisas para explorar e talvez coisas que vinham de um lugar mais profundo que eu normalmente não gostaria. Essas coisas não estão em primeiro lugar na minha mente quando estou tentando escrever.

MS: Este é o seu projeto mais poético. Você acha que esses momentos difíceis influenciaram este álbum a ser seu projeto mais poético? Qual é a mensagem que você quer que os fãs entendam com este álbum?

ES: É muito gentil da sua parte dizer isso. “É o mais poético”. Eu não quero que ninguém tenha que passar por momentos difíceis para fazer música, mas acho que muitas pessoas fazem isso. Todo mundo está meio que lutando contra algo e em conflito com algo. É catártico para mim, e espero que seja catártico para outras pessoas, fazer arte em relação a isso. Para mim, realmente me ajuda a processar, especialmente se for escrevendo. Sinto que muito do que penso e experimento é como uma nuvem. Então, quando escrevo e tento transformar isso em música, tenho a sensação de estar destilando isso em uma ideia ou algo que eu possa analisar. Me ajuda a entender um pouco melhor ou algo assim. Mas sim, espero que isso encontre pessoas e as ajude de alguma forma semelhante. Espero também que, se você estiver com dificuldades, busque uma maneira de enfrentar isso. Com sorte, transforme isso em algo que ajude você a se entender.

MS: Quais bandas você estava ouvindo enquanto fazia o álbum? Você teve alguma inspiração?

ES: Sim, acho que é uma das formas de fazer música. Às vezes parece um pouco com um [pássaro] pica-pau, sabe? Você não pega só uma coisa e simplesmente copia. São pequenas influências. Na hora de criar algo, você pensa: “Isso soa um pouco como essa banda.” E aí, na parte do refrão, você diz: “E se colocássemos uma linha de guitarra que lembrasse os Pixies?” E você pega isso e pensa: “O que eles fariam aqui?” Ou, tipo, “Ah, esse trecho de bateria aqui, ou essa linha de baixo dos Cardigans, como eles fizeram isso?” Vamos tentar também! 

Temos várias playlists com Sugar Babes, Crowded House, The Veronicas e muitas bandas locais da Nova Zelândia, também. Adoro música neozelandesa. É muito do que ouvimos. Mas, na maioria das vezes, pegamos pequenas coisas, pequenas influências. E é difícil de identificar, porque a música não vai soar exatamente igual, mas você consegue sentir que, tipo, a linha de baixo que estamos criando lembra “Lydia” do Fur Patrol ou “Anchor Me” dos Mutton Birds, mas com a bateria que lembra “Overload” do Sugar Babes, sabe? É meio assim, pegar de tudo um pouco.

MS: A música “Metal” entrou no top 10 da parada Adult Alternative. Como você se sentiu ao atingir esse marco?

ES: É significativo para nós saber isso. Porque, eu acho que quando você vê seu nome numa lista, você pensa: “O que isso realmente significa?” Mas geralmente, estar naquela lista significa que várias pessoas, individualmente, adicionaram a música em suas estações de rádio local, ou de alguma forma, se conectaram com a música o suficiente para decidir incluí-la, ouvi-la ou tocá-la para seus ouvintes. Acho que é bom lembrar disso. Me faz sentir bem. Quero que a nossa música chegue às pessoas com quem ela realmente fale, que se identifiquem com ela. Acho que às vezes é difícil perceber isso, porque parece tão distante quando você só vê seu nome ali numa lista. Você pensa: “Tá, estamos na lista, mas o que isso quer dizer?” E aí é bom lembrar de todas as pessoas com quem isso significou algum tipo de interação.

MS: Então você compõe suas músicas para tocar o coração das pessoas e para se conectar emocionalmente com todos que as ouvem, certo?

ES: Sim. Realmente quero fazer isso. Sabe aquelas pessoas que dizem: “Eu faço arte pra mim mesmo e não me importo com o que os outros pensam”? Respeito isso – é algo muito determinado, sabe, uma postura firme. Há um pouco disso em mim também. Mas, eu quero ser entendida. Quero me conectar com as pessoas. Sei que nossa música não é pra todo mundo, e tá tudo bem. Mas, no meu ponto de vista, o importante é encontrar quem entenda ela. Isso me faz sentir mais compreendida. É como se eu estivesse tentando comunicar um sentimento e, quando alguém consegue se identificar nele, isso me toca. E me faz sentir menos sozinha.

MS: Qual é a relação da banda com o Brasil? Vocês conhecem a base de fãs aqui? Conhecem alguma coisa sobre nossa cultura ou música?

