Charli XCX é o nome do momento. Em tempos de divas pop entregando mais do mesmo (os lançamentos de Dua Lipa, Taylor Swift e Kali Uchis este ano, citando apenas alguns exemplos, não empolgaram), a estrela pop britânica brilha em ascensão com o novo álbum Brat e está aqui para fazer você dançar.
“Eu segui meu próprio caminho e conquistei, sou a sua referência favorita, bebê”. É com essa frase e confiança que Charli XCX dita o tom da festa em Brat, sexto álbum da carreira, lançado no último dia 07. Apoiado em uma campanha de marketing admirável e uma empolgação antecipada para o lançamento de um álbum como há muito não se via mais nas redes sociais, Charli atraiu a atenção para além dos habituais consumidores de música pop, finalmente alcançando o sucesso fora de sua bolha.
Brat exala confiança, aspectos da vida noturna e ícones estéticos da internet, misturando o que era considerado descolado entre sua geração, os millenials, com o que faz sucesso entre a geração Z hoje. Neste cenário, Charli XCX discute as próprias inseguranças e aprofunda dilemas do universo feminino, como gravidez, sucesso no trabalho e competição entre mulheres na música, em um mundo ainda tão machista. É uma bagunça muito bem orquestrada, a começar pela imagem de capa: o nome Brat em fonte helvética no fundo verde chroma key viralizou inspirando maquiagens, estampas de unha, camisetas e até decoração de bolo.
Ouvindo o disco, é como se fôssemos convidados a uma festa organizada pela artista, imersos em uma noite onde tudo pode acontecer. A faixa de abertura “360”, principal single do álbum, foi lançada com clipe estrelado por it girls como a modelo Julia Fox, exaltada no refrão chiclete (“I’m everywhere, I’m so Julia, ah ah ah… / “Estou em todo canto, eu sou tão Julia”), e participação das atrizes Rachel Sennott e Chloe Sevigny, entre outras celebridades.
“Club classics” é um dos tributos à cultura clubber no álbum, momento de referenciar seus parceiros musicais – o produtor e colaborador de longa data A.G. Cook e o noivo, George Daniel (produtor e baterista-fundador da banda britânica The 1975), além da produtora musical e DJ britânica SOPHIE, muito popular na cena eletrônica e PC music do Reino Unido, falecida precocemente em 2021.
Então chega o momento em que a festa começa a ficar esquisita: o espaço no club já não é mais tão confortável assim e lá também estão pessoas que não gostamos. “Sympathy is a knife” versa sobre a presença de alguém que costuma frequentar o mesmo rolê, mas desperta comparações e paranoias. Alguém que parece sempre mais bonita(o) ou talentosa(o), e eventualmente vai roubar seu namorado se você não ficar esperta. E quando a onda errada bate, talvez seja melhor espairecer lá fora. “I might say something stupid” é esse momento de refletir sobre seu lugar na festa: “Used to live just for the party, door is open / I’m famous but not quite (…) I don’t know if I belong here anymore | (“Eu costumava viver apenas pela festa, a porta está aberta / Sou famosa, mas nem tanto (…) Eu não sei mais se eu pertenço aqui”, em tradução livre).
Hora de dar tchau pras vozes da cabeça e voltar pra pista – e o que seria de uma festa sem um flerte? Charli escreveu “Talk Talk” sobre uma situação que viveu bem no início do relacionamento com o noivo George, quando ainda não estavam juntos mas se falavam por mensagem o tempo todo. “I followed you to the bathroom, but then I felt crazy / (Eu te segui até o banheiro, mas então me senti doida”, em tradução livre). Em entrevista ao TikTok, ela conta que a situação ocorreu em uma premiação na qual ambos estavam, mas em mesas separadas. Quem nunca fez de tudo pra chamar a atenção de alguém que está afim?
É justamente escrever sobre situações cotidianas o que faz das composições de Charli tão autênticas, tornando fácil se identificar com os relatos de suas letras, ainda que agora ela seja uma celebridade mundialmente famosa. Na sequência, “Von Dutch”, o primeiro single da era Brat, lançado em fevereiro deste ano, acompanha um clipe dirigido por Torso (responsável por filmes de moda para grifes como Burberry e Mugler). O vídeo mostra Charli sendo perseguida por paparazzis em um aeroporto.
