A ascensão de Amy Winehouse na indústria musical mudou o rumo dos anos 2000 para sempre. No início da década, o mainstream era dominado por nomes do hip-hop como Nelly, Usher e Ja Rule e o pop rock já começava a aparecer com Avril Lavigne e P!nk. No pop, Shakira chegava com força nas paradas, enquanto o NSYNC dava seus últimos suspiros.

A maré incontrolável de rap, R&B e soul que tomou conta da segunda metade dos anos 90 e ganhou força na mídia no início dos anos 2000 foi decisiva para o surgimento da jovem artista do norte de Londres. O primeiro álbum de Amy, Frank, foi lançado no final de 2003, quando a cantora tinha apenas 20 anos. O projeto é um mix bruto de jazz e hip hop que recebeu boas avaliações da crítica, mas não foi muito bem comercialmente – o que não era de se espantar para uma nova artista do Reino Unido, principalmente uma que cantava jazz.

Frank (2003)

Contrastando drasticamente com o material que Amy Winehouse entregaria anos depois, Frank é uma obra cheia de vida e que explode deliciosamente em um misto de som ousado e letras ácidas, apresentando ao mundo uma jovem cantora que não podia ser mais distinta das vozes femininas que dominavam o pop na época – Amy era confiante, autêntica, escrevia as próprias músicas, falava abertamente sobre sexo e tinha uma das vozes mais ilustres da época. 

Seus primeiros singles “Stronger Than Me” e “Fuck Me Pumps” misturam verdades duras com pitadas de sarcasmo e bom humor, gerando videoclipes divertidos e encantadores. Mais tarde, sua aparência causaria forte impacto na indústria da moda e de cosméticos, mas mesmo antes da fama, a beleza de Winehouse se destacava por sua singularidade. Os cabelos escuros contrastavam com os grandes olhos verdes e os lábios carnudos, e ela se vestia com sensualidade e confiança, sempre optando por saltos altos, vestidos justos e grandes brincos de argola. Em seus vídeos, Amy estava sempre com um sorriso de canto e os olhos brilhando com malícia, audácia e desafio.

Uma de suas primeiras aparições na TV foi no programa de Jonathan Ross, em 2004, onde é possível ver uma Amy engraçada, de sorriso largo, sempre com uma resposta na ponta da língua e esbanjando charme e carisma. Mesmo no início da carreira, tanto ela quanto o entrevistador já sabiam que sua autenticidade era a chave para o sucesso. Quando perguntada se alguém de sua gravadora tinha tentando moldá-la de alguma forma, Amy respondeu com segurança e elegância: “Eu tenho meu próprio estilo e escrevo minhas próprias músicas, e se alguém já tem muito de alguma coisa, há muito pouco a ser acrescentado.”

Frank foi um álbum gravado completamente ao vivo e teve todas as letras compostas por Winehouse, o que escancarava seu respeito pelo jazz e o quanto ela levava sua música a sério e desejava que sua arte fosse verdadeira. Em áudio reproduzido no documentário Amy (2015) ela justifica: “Eu não escreveria nada que não fosse diretamente pessoal para mim, só porque eu não seria capaz de contar a história direito se eu mesma não tivesse feito aquilo. Mesmo que algumas músicas sejam pessoais de um modo triste, eu jamais deixaria que fosse apenas isso. Eu sempre acrescento uma pegadinha na canção. Tento ser diferente com minhas letras.”

Apesar de ser uma ótima compositora e possuir voz e estilo únicos, Amy nunca teve a pretensão de ser famosa. Ela fazia música por seu amor ao jazz e sua afinidade em processar seus próprios sentimentos através da escrita. Em um diálogo exibido no mesmo documentário é possível ouví-la dizendo: “Não acho que vou ser famosa de modo algum. Não acho que eu conseguiria aguentar. Eu provavelmente iria enlouquecer, entende? Eu ficaria louca.”

Back To Black (2006) e o sucesso estrondoso de “Rehab”

Como uma pessoa que buscava inspiração nas próprias vivências para escrever, Amy não conseguia criar nenhum material novo a menos que tivesse uma história para contar – e foi um dos períodos mais conturbados de sua vida que se tornou combustível para o álbum que a alavancaria para a fama meteórica. Após o lançamento de Frank, a cantora engatou um relacionamento problemático com Blake Fielder-Civil que resultou em traições de ambas as partes e o início de um comportamento alcoólatra por parte de Amy.

