É imprescindível começar a escrever sobre a edição carioca da I Wanna be Tour sem prestar solidariedade à família e amigos do João Vinícius Ferreira Simões, jovem de 25 anos, que faleceu após ser eletrocutado no final do festival, ao encostar em um food truck. Além do pesar e solidariedade, é de extrema importância cobrar que a investigação seja devidamente conduzida e que os responsáveis sejam responsabilizados judicialmente. Especialmente após a informação de que o local não foi preservado para perícia e do relato de testemunhas, nas redes sociais, que denunciaram terem levado choques de menor magnitude.
Um dos maiores méritos da I Wanna Be Tour, intencionalmente ou não, foi evidenciar a relevância do rock nacional no revival do movimento emo, enquanto o público pôde assistir bandas que debutaram no Brasil e outras que não pisavam no país há muito tempo. O festival contou com várias performances de músicas que, certamente, fizeram e ainda fazem parte da trilha sonora da vida dos fãs.
Os responsáveis pela abertura do festival foram a Fresno. Apesar do descontentamento de alguns fãs com a decisão de preencher o primeiro horário com a banda, esse movimento acabou reforçando a importância dos gaúchos na cena do rock nacional e, principalmente, a mobilização e paixão dos seus fãs, que cantaram todas suas músicas em uníssono. O que, inclusive, viria a ser uma prévia da reação do público durante os shows das outras duas atrações nacionais do dia, Pitty e NX Zero.
Ao longo da apresentação, Lucas Silveira (vocalista/guitarrista), enalteceu nomes do rock nacional e dedicou a presença da Fresno no festival aos fãs, que assim como eles, “nunca foram embora”, e a todas as bandas brasileiras que também teriam espaço naquele palco.
A última música do show, “Casa Assombrada”, contou com De’Mar Hamilton (baterista) e Tom Higgenson (vocalista/guitarrista), do Plain White T’s, próxima banda a se apresentar, cantando e se divertindo no palco junto dos membros da Fresno.
Estreando no Brasil, o Plain White T’s entregou um show sólido e foi muito bem recebido pelo público. Hits como “1, 2, 3, 4”, “Rhythm of Love”, “The Giving Tree” e a surpresa para os fãs brasileiros da I Wanna Be Tour, “Natural Disaster”, tocada ao vivo pela última vez em 2016, movimentaram a apresentação dos norte-americanos. Era inevitável, porém, que o grande momento do Plain White T’s viesse com o maior sucesso da banda, “Hey There Delilah”, que contou ainda com a participação super especial da cantora Day Limns.
Em seguida, foi a vez do Mayday Parade, com apenas uma única passagem pelo Brasil, no já longínquo ano de 2012. A banda liderada por Derek Sanders emocionou na mesma medida que agitou o público. “Miserable at best” e “Jamie All Over” foram destaques do show. Derek fez questão de agradecer aos presentes, que ainda teriam um longo dia pela frente e chegaram cedo para ver a banda, por apoiarem a música ao vivo e por marcarem presença em um festival 100% dedicado ao rock em 2024.
Ainda celebrando a turnê de 20 anos do álbum Admirável Chip Novo, Pitty entregou um dos melhores shows do dia. Além dos grandes sucessos do disco e da carreira, a cantora que vem adicionando uma novidade para cada cidade da I Wanna Be Tour, escolheu a bonus track, “Seu Mestre Mandou”, do álbum Anacrônico, para o Rio de Janeiro. Pitty que é uma das principais vozes femininas do rock nacional e a principal de sua geração, deu uma verdadeira aula sobre a história das mulheres no gênero, citando o show do Bikini Kills em São Paulo, a importância de Kathleen Hanna para a presença feminina no punk rock e, encerrando o discurso de forma monumental, evocou o lema “girls to the front”, convocando todas as meninas e mulheres para subirem ao palco e cantarem “Me Adora”, em um dos melhores atos de encerramento que eu já presenciei.
Depois de 13 anos desde o seu último show no Brasil, foi a vez do Boys Like Girls subir ao palco. Nem mesmo a lesão sofrida, por volta de duas semanas atrás, pelo vocalista Martin Bennett Johnson, que fez com que ele se apresentasse com uma tala no ombro durante toda I Wanna Be Your, diminuiu a temperatura da performance da banda. “Love Drunk”, “Thunder”, “Hero/Heroine” e “The Great Escape” ditaram o ritmo do show.
Diferente das atrações internacionais anteriores, o Asking Alexandria conta com um bom número de passagens pelo Brasil em seu currículo. Porém, o show na I Wanna Be Tour, marca a primeira vez da banda em solo brasileiro, sem um de seus fundadores, o guitarrista Ben Bruce, que deixou a banda por motivos pessoais. O show foi repleto de rodas e uma setlist com os principais sucessos do grupo.
A sétima apresentação do dia ficou por conta do The Used, que voltou ao Brasil após mais de 10 anos. Ícone do movimento emo, a banda trouxe ao festival a turnê do álbum Toxic Positivity. Clássicos como, “Blue and Yellow”, “The Taste of Ink” e “All That I’ve Got” fizeram parte do show, que terminou com “A Box Full of Sharp Object” seguido de um cover, muito bem-vindo, de “Smells Like Teen Spirit”, do Nirvana.