“Everything is romantic” começa com arranjos de violino e flauta, atmosfera sofisticada que se transforma em beats progressivos, e exalta o romantismo e a capacidade de enxergar a beleza das coisas. Na sequência, “Rewind” explana o lado cruel da fama e suas consequências, denunciando a pressão estética que atinge até as mais bem-sucedidas mulheres da indústria: “Nowadays I only eat at the good restaurants / but honestly I’m always thinkin’ ‘bout my weight” (“Hoje em dia eu só como nos melhores restaurantes, mas honestamente estou sempre pensando no meu peso”, em tradução livre).
A segunda metade do disco começa com “So I”, feita em homenagem à SOPHIE. Além de ser uma de suas principais referências na produção musical, a DJ era amiga pessoal de Charli, e as duas começaram a produzir juntas no EP Vroom Vroom, lançado em 2015. “So I” faz referência à música “It’s Okay to Cry”, de SOPHIE, e em entrevista à The Face Magazine, Charli conta que a letra surgiu para ela durante o luto pela perda da amiga: “Havia muita distância entre nós porque eu estava maravilhada com ela e queria impressioná-la. Ela acreditou em mim de uma forma que eu não acreditava em mim mesma”, disse ela. “Mas eu senti que nunca seria interessante o suficiente para estar no mundo dela fora do estúdio, que era o espaço seguro onde poderíamos nos conectar e nos unir através da música”.
Uma das faixas mais repercutidas de Brat, “Girl, so confusing” é o retrato das inseguranças e frustrações que permeiam as amizades femininas. Logo quando foi lançada, os fãs especularam que a música seria sobre a relação “estremecida” de Charli XCX com a cantora e compositora Lorde. Ainda no início de suas carreiras, as duas eram vistas interagindo nas redes sociais e elogiando o trabalho uma da outra, até que Lorde viu sua vida de garota do interior da Nova Zelândia mudar totalmente ao conquistar o topo das paradas musicais do mundo todo com “Royals”.
Na época, os fãs e até a imprensa comparavam as duas cantoras pela aparência e estilo alternativo, e anos depois, surge a colaboração tão esperada pelos fãs: Charli XCX aproveitou o hype, convidando Lorde para quebrar a internet explicar sua versão da história: “People say we’re alike / They say we’ve got the same hair / It’s you and me on the coin / The industry loves to spend / And when we put this to bed / The internet will go crazy / I’m glad I know how you feel / ‘Cause I ride for you, Charli”. Não, amiga, eu não te odeio. Só não gosto muito de festas e cancelo nossos planos em cima da hora, mas torço por você!
A faixa seguinte “Apple” notadamente é a que mais destoa do resto do álbum, mas ainda assim mostra a criatividade lírica de Charli ao brincar com o som das palavras “apple” e “airport” na melodia. De volta à pista de dança, “B2b” faz menção ao “back to back”, como é conhecido o momento em que dois (ou mais) DJs dividem as picapes em um mesmo set, aludindo a um relacionamento vai-e-volta.
“Mean Girls” é um hino para as garotas “malvadas”, problemáticas, nova-iorquinas e fãs de Lana Del Rey, que saem de madrugada com a mesma maquiagem da noite anterior – na linha tênue entre a auto-descrição e a definição do que seria a epítome da garota descolada para sua geração. Uma das personagens criadas por Charli, sua versão da “brat”, a garota insuportável que a gente não consegue decidir se odeia ou se quer imitar.
Guardando o melhor para o final, em “I think about it all the time” Charli apresenta sua visão de uma questão inerente às mulheres: a maternidade. Ela traz sua perspectiva feminina em relação à idade considerada ideal para ser mãe e as implicações desta escolha, como a atribuição de um sentido totalmente novo à própria vida e a responsabilidade em abrir mão da liberdade.
A última faixa do álbum, “365”, é um remix de “360”, para quem gosta de festa todos os dias (de um ano inteiro, pelo menos). E é mesmo essa a vontade que fica ao escutar Brat: em meio às crises existenciais, que ainda sobrem motivos para dançar e que haja sempre festa com o que restar.
Há quem ainda esteja impressionado com a repercussão do lançamento até agora: há semanas Brat é organicamente um dos assuntos mais comentados em todas as principais redes sociais, acumula dezenas de milhões de plays nas plataformas, vídeos, memes e análises feitas por brasileiros e entusiastas ao redor do mundo, e parece que essa festa ainda está longe do fim.
E como um presente para quem não vai abandonar a pista tão cedo, ou pra quem acabou de chegar na festa, o álbum ganhou ainda uma versão especial com três faixas bônus: “Hello goodbye”, “Guess” e “Spring breakers”, entitulado Brat and it’s the same but there’s three more songs so it’s not.
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