Apeles – projeto solo do músico e compositor Eduardo Praça – lançou recentemente o novo álbum ESTASIS.

Com diversas influências da música eletrônica e participação de artistas do mundo inteiro na maioria das faixas, o disco é um convite para a relação do artista com a noite e sua dicotomia – suas delícias, seus encontros, mas também sua melancolia, solidão e momentos de reflexão.

Em entrevista ao Mad Sound, o artista que também é conhecido por seu trabalho com as bandas Ludovic e Quarto Negro, fala sobre o significado de algumas faixas, o conceito do disco e o processo de gravação dos videoclipes em câmera Super 8.

Leia na íntegra:

Mad Sound: Oi, Apeles! Tudo bem? Parabéns pelo lançamento de ‘Estasis’. Esse é um álbum que tem me acompanhado bastante nas últimas semanas. Da última vez que você conversou com a gente, o ano era 2021 e meio de pandemia. Na época, você comentou que seu maior medo era “não poder cantar” e lançou “Eu Tenho Medo do Silêncio”. Como você se sente agora, podendo cantar novamente?

Apeles: Olá! Que bom conversar novamente e trazer esse assunto é ótimo, estou impressionado com o poder da resiliência. O período da pandemia foi terrível, mas tive o privilégio de passar por ele e continuar com a minha música. O álbum em si nasceu dessa conta de libertação, ele sempre foi voltado a elementos imaginários de libertação e mesmo com a vida relativamente normal novamente, ele ainda habita no imaginário das pessoas. Resumidamente, me sinto muito bem e realizado com o lançamento do álbum, foi de fato uma longa jornada mas estou muito orgulhoso do resultado!

MS: ‘Estasis’ é um disco inegavelmente noturno, mas ele olha para a vida noturna com uma certa melancolia, mostrando esse conflito entre querer aproveitar a noite, mas não querer ficar de ressaca depois, como você disse em entrevista à Folha. Ele é mais reflexivo, ao invés de hedonista. Ainda pensando nos tempos pandêmicos: ter passado tanto tempo de quarentena afetou a maneira como você vive a noite hoje em dia? A sede de viver novamente deu lugar a uma reflexão mais profunda, eventualmente?

A: Afetou demais, foram três anos de idade a mais, o corpo já tem outro ritmo! Mas eu vejo a figura da noite e a boemia usada no disco como uma figura de linguagem para dicotomias, o custo de ter algum vício, da falta de balanço na vida, isso pode se aplicar a muitas coisas. Falando da noite em específico, eu sou um entusiasta dos encontros improváveis e nenhum lugar melhor que a noite pra fazer isso, então ainda tenho entusiasmo de estar pelas ruas desbravando o mundo, embora tenha diminuído um pouco. Às vezes nas turnês que faço, como Apeles ou até com o Ludovic, algo que me deixa muito empolgado pra viajar é conhecer as pessoas, sair pra tomar algo depois do show, eu acho que os grandes encontros e a jovialidade da vida está nisso, não é algo que pretendo abandonar tão cedo.

MS: As várias colaborações de ‘Estasis’ e os diversos idiomas desse álbum dão a ele uma característica meio Torre de Babel. É um espaço caótico, mas ao mesmo tempo culturalmente rico – meio como estar na balada com um grupo de pessoas que você acabou de conhecer e cada um vem de um lugar diferente. O que te fez querer trazer essa diversidade para o seu disco?

A: Adorei a sua descrição, é muito isso mesmo, estar num lugar com encontros improváveis, sabe aquela noite que você está viajando e fica num hostel e tem de tudo ali? É meio isso. A ideia dos feats foi fundamentada em me tirar do centro do disco, queria que ele fosse uma homenagem aos artistas. Quando fiz o primeiro com o Italiano Colombre, vi que além de descentralizar de mim, eu poderia explorar idiomas fora da minha língua materna e aí só bastou a criatividade e o network de conhecer pessoas de quase todos os continentes. Eu sempre tive um problema em cantar e escrever músicas fora da minha língua materna e essa foi a oportunidade perfeita de explorar isso!

MS: Como foi o processo de trabalhar em colaboração com tantos nomes?

A: Foi incrível e trabalhoso. Pra conseguir conciliar a agenda de todos, os planos de colaboração, demora quase três anos. Muitos outros artistas também foram convidados e bateram na trave algumas vezes, até encaixar tudo foi um trabalho enorme. A última participação terminou de gravar a música um mês antes do lançamento do álbum. A parte disso, foi um processo maravilhoso, quando chegavam as gravações a gente não conseguia parar de ouvir e celebrar. Muita gente talentosa teve a generosidade de gravar com a gente, eu não podia ser mais privilegiado em ter tantos artistas incríveis somando no álbum.

MS: Você também explorou novos gêneros musicais que ainda não tinham aparecido nos seus trabalhos solo anteriores. Como foi esse processo de trabalhar com a música eletrônica e um experimentalismo mais expansivo?

A: Eu tento constantemente me policiar quando estou produzindo material novo que eu não me repita muito, o que claro é impossível em fazer 100% afinal sou eu e minha voz, então pra driblar isso de alguma forma, a ideia foi explorar outros gêneros musicais. Ouvimos muita música “colagem” do tipo J Dilla, música ambiente, Hiphop e coisas do tipo pra poder chegar em outros lugares com o álbum. Eu nunca imaginei que teria um rapper em uma música minha, quando rolou foi a maior alegria e uma recompensa enorme. O difícil agora vai ser pensar em um próximo álbum 🙂

MS: Uma música que se destaca nesse álbum por ser a única sem colaborações é “Ossos Em Chamas”. O que essa faixa representa pra você? E por que ela não possui colaborações como as outras?

A: É provavelmente a minha favorita, amo como ela se desenhou. Essa música surgiu de uma forma muito agonizante. Eu fui viajar e esqueci de levar alguns remédios de uso contínuo, o que me obrigou a desmamar brutalmente um remédio, o que além de perigoso, mexe com o corpo inteiro. A sensação era febril mas não havia febre, sentia algo ardendo e só restava esperar até ter o remédio novamente no corpo. Foi uma experiência tão individual que preferi cantar sozinho.

MS: Você lançou vários videoclipes para esse álbum, todos filmados em câmera Super 8, o que traz um brilho mais analógico e nostálgico para esse universo. Qual era a sua intenção por traz desses visuais e como foi o processo de filmagem dessa maneira?

A: A primeira ideia era ser disruptiva no processo criativo de filmagem. Normalmente, trabalha-se com grandes equipes, roteiros, horas de material, mas com o Super 8 você não tem essa possibilidade, é uma câmera pequena, com um filme de três minutos e meio. É necessário otimizar o tempo e a idéia, o que pra mim é maravilhoso por que preserva a espontaneidade dos indivíduos, a única regra que tínhamos era escolher a locação e o ator, de resto não havia roteiro. É das coisas mais legais que produzi em toda a carreira, e mexer com diferentes tipos de mídia também traz uma vida nova incrível, estou muito orgulhoso do resultado!

MS: O que você gostaria que as pessoas tivessem em mente quando elas adentram o universo de ‘Estasis’?

A: Libertação com elegância, sem culpas, sem paranóias e braços abertos pra encarar o que vier!

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