Texto por Joana Söt

Falar sobre ARCA (Alejandra Ghersi Rodríguez) é extremamente necessário nos dias de hoje. Desde um lugar como fã de música eletrônica quanto de ouvinte de sons contemporâneos e experimentais.

ARCA explora por meio de sonoridades agressivas e sintéticas o futuro do nosso corpo e a nossa relação com o mesmo de forma impactante e desafiadora. É possível perceber isso em seus trabalhos como produtora de alguns álbuns icônicos do século XXI – como Vulnicura e Utopia, da incrível Björk (também presente no lineup do Primavera Sound SP), Take me Apart, da norte-americana Kelela, Yeezus, do controverso Kanye West, e claro, sua própria antologia KiCk.

Quando, em 2020, durante a pandemia de COVID-19, comecei a pesquisar e me aprofundar no universo da desconstrução de gênero em busca de respostas aos meus questionamentos de identidade, foram ARCA e SOPHIE as duas primeiras entidades que procurei na busca por identificação. Arrisco dizer que toda a sua discografia discute quebra de papéis de gênero e paradigmas sociais, mas aqui coloco meus sinceros sentimentos de completude e admiração pela antologia KiCk, seu projeto mais recente.

ARCA, de forma alucinante e completamente frenética explorou sempre muito bem o equilíbrio entre o que nos é mais íntimo e o que nos perpassa – invertendo absolutamente toda e qualquer lógica e norma social que o patriarcado institui. O que sobra é o mais puro suco do que é ser humano: a troca, a fusão, e o respiro das células que nos compõe.

Algo sobre as milhares de camadas sonoras, texturas e desconstruções nas melodias de KiCk i resolveram a maioria das minhas dúvidas sobre quem eu era e quem eu sou hoje. Dito isto, o que mais me cativa no som da excepcional produtora musical é a frequente pergunta: “Por que esse som é tão cativante para corpos ‘incompreendidos’ na sociedade?”

A música eletrônica é fruto de desconstrução e literal desmembramento dos instrumentos que até então possuíam utilidade única (lógica binária se formos comparar em metáforas). Ela nasce de verdadeiros gênios a frente de seu tempo (Wendy Carlos e os sintetizadores moog, por exemplo), ressignificando os próprios métodos de produção e assimilação da música pelo cérebro. De repente, nosso cérebro, que acompanhava a evolução da música de maneira até que sutil com o rock psicodélico, ganhou verdadeiros labirintos e quebra-cabeças infinitos de sintetizadores para desvendar.

A música eletrônica ganha ainda mais força com visuais e um estilo de vida que transforma arte e corpo em uma só coisa. É no meio da pista de dança num galpão dos subúrbios urbanos que se presencia esse encontro complexo de opostos. Em corpos montados, misturando acessórios metálicos e pele, algodão e látex, danças infinitas e olhares tímidos e reservados. É por meio da música eletrônica e a tradução do futuro nessas sonoridades complexas que nos entendemos cada vez mais humanos na sociedade contemporânea. Nos projetos de Ghersi, o universo visual é sempre presente e traduz de maneira quase que divina as sonoridades experimentais da artista.

A arte e os projetos de ARCA são traduções complexas do tempo que vivemos e os tempos que ainda estão por vir: visuais que chocam, sons inquietantes, corpos reais e o contraste provocante nos fazem querer correr livres das correntes que a sociedade algum dia achou que poderia nos prender. É por meio dessa meditação pelo mundo das sombras que nos entendemos e nos aceitamos como parte da luz, porque simplesmente somos parte do todo. Simplesmente somos.

O resultado dessa deliciosa alquimia você confere no dia 6 de novembro, às 21:30 no palco Elo durante a primeira (e já memorável) edição do festival Primavera Sound em São Paulo.

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