Cabelos ao vento, janela do carro aberta, som alto e uma longa e poética estrada à sua frente. Que saudade de uma viagem, não é? Então aperte os cintos e viaje comigo na estrada do Supercolisor.

“não te preocupa, não
não adianta o medo
tem vezes que a vida é um carro e você é só o passageiro

pelo menos sente o vento do mistério te beijar
sem desespero,
que as coisas não vão sair do lugar”

– Trecho inicial de “Um e Meio”, do Supercolisor com Tuyo

Viagem ao Fim da Noite é o terceiro disco da carreira do grupo e propõe caminhar em direção contrária da urgência do mundo digital. “Carpe diem está em escrito em qualquer muro, tatuado em milhões de corpos, e ainda assim é uma ideiazinha sinistra, da qual, talvez iludidos, muitos parecem ter segurança do domínio, absurdamente sofisticada e operacionalmente impossível (aí falo por mim)”, explicou Jérôme Gras durante uma entrevista exclusiva ao Mad Sound. “Para além de outros desesperos, é um desespero se livrar justamente desse desespero, o de desanuviar a cabeça do ontem e do amanhã.”

Ele continua: “E por isso essa jornada proposta pelo disco é uma forma de metaforizar uma ideia central: mais do que valorizar o hoje como algo encerrado em si próprio, estanque e facilmente ‘à disposição’, quanto mais passa o tempo mais vai me parecendo que ele é justamente nada mais que o inevitável fio condutor entre o ontem – a vida já vivida – e o amanhã – a vida a viver.”

“tudo passou e eu nem vi
tudo ficar pra trás
se ainda é tempo eu não sei
nem sei se eu sou capaz”

– Trecho inicial da faixa “Nada É Melhor”, primeira do disco

Lançado quase seis anos após o último disco, Zen Total do Ocidente, o trabalho traz colaborações com Tuyo, Leo Fressato, Victor Meira e Maurício Pereira, companhias perfeitas para essa viagem.

Pronto antes da pandemia chegar ao Brasil, o álbum teve apenas os toques finais feitos à distância entre estúdios de São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro, como contou Ian Fonseca durante a entrevista. Além das localidades, o grupo também diversifica em relação às influências:

“Ian e eu temos varias influências que se complementam”, contou Jérôme durante o papo. “Por exemplo ele é fã incondicional dos Beatles e eu sou devoto dos Beach Boys, Ian adora o Caetano [Veloso] e eu vim morar no Brasil por causa do [Tom] Jobim e do Milton [Nascimento] (…) mas uma banda que teve uma importância decisiva durante o processo de Viagem ao Fim da Noite foi o Steely Dan.”

As letras trazem memórias do caminho já percorrido e dá esperanças daquele que ainda vamos seguir. Em “Torto”, por exemplo, o grupo fala sobre as curvas que situações de convivência podem ter. Já em “Estrada”, eles andam pela jornada das despedidas e recomeços daquele que busca na estrada uma razão para viver entre reflexões.

“Eu Não Te Esqueci” é uma poesia que declara seu amor por silêncios, lembranças e rotinas a dois. Aqui, vemos o peso do mundo contemporâneo sendo esquecido para poder amar intensamente, sem arrependimentos. A última faixa, que carrega o nome do disco, é a procura por um abrigo no fim da estrada. A viagem volta para o ponto de partida e outros caminhos estão à vista.