A dupla holandesa Feng Suave – formada por Daniël de Jong e Daniël Schoemaker – se encontra em contagem regressiva para lançar seu terceiro EP, So Much Gardening. O projeto chega dia 27 de agosto e segue uma linha sonora que mistura deliciosamente o soul dos anos 70 e o indie pop moderno, buscando inspiração em nomes como Bill Withers e The Beatles. Acesse a pré-venda aqui.

Em seu terceiro EP, o Feng Suave prova o quanto cresceu desde sua estreia com o single de sucesso “Sink Into The Floor”. So Much For Gardening foi gravado totalmente ao vivo e de forma analógica e nos conduz por uma louca viagem durante suas 4 faixas, discorrendo sobre uma variedade de temas, como uma sátira aos lobos do mercado financeiro no videoclipe de “Come Gather Round” e os desastres ambientais mencionados com suavidade em “Unweaving The Rainbow Forever”.

Em entrevista ao Mad Sound, o vocalista Daniël de Jong fala sobre os temas que inspiraram o novo EP, a sensação de impotência em relação ao estado atual do planeta, e por que não consegue ouvir o EP Warping Youth, de 2020. Confira na íntegra:

Mad Sound: Olá, Daniel!

Daniël de Jong: Olá! Prazer em te conhecer.

MS: É um prazer te conhecer, também. Como tem sido o seu dia?

DJ: Ah, bem comum.

MS: “Cheio de entrevistas” é o seu comum? [risos]

DJ: [risos] Essa é a coisa mais interessante do meu dia, claro.

MS: Legal! Primeiramente, parabéns pelo novo EP! Eu tive a chance de ouvir e achei muito bom. O último EP do Feng Suave foi lançado em 2020, então antes de tudo eu queria saber como esse último ano tem sido pra você.

DJ: Tem sido um ano bastante bom, considerando tudo o que tem acontecido. Obviamente, não pudemos sair em turnê por conta da pandemia e isso nos deu bastante tempo para trabalhar nesse EP. Nós gostamos de fazer as coisas com calma quando estamos montando um projeto, somos meio devagar para escrever músicas, então foi muito bom ter um tempo extra para gastar.

Por outro lado, eu não sei como está a situação onde você mora, mas por aqui as coisas têm começado a reabrir aos poucos, o que é legal.

MS: As coisas aqui têm estado bem ruins. Os lugares estão abertos há cerca de um ano, mas não porque a situação melhorou e sim porque piorou.

DJ: Ahhh, você mora no Brasil, né? Em qual lugar?

MS: Em São Paulo. A situação está um pouco melhor que em outros lugares do país porque o ritmo de vacinação tem acelerado, então é um pouco melhor, mas o nosso melhor ainda é pior que o resto do mundo.

DJ: É, boa sorte pra vocês [risos]

MS: Obrigada, nós precisamos! O Feng Suave tem dois EPs que tiveram boas recepções. O público ama, seus fãs brasileiros os amam, e eu gostaria de saber se isso torna mais difícil fazer um novo projeto. Quando você olha para trás e vê que fez um bom trabalho, isso acrescenta alguma pressão para fazer um terceiro EP que seja tão bom quanto os outros?

DJ: Sim e não. Acrescenta um pouco porque não queremos decepcionar as pessoas, mas na verdade me incomoda um pouco que nossa música mais popular ainda seja a primeira música que lançamos na vida [risos]. Nós queremos superá-la, queremos fazer algo melhor que ela, mas eu não acho que seja um caso de “melhor ou pior”. Eu realmente acredito que nossa música progrediu para algo que eu, pelo menos, gosto mais do que as coisas que fizemos antes. 

Eu definitivamente sei que nós sabemos mais hoje do que sabíamos quando lançamos nossa primeira música, então eu sinto que progredimos, mas quando você olha para os números, às vezes isso pode nos fazer pensar que deveríamos voltar para o nosso som mais antigo porque até o momento essa foi a direção mais popular que tomamos. 

Nesse sentido, acrescenta um pouco de pressão, mas hoje em dia as plataformas como YouTube e Spotify às vezes parecem redes sociais porque você dá uma olhada nelas e vê os likes e as reações, e quando você fica muito envolvido nisso, isso meio que te distrai de fazer o que você quer fazer. 

Na verdade, eu mesmo passei por um período em que era difícil pra mim escrever música porque eu pensava em como seria a recepção do público antes mesmo que a canção fosse lançada ou gravada. Então, nesse sentido, eu acho que essa é uma pergunta muito válida porque eu acredito que muitos artistas sofrem com isso, mas eu meio que acabei chegando à conclusão de que foda-se. Se as pessoas não gostarem, elas não gostaram, e aí eu vou ter que arranjar um emprego no supermercado mais perto da minha casa, ou algo do tipo [risos].

MS: Mas eu acho que sua atitude é ótima porque sua música vai ser sua música ao invés de mais do que o que todo mundo têm colocado para tocar na rádio.

DJ: Exato, e nós também temos sorte de gostar de músicas que têm refrão, verso e certa estrutura. Não é nenhum tipo de música que seja difícil de digerir, não é como se nós quiséssemos fazer um jazz fusion com músicas de 17 minutos [risos]. Não é o que gostamos, então temos essa sorte.

MS: Talvez músicas de 7 minutos, mas não 17.

DJ: Sim [risos]. Sete é um número bom.

MS: Eu gostaria de saber: Eu amo “Unweaving The Rainbow Forever” e “Come Gather Round” porque elas têm esse som ensolarado e otimista, mas as letras têm um teor quase apocalíptico, o que eu acho que retrata bem a época em que estamos vivendo. 

Eu sinto que o mundo está basicamente vivendo um inferno – eu particularmente sei que estou – e nós estamos tentando só seguir a vida no meio disso tudo e agir normalmente e viver com um pensamento positivo. Então, eu gostaria de saber o que estava se passando na cabeça de vocês ao escreverem essas duas músicas.

DJ: Eu acho que foi o outro Daniël [Schoemaker] que escreveu a letra de “Come Gather Round” e nós estávamos em ano de eleição na Holanda, e mais uma vez, é claro, todo mundo votou na pessoa errada [risos]. 

MS: Nem me fale.

DJ: Pois é, é a quarta vez que um partido de direita ganha a eleição, e [o Daniël] decidiu que queria escrever uma música sobre o capitalismo porque isso é horrível. As pessoas tendem a achar que tudo na Holanda