Texto por Stephanie Souza

Uma história é feita de outras histórias, sendo assim, o retorno de Forfun aos palcos é ainda mais especial se você é carioca e viveu a cena do Riocore dos anos 2000. E esse subgênero local dentro do movimento pop-punk/hardcore não pode ser definido apenas como um estilo musical, mas também como um estilo de vida, que promovia um clima de diversão e descontração com suas letras simples e melodias enérgicas. Os tempos eram outros, mais simples eu diria, e é nisso que a Turnê Nós se apoia: na nostalgia, em criar uma ponte entre o passado e o presente.

O Forfun encerrou sua mini-maratona de shows (todas as datas com ingressos esgotados) na Marina da Glória no último domingo, 25, de forma exultante: embaixo de chuva forte, a casa estava cheia de fãs que, com o auxílio da saudade, reviviam e (re)criavam memórias inesquecíveis. O clima frio, milagre para o Rio de Janeiro, não foi páreo para a energia efervescente e a entrega recíproca entre a banda e o público. 

A escolha da banda de abertura não poderia ser mais certeira, diretamente do alicerce do Riocore, Dibob fez uma apresentação simpática e bastante vivaz. Dedeco, vocalista e guitarrista, é um show à parte, sendo carinhosamente apelidado de “melhor amigo do Brasil” pelos conterrâneos do Forfun. A setlist passou por canções já conhecidas entre o público, como “Se Perde”, “Pau Mandado” e “1×0 eu”, de seus dois únicos álbuns de estúdio O Fantástico Mundo de Dibob (2003) e A Ópera do Cafajeste (2007). Também apresentaram dois trabalhos mais recentes, Longe Daqui, lançado esse ano, e Só Alegria, de 2021.

Brincaram no palco e se divertiram muito pela 1h20 de show. O público retribuiu a energia, apesar da chuva, cantando e pulando bastante, enquanto alguns se empurravam em uma roda punk meio tímida. No fim, foram aplaudidos aos gritos de “Dibob, oba! oba!” (sim, na mesma cadência do cântico do Chiclete com Banana).

Às 21h15, embaixo de chuva, Forfun subia ao palco da Marina da Glória. Agora em casa, mais do que familiarizados com o ambiente, a noite tinha tudo garantido para ser pra lá de especial. “Hidropônica”, “Good Trip”, “Dia do Alívio”, “Suave” e “O Viajante” já ditaram o tom visceral de entrega do público. As vozes ecoavam pelo bairro da Glória enquanto fãs agitados se empurravam em pequenas rodas e garotas subiam aos ombros de seus amigos e parceiros. 

Também rolou espaço para a banda tocar um set ao som de funk melody, até arriscaram uns passinhos no palco e posaram no maior estilo Power Rangers.

Danilo, em fala, disse se sentir orgulhoso de estar em casa, e ainda acrescentou que “a chuva só veio para abençoar”. “Largo dos Leões”, “Sol ou Chuva”, “Cigarras” e “Minha Jóia” deixaram o público em dúvida entre pular e dançar na montanha russa emocional e musical que o Forfun proporcionou nessa sequência. 

Aliás, essa é uma das coisas mais interessantes da banda: seus trabalhos se complementam. Mesmo que as sonoridades sejam diferentes, as mensagens são quase as mesmas, transmitidas em momentos de maturidade diferentes. Logicamente há favoritos entre os fãs, mas nenhum álbum deixou de ser pertinente em sua trajetória. E isso se mostra de forma bastante clara na construção dessa setlist, que conta com mais de 35 músicas da carreira da banda. É para poucos. 

Vitor Isensee colocou corações para bater mais forte em um belíssimo discurso poético: “Só o tempo é que cura. A alma pede, o coração cede. O que passou, bom, passou. Viver é o que interessa, agora, agora, a hora é essa e tudo sempre foi por pura diversão. Só amor salva, só o tempo cura, só a força opera e só a vida junta. Juntos nós somos o Forfun.”

“Morada” ganhou uma nova roupagem com a introdução de bongôs, tocados por Nicolas Christ, e pausas docemente coordenadas entre a guitarra de Danilo Cutrim e o saxofone de Lelei Gracindo. Um dos momentos mais sólidos da noite, em que a banda e o público se tornaram uma só voz. Aliás, os fãs aqui deram show ao manter a tradição de transformar a pista em um mar de pessoas abaixadas. 

A sessão acústica dessa vez contou com o apoio de Davi Lucena, violoncelista da Nova Orquestra, que, inclusive, já trabalhou com Danilo Cutrim e também com o Braza (projeto do Forfun que não conta com a participação de Rodrigo Costa). Aqui, houve o encaixe da faixa “Stoked” do álbum Nu (2014), pouquíssimo explorado nessa turnê. A homenagem musical da noite, feita por toda a turnê, contemplou a música carioca de Tom Jobim em “Wave” e DJ Marlboro em “Corpo Nu”. 

A adição de Davi Lucena foi uma grata surpresa, as canções ficaram ainda mais emocionantes pelas notas aprofundadas de seu violoncelo, e ao redor da pista, centenas de olhos brilhavam. 

Em “Cosmic Jesus”, flashes de celulares iluminavam toda a Marina, em “Sigo o Som”, rodinhas de amigos se abraçavam com carinho, em “Pra Sempre” o público estava em completo transe. Existe algo mágico no Forfun e acredito que todos puderam sentir isso ali, 9 anos depois do fim.

Até aqui, cada integrante foi devidamente apresentado durante o espetáculo, todos tiveram espaço único para brilhar e mostrar habilidades: Danilo com sua guitarra, Nicolas com a bateria, Rodrigo com o baixo e Isensee com seu teclado e suas rimas. 

O encore foi excepcional. Danilo agradeceu a todas as bandas companheiras de estrada que formaram a cena do Riocore, como o Swell, Darvin, Scracho, Emoponto, e o próprio Dibob. Para a surpresa de todos os presentes, “Terra do Nunca”, não tocada na turnê até o momento, foi apresentada, sem ensaio nem nada. Até brincaram com o público ao pedir que cantassem bem alto porque não lembravam muito bem da letra. As rodas explodiram e a felicidade era contagiante.

“Costa Verde” contou com a participação de Dedeco e a formação da maior roda da noite, que contava apenas com mulheres, a pedido de Cutrim. “História de Verão” encerrava o show de forma explosiva, com grandes rodas, sorrisos, união e alegria. 

Para além dos aspectos técnicos, Forfun entrega um espetáculo emocionante e nostálgico, capaz de perpassar diferentes sentimentos de forma única através de sua arte, que já se tornou um clássico não apenas no enredo da música carioca, mas também do Brasil. 

Realmente, uma história é feita de outras histórias (e nem todas conseguimos contar). Mas a arte e a música ultrapassam a barreira do finito e nos permitem acessar sentimentos e lugares que se tornam eternos desde o exato momento em que viram passado. Ao longo de quase 3 horas de show, o público e a banda se transformaram em um, assegurando a máxima que abria a nota de despedida da banda, em 2015, “Forfun é uma entidade”. 

Vida longa ao Forfun.

Nosso colaborador Thiago Vidal também esteve presente na noite. Confira nossa galeria com fotos exclusivas.

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Categorias: Coberturas