Com 28 anos, Demi Lovato já passou por várias fases aos olhos do público, muitas marcadas pelas promessas irreais de renascimento e recuperação após lidar com vício em álcool e drogas e transtornos alimentares, como bulimia, anorexia e compulsão.

Ironicamente, ela não estava confiante quando lançou Confident, em 2015, a despeito do refrão desafiador da faixa-título daquele álbum. “Nunca me senti confiante o suficiente na minha própria pele para me sentir sexy”, contou ao divulgar o single. “E agora que me sinto ótima, confiante e orgulhosa do meu corpo, quero dividir isso com o mundo”.

A inconsistência desse discurso certamente passou despercebida até mesmo para Demi, em uma tentativa de acreditar na própria recuperação, mas não aos sempre atentos haters na internet, rápidos em criticar o corpo da cantora e apontar incoerências entre teoria e prática. “Tem tanto Photoshop nas fotos desse álbum novo da Demi Lovato que ele deveria se chamar Adobe e não Confident”, comentou um usuário do Twitter na época.

Tweets sobre a era ‘Confident’ de Demi Lovato, publicados em 2015. Crédito: Reprodução/Twitter

De volta ao mundo da música com Dancing With The Devil… The Art of Starting Over, facilmente eleito o melhor e mais verdadeiro da carreira, lançado após uma overdose quase fatal que a deixou com sequelas permanentes, Demi analisou a carreira com um novo olhar em recentes entrevistas e o documentário de mesmo nome, lançado pelo Youtube.

Decepcionada com a reação da crítica ao álbum Unbroken, lançado em 2011 e sem indicações ao Grammy, a artista mergulhou em uma busca por bom desempenho comercial na fórmula usada para artistas femininas de sucesso no pop. Quem é essa mulher? “Ela mostra a pele, ela é muito mais magra, ela usa roupas coladas no palco, essas coisas. Então entrei nesse papel por um tempo”, explicou Demi em entrevista ao The New York Times. “E isso não me trouxe satisfação nenhuma”. Com letras de falsa confiança e empoderamento vazio, clipes mais sensuais e maior exposição do corpo, a artista conseguiu a primeira indicação ao Grammy na categoria de Best Pop Vocal Album com Confident.

Se as mulheres anônimas sofrem com a autoimagem e os modelos impossíveis veiculados na mídia, as mulheres na indústria do entretenimento receberam a incumbência de encarnar esses modelos de forma exemplar. No caso de Demi, essa pressão foi somada à ideia de que deveria ser um modelo de conduta para jovens do mundo, um fardo adquirido pelo sucesso no Disney Channel quando ainda era uma adolescente.

Quando pensamos nas divas pop, é fácil notar um padrão de comportamento e aparência. Ainda mais do que uma bela voz, Madonna, Britney Spears e Beyoncé compartilham os corpos dentro do padrão de beleza e a sexualização constante como ferramenta de trabalho não opcional.

Madonna em foto de divulgação do álbum 'Bedtime Stories'
Madonna em foto de divulgação do álbum ‘Bedtime Stories’. Crédito: Reprodução/Facebook

Vendida como girl power e empoderamento através das gerações, das Spice Girls até Pussycat Dolls e Fifth Harmony, essa objetificação é uma prisão para as mulheres. Com talento e competência em segundo plano, as mulheres na indústria precisam agradar ao olhar dos executivos e se submeter às exigências absurdas do imaginário coletivo para ter uma chance de sucesso.

“Esse ponto, onde a beleza forma a ponte entre as mulheres e as instituições, é aquilo a que as mulheres aprenderam a se agarrar, sendo depois usado como comprovação de que elas no fundo são culpadas”, argumenta Naomi Wolf em O Mito da Beleza. “Os poderosos querem que as mulheres se exponham dessa forma. A mulher ambiciosa não precisaria agir assim se ela tivesse escolha”.

A chegada de Billie Eilish e Lizzo, revelações improváveis de 2019, mostra a oportunidade de avanço e maior flexibilidade nos modelos da indústria, ainda resumidos a estereótipos limitantes. “Se não sou uma popstar sexualizada com um vozeirão, o quê eu sou?”, questionou Demi, ainda ao NYT, se referindo a cantoras como Christina Aguilera, Mariah Carey e Fergie, que dominam um segmento de divas com grande alcance vocal.

Billie Eilish na capa da The Sunday Times. Crédito: Reprodução/Facebook

Curiosamente, foi a ascensão meteórica de Billie que ajudou Demi Lovato a entender que existem outras possibilidades. Frequentemente criticada por usar roupas largas, a jovem tenta se proteger dos olhares cruéis e da constante sexualização ao manter o corpo privado, algo inimaginável na cultura atual. “Acho que foi quando a Billie começou a usar as roupas largas, foi a primeira vez em que eu pensei, ‘Eu não preciso ser a popstar super sexy’”, contou Demi ao NYT.

A maior sinceridade – e humanidade – das divas pop é um fenômeno recente, criado pelas gerações mais recentes de super estrelas, e já provou render frutos econômicos por se aproveitar das manchetes inevitáveis sobre escândalos antes entendidos como parte do privado. Temas como saúde mental, pressão estética e abusos dentro da indústria se tornaram mais comuns, mas ainda não conseguiram transpor a barreira da feminilidade e o lugar da mulher em um mundo machista.

Depois de mentir para si, Demi caminha para a verdadeira autoconfiança, se libertando gradualmente das pressões externas. Mas quantas mulheres precisarão passar pelos extremos do adoecimento físico e mental até que o aprisionamento das mulheres pela aparência, no pop e na vida, acabe?

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