As dores do amor, da rejeição, da humilhação e do abuso de álcool e drogas resultaram em seu excelente segundo álbum, Back To Black (2006), que apesar de ainda ter o jazz como gênero principal, adotou uma fórmula de sucesso no pop,  trazendo refrões contagiantes e melodias menos complexas e mais cativantes, e se mesclando ao R&B, que estava em alta na época. O sucesso vertiginoso veio quando o primeiro single, “Rehab”, arrebatou as rádios, os programas de TV e as paradas. No ano seguinte, a canção levaria o GRAMMYs de “Gravação do Ano”, desbancando nomes gigantes como Foo Fighters, Justin Timberlake, Beyoncé e até mesmo Rihanna, que tinha sido indicada por sua parceria de sucesso com Jay-Z em “Umbrella”. Da noite para o dia, o mundo inteiro se perguntava quem era aquela mulher de voz rouca e grave com os cabelos volumosos e o delineado exagerado.

Essa nova fase da vida de Amy era visivelmente mais sombria e não poderia estar mais distante da energia vibrante e divertida que emanava de seus primeiros trabalhos – o videoclipe de um de seus maiores sucessos, “Back To Black”, retrata a cantora se dirigindo a um funeral. As letras eram mais densas e abordavam abertamente seus vícios e comportamentos autodestrutivos, mas também denunciavam desde o início a tremenda solidão e a vontade de melhorar que acompanhavam a cantora, como fica claro na ponte do hit pelo qual ficou conhecida: “eu nunca mais quero beber de novo / eu só preciso de um amigo.”

A Amy Winehouse que o público conheceu foi uma que emanava melancolia, agressividade e até mesmo certo descaso em seus videoclipes e apresentações. Seus olhos, uma vez brilhantes, agora eram sérios, frios e por vezes até distantes, e viraram ponto de foco por ostentarem o que se tornou sua marca registrada: a camada grossa de delineador estilo “gatinho”. Isso somado ao icônico topete em seu cabelo, os vestidos curtos e as várias tatuagens de pins-ups faziam de Winehouse a persona mais caricata a aparecer no mainstream em anos – ela era a personificação dos anos 50 em pleno século XXI.

A sensibilidade de Amy em abrir uma porta para o mais íntimo de si em suas músicas, unida à postura de enfrentamento que ela assumia em relação à fama e à mídia que rapidamente consumiam sua vida pessoal, a transformou em uma das personalidades mais marcantes e influentes dos anos 2000. Sua invasão no pop – local onde mulheres como ela e seu tipo de música não eram bem-vindos – abriu as portas e inspirou grandes artistas da década seguinte como Adele e Lady Gaga. Sua insistência em ser assumidamente quem ela era, recusando rótulos e adestramentos, a levou até o patamar mais alto da admiração do público e também ao mais fundo poço do desprezo do mesmo.

A fama atordoante de Amy Winehouse chegou quando a cantora estava em sua fase mais vulnerável. O assédio da mídia, a exploração pelas mãos do pai e as idas e vindas de um relacionamento marcado pelo abuso de drogas tornaram Amy incapaz de pedir ajuda em um dos momentos mais delicados de sua vida e de sua saúde mental. E mesmo nas suas horas mais sombrias, poucas pessoas na história moderna da música demonstraram tanta coragem, obstinação e coração quanto Amy Winehouse. 

Como acontece com toda luz ofuscante, ela projetava uma sombra de igual tamanho e deixou como legado duas obras que evidenciam esse contraste gritante. Seu imenso talento para a música, a escrita bruta e honesta e a postura desafiadora e ao mesmo tempo gentil que assumia em frente às câmeras abriu caminho para gerações futuras de cantoras britânicas de voz marcante, como Jessie J e Florence Welch. Na data que marca uma década desde sua morte é possível afirmar que a lembrança de Amy ecoa com força até os dias de hoje e que sua falta é sentida com a mesma intensidade.

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