Billie Eilish colocou o debate sobre pornografia nas manchetes dos principais veículos de imprensa do mundo após desabafar sobre o impacto devastador desse tipo de conteúdo na própria vida sexual e visão de mundo.
Aos 19 anos, a cantora cresce sob o olhar do público desde o começo da carreira, em 2016, e agora representa a relação de jovens mulheres com esse tema tão controverso, trazendo questionamentos urgentes sobre uma cultura pornificada para milhões de fãs, que pertencem às gerações mais expostas a esse fenômeno por terem crescido na era da internet.
No álbum Happier Than Ever, segundo da carreira e um dos melhores lançamentos do último ano, Billie Eilish traz um retrato feroz das contradições da feminilidade nas relações pessoais e da fama. O álbum termina com uma sonoridade mais sutil em “Male Fantasy”, mas antes de desabafar sobre um amor que nunca morre, a cantora começa a faixa com observações cirúrgicas sobre a pornografia a partir da própria experiência.
“Sozinha em casa, tentando não comer
Me distraio com pornografia
Eu odeio o jeito que ela olha para mim
Não consigo suportar o diálogo, ela jamais estaria
Tão satisfeita, é uma fantasia masculina
Vou voltar para a terapia”
O cenário é fácil de visualizar, especialmente depois de uma pandemia, quando os acessos a sites pornográficos explodiram. Mas a artificialidade violenta dos vídeos pornográficos logo se tornam fonte de inquietação na letra da sempre atenta Billie, porque qualquer retratação de mulheres enquanto objetos prontos para o sexo sob qualquer circunstância se trata apenas de uma utopia machista, na qual o prazer escandalosamente falso das mulheres em cena não passa de uma “fantasia masculina”.
Ainda que breve, essa crítica ao olhar misógino enraizado na pornografia já levantaria muitos possíveis debates, mas Billie Eilish tinha – e tem – muito mais a desabafar sobre o tema.
Durante entrevista ao programa de Howard Stern (via Nylon), concedida em dezembro de 2021, a artista escancarou os detalhes da relação com conteúdo pornográfico e como a exposição a esse tipo de material afeta negativamente a visão de mundo de meninas e mulheres.
O problema é ainda mais grave quando nos damos conta que Eilish começou a consumir esse tipo de conteúdo ainda na infância, como a maioria dos jovens atualmente, uma vez que se torna praticamente impossível navegar na internet sem ser exposto a algum conteúdo explícito, mesmo sem procurar por isso.
“Enquanto uma mulher, acredito que pornografia é uma desgraça, e eu costumava assistir muito pornô, para ser honesta. Comecei a assistir quando tinha uns 11 anos, eu não entendia o porquê de ser algo ruim. Achava que era assim que você aprendia a fazer sexo”, disse no programa.
Assim como tantas mulheres, Billie acreditava na narrativa liberal de que pornografia é “legal e empoderadora”, que acusa feministas contrárias a esse tipo de conteúdo de serem insatisfeitas com a própria vida sexual e agir como puritanas, distorcendo as reais demandas do movimento antipornografia.
“Eu me achava muito legal por não ter um problema com pornô e não ver problema nenhum nisso e… Sabe, eu realmente acho que isso destruiu meu cérebro e me sinto incrivelmente devastada por ter sido exposta a tanta pornografia”, continuou Billie Eilish na conversa com Stern.
Todas essas experiências são uma amostra do motivo pelo qual pornografia é uma questão de saúde pública e deveria ser encarada como uma crise de direitos humanos para crianças, mulheres e outras minorias sociais.
Pesquisas da organização Culture Reframed apontam que a exposição às imagens hipersexualizadas da cultura pop, hoje quase um pleonasmo, tornam meninas mais propensas a desenvolver ansiedade e depressão, baixa autoestima, maior tendência para transtornos alimentares e automutilação, além de prejudicar a vida sexual dessas jovens por normalizar violência e objetificação dos corpos femininos.
Infelizmente, os relatos da artista dão check em todos os riscos listados acima: os problemas de autoimagem e baixa autoestima levaram uma Billie de 12 anos a tomar remédios para emagrecer, automutilação e culminaram em depressão ainda na adolescência. Quando iniciou a vida sexual, a jovem deixou de dizer não para práticas desconfortáveis. “Foi porque eu achava que eu devia me sentir atraída por aquelas coisas”, disse na entrevista.
A sociedade que pesquisou o nome de Billie Eilish em sites pornográficos antes mesmo da maioridade dela e transformou os seios de Billie Eilish em um assunto de repercussão internacional quando ela tinha apenas 17 anos foi capaz de se dividir entre crítica e objetificação da cantora na capa da Vogue, ignorando cruelmente o contexto no qual as mulheres estão inseridas, desde a infância, para buscar aprovação pela adoção de uma sexualidade moldada pelo olhar masculino.
Mesmo entre os mais otimistas, festejando o suposto empoderamento da cantora por finalmente aparecer apenas de lingerie, não foram capazes de ir além do título provocativo da revista britânica (“É sobre o que te faz sentir bem”, convida a chamada) e escutar quando Eilish explicava a escolha do visual, feita não por autoaceitação, mas pelas marcas da insegurança. “Para ser sincera, eu odeio minha barriga, e foi por isso [que escolhi usar corset]”, contou na entrevista.
Por ser tão honesta e verdadeira, seja nas composições ou entrevistas, Billie Eilish segue como uma das artistas mais interessantes de se acompanhar atualmente no universo pop. Ela se permite dizer o que pensa, mudar de ideia e assumir as próprias contradições. “Eu fico muito brava que pornô é tão amado, fico brava comigo por ter pensado que era ok”, desabafou.
Mesmo assim, ela não deixa de questionar quem realmente deve prestar contas: um sistema de poder masculino que estabelece padrões irreais de feminilidade, vende objetificação como liberdade e glamouriza a degradação de mulheres e minorias sexuais em nome de uma indústria bilionária que erotiza a violência.
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