Texto por: Camila Pazini
São muitos fatores que construíram a relevância do Massive Attack, formado em uma Bristol inóspita de novidades e hoje liderado por Robert Del Naja e Grant Marshall. Inúmeras facetas daqueles que, de uma alquimia musical com elementos sonoros que pareciam opostos, ajudaram a delinear os contornos do que se chamaria trip-hop. Desde a criação de um som futurista até a colaboração com diversos músicos e artistas da cena musical alternativa, como Elizabeth Fraser (Cocteau Twins), Hope Sandoval (Mazzy Star) e Damon Albarn (Blur, Gorillaz).
E isso não se reduziu somente à música, respingando em produções audiovisuais, como o videoclipe de “Protection”, rodado por um Michael Gondry ainda sem seu brilho eterno, mas com uma visão avant garde e planos-sequência revolucionários que conseguiram traduzir a atmosfera do grupo.
Algumas histórias deveras inusitadas também ajudaram a moldar essa mística ao redor do projeto em todas essas décadas de trajetória. Durante as gravações de Mezzanine (1998) – o suprassumo irretocável da música alternativa -, o clima entre os integrantes era de uma espécie de guerra fria. Não que houvesse ataques, nem mesmo indiretos, mas cada um se isolou em seu próprio universo paralelo.
No meio desse silêncio e tensão de artistas, começaram a chegar, sem aviso e de forma anônima, milhares de Bíblias. Benção? Sinal divino? Ou alguém tentando exorcizar o caos criativo que tomava conta da sonoridade apocalíptica que era produzida ali? A única confirmação foi que, após tantos anos, o álbum continua sendo uma obra-prima, então, o tiro saiu pela culatra dos pregadores.
Distopia anti-guerra, igualitária e verde
Algumas bandas preferem o conforto da superfície sem nunca se aprofundar na simbologia oculta, nas intempéries e no agridoce do mundo, ignorando a sociedade em colapso e suas consequências que respingam em tudo. O Massive Attack, dentre todas as distopias já fantasiadas, sempre preferiu a de um mundo mais justo e igualitário, fazendo jus àquela célebre frase de Nina Simone sobre o papel do artista. Não de forma oportunista e muito menos enlameada por marketing barato, os integrantes seguem engajados na luta por direitos humanos desde os anos 1990, sempre fazendo intervenções em suas apresentações e refletindo os tempos, criticando de forma ferrenha a alienação.
Muito antes da criação de um sindicato para proteger bandas de represálias por se posicionar contra o apartheid palestino – um genocídio televisionado que já dura quase um século e se agudizou ainda mais nos últimos anos -, os integrantes do Massive Attack já tinham uma postura firme e incisiva contra a guerra no Iraque, por exemplo. Del Naja se juntou a Damon Albarn para colocar anúncios anti-guerra na revista NME em 2003, época em que o conflito ainda eclodia – se é que um dia parou. Também doaram parte de seu cachê pelo lançamento do EP Atlas Air (2010) para ONGs, além de financiar ações a favor do desarmamento nuclear.
Recentemente, eles também se uniram às fileiras do No Music for Genocide, retirando seu catálogo musical do Spotify e se mantendo coerentes em seu boicote cultural a Israel que já dura décadas. Além de levantar as cores vermelha, verde e branca, gritando à sua forma por uma Palestina livre do rio ao mar, a banda também sempre se posicionou em relação ao colapso ambiental do mundo. Já fizeram uma turnê inteira pensando em reduzir a poluição e o consumo de combustível fóssil, além de comporem uma parcela de artistas que sempre estão preocupados com o futuro ambiental.
No Pulmão da América Latina, a resistência ao fogo e ao agro
A Floresta Amazônica, também conhecida como o pulmão da América Latina, vira e mexe está em chamas – tanto pelas condições climáticas adversas quanto pelas mãos da ganância do agronegócio e seus capangas. Nessa luta, os povos originários, mesmo após anos da colonização, ainda são massacrados todas as vezes em que o dinheiro está na mesa. Essa é a conjuntura que antecede a Conferência de Mudanças Climáticas que acontecerá em Belém durante praticamente todo o mês de novembro.
O anúncio da apresentação da banda no Brasil – que acontece no Espaço Unimed, dia 13 de novembro – bem na semana da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, uma das maiores do mundo, foi uma grata surpresa. Surpresa, no entanto, coerente com a trajetória do Massive Attack, e trouxe um endossamento necessário para a luta por sobrevivência – tanto simbólica quanto existencial – para os povos originários. Para melhorar ainda mais, a abertura da noite fica à cargo dos irmãos Cavalera, com o projeto Cavalera Conspiracy, apresentando na íntegra o álbum clássico do Sepultura, Chaos A.D, que traz críticas contundentes à guerra e as feridas pútridas advindas dela que continuam jorrando sangue. Após essa abertura, o palco ainda será ocupado por integrantes do movimento de povos originários antes da grande atração da noite.
O show é posterior a algumas ações de cunho de entretenimento e cultura para a abertura da conferência da COP30, como o palco flutuante em formato de vitória régia que recebeu a soprano Mariah Carey após se apresentar no festival The Town. Pelo palco também passaram patrimônios imateriais do país como Dona Odete, seguida de Joelma e Gaby Amarantos. Vale ressaltar que apesar do simbolismo, vários ativistas ambientais criticaram duramente a iniciativa, já que um dos patrocínios da apresentação é da mineradora Vale, responsável por um dos maiores desastres ambientais em Brumadinho, em 2019 – o que vai na contramão do objetivo da conferência.
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