O festival continuou com o All Time Low colocando todos para cantar e pular com seu catálogo cheio de hits que grudam na cabeça. A surpresa no show do Rio de Janeiro foi a adição de “Remembering Sunday”, até então, não tocada nas outras cidades que receberam o festival. O guitarrista, Jack Barakat, se emocionou durante vários momentos, fazendo juras de amor aos fãs e afirmando que aquele não somente havia sido o melhor show da turnê brasileira, como também, o melhor show que o All Time Low tinha feito em muito tempo, o que arrancou gritos de euforia fervorosos por parte do público. Além de sucessos como, “Lost in Stereo”, “Damned If I Do Ya (Damned If I Don’t)”, “Six Feet Under the Stars”, Poppin’ Champagne”, “Weightless” e “Time Bomb”, a banda aproveitou a oportunidade para estrear no Brasil faixas do seu último álbum, Tell Me I’m Alive. O maior sucesso do grupo, “Dear Maria, Count Me In”, foi o responsável pelo encerramento.
O The All American Rejects presenteou seus fãs com sucessos como, “Dirty Little Secret”, “Move Along” e “Gives You Hell”. A apresentação foi marcada também pelo carisma do frontman, Tyson Ritter, que surpreendeu com interações em português bem acima da média.
Em seguida, foi a vez do NX Zero retornar ao mesmo palco que consagrou o sucesso estrondoso da turnê Cedo ou Tarde, realizada no ano passado. A banda apresentou um verdadeiro desfile de hits em um show impecável. O NX foi a última banda nacional a subir no palco, e a apresentação não deixa margem para dúvidas do quão importante são os artistas nacionais no estímulo e eventual manutenção desse tipo de evento. Fresno, Pitty e NX Zero, deixaram claro o espaço que nossas bandas merecidamente têm que ter.
A Day To Remember era uma das bandas mais aguardadas da noite. O grupo que fez sua última aparição no Brasil em 2022, diferente de outras atrações, está bem familiarizado com o público brasileiro. O show já começou de forma visceral com “The Downfall of Us All”, “All I Want” e “Paranoia”, vários moshpits se formaram no que vinha se desenhando como mais uma das grandes apresentações do festival, que estava tão perto de sua última atração, mas, infelizmente, o roteiro dos dias anteriores não se repetiu no Rio de Janeiro.
Um forte temporal acompanhado de raios e trovoadas atingiu a cidade. A chuva começou a cair durante o show do A Day To Remember e foi se intensificando até o ponto que assistir o show se tornou insustentável para muitos. A banda conseguiu encerrar o show e aqueles que ainda não tinham procurado abrigo, começaram a improvisar medidas de proteção contra a chuva, já que, diferente do comunicado compartilhado pela produtora, não houve nenhum protocolo de segurança. Um informe sobre uma pausa antes do show do Simple Plan, devido aos riscos de segurança, foi o máximo que os presentes receberam. O sentimento era de confusão, não houve nenhum esforço organizado por parte da produção do festival em orientar e organizar a realocação do público, que estava completamente exposto. Algumas pessoas, inclusive, saíram do festival para buscar áreas cobertas e foram impedidas de retornar ao evento quando a chuva diminuiu e a atração principal subiu ao palco.
Nesse ínterim, João Vinícius Ferreira Simões veio a óbito. Indícios apontam ainda que a produtora 30e, responsável pelo evento, estava ciente do ocorrido e optou por continuar com o festival. Também é necessário levantar o fato de que alertas sobre chuvas fortes já haviam sido emitidos pelos órgãos competentes, não foi falta de aviso.
Depois de um período de descontentamento, indignação e preocupação, o Simple Plan subiu ao palco. De forma simbólica, o festival já tinha acabado, a atração principal do dia tocou para um público extremamente reduzido. Depois de algumas músicas a chuva voltou a cair com mais força, esvaziando ainda mais o show. Faltando alguns minutos para meia-noite, um momento bem constrangedor, Pierre Bouvier, vocalista do Simple Plan, alertou aos fãs que dependem exclusivamente do transporte público que, infelizmente, eles teriam que deixar o show mais cedo, já que com o atraso, a apresentação passaria do horário limite de funcionamento do transporte público da cidade, esvaziando ainda mais o Rio Centro.
Quanto ao show, foi uma grande apresentação que não deveria ter acontecido. Todos os sucessos da banda, que dispensam apresentações, estavam lá. Um destaque muito especial para a participação de Ruy Brissac no cover de “Vira-Vira”, do Mamonas Assassinas. Brissac interpretou o vocalista Dinho, na peça teatral O Musical Mamonas (2016) e no filme Mamonas Assassinas – O Filme (2023), e também faz parte do Mamonas Assassinas – O Legado, banda oficial da cinebiografia. Sem dúvidas seria um momento extraordinário em condições normais.
No final das contas, para quem esses eventos são feitos? Para quem são desenhados, planejados e projetados? Quais são e, com quem estão, as maiores preocupações das produtoras? Pensar espaços instagramáveis, pesa mais do que pensar no conforto e integridade do seu público?
É uma pena que tenha acabado dessa forma, mas as lágrimas derramadas na I Wanna Be Tour RJ, não foram de felicidade.