ES: Eu nunca fui. Adoraria ir. Todos nós gostaríamos. E sim, minha principal referência musical, creio que seja a bossa nova, mas sei que não representa toda a cultura, claro. Há muito mais. Acabei de ter uma entrevista onde foram mencionadas algumas bandas brasileiras e parece ser um país que tem uma cena forte de música alternativa também, o que me dá vontade de explorar mais.

Nós estudamos em uma escola de jazz, então aprendemos um pouco sobre bossa nova, principalmente pelas interseções com o estilo. Mas, sim, eu gostaria de visitar o Brasil, aprender mais e estar em um lugar onde a música parece ser uma parte super importante da identidade cultural. Parece ser algo enraizado mesmo na comunidade. Isso é verdade? Como é, pra você, essa relação com a música aí no Brasil?

MS: Eu não moro no Brasil atualmente. Nasci lá, mas moro em Portugal. Não tenho conexão com nenhuma das duas culturas, porque me sinto distante de ambos os países. Mas acho que a música é muito importante pra todo mundo. Ela faz parte da cultura de todas as pessoas, enriquece o país, e também nossos corações e almas, creio eu. Você também acha isso?

ES: Acho que sim. É interessante crescer na Nova Zelândia. Minha família nunca foi musical, nem nada. Então, a relação que meus pais têm com a música é bem diferente da minha. Pra mim, a música é tudo, sabe? É como o ar que eu respiro, a água em que eu nado. Fiz isso a minha vida inteira. Já para eles, é mais do tipo: ligam o rádio de vez em quando, sabe? Parece algo bem distante. 

Então acho que não é algo garantido, não é automático que todas as pessoas vão se conectar com a música. Assim como nem todo mundo gosta de filmes, e de ler livros, por exemplo. Sinto que, talvez, na Nova Zelândia, às vezes parece que tem pessoas que realmente se conectam com a música. Já para outras, é uma trilha sonora de fundo. Mas, claro, todos se conectam com a música, mesmo que não seja da mesma maneira que entendo e me conecto. A música está em todo lugar e é importante.

MS: Já que seus pais não eram muito ligados à música, como eles reagiram quando você disse que queria seguir carreira musical? Eles te apoiaram?

ES: Não se opuseram. Acho que um dos momentos mais marcantes foi quando decidi estudar música na universidade. Sempre me apoiaram em fazer música nas horas vagas, enquanto eu ainda estava na escola e tal. Mas acho que ficaram um pouco preocupados quando disse que queria estudar isso de forma profissional. Eles disseram: “Mas, o que você pode fazer com um diploma de música?”. Acho que isso vale pra muitos cursos, na verdade. 

Eu estava bem decidida, então fui lá e fiz mesmo assim. Hoje em dia me apoiam bastante. Ainda não entendem totalmente como funciona o mundo da música, a indústria, mas são muito presentes. Meu pai até tenta aprender um pouco mais sobre esse universo. Isso é um processo contínuo. Toda a minha família me apoia muito agora. Mas acho que, do lado de fora, as pessoas não entendem o que é a indústria da música. Imediatamente pensam no Grammy, mas não fazem ideia do resto.

MS: Sim, hoje em dia, é algo que acontece, aconteceu e vai continuar acontecendo.As pessoas olham com certo desprezo pra indústria do entretenimento, seja a música, ou qualquer forma de arte. Falam coisas negativas e até cruéis, para quem deseja seguir carreira artística. Muitas vezes não percebem que quase tudo na vida delas é feito de arte. Seja o design, música, séries, e até os filmes que elas assistem. Como você vê a arte? De que forma impacta a vida das pessoas? O quão importante você acha que pode ser para elas?

ES: Acho que ela é extremamente importante. Como você disse: é tudo. Caso não existisse, o que sobraria da existência das pessoas, sabe? Todos iríamos apenas  trabalhar, comer e dormir. E isso não é viver, certo? Tem gente que só consegue fazer isso, infelizmente, pois a sociedade colocou essas pessoas nessa situação. É falta de dinheiro, de tempo, e espaço para viver algo além do básico.

É duro viver em um espaço sem arte. Não é uma vida boa. Pra mim, tudo que realmente faz a vida valer a pena está entre duas coisas: a natureza e a arte. Seja qual for o significado que tenham pra você. Pode ser o design de coisas que você ama, a expressão de alguém que cozinha com amor. O mesmo vale para filmes, séries, e música. Tudo isso são formas de arte que vão além da rotina de “trabalhar e voltar para casa”. Acho que tudo isso é valioso e digno de ser valorizado pelas pessoas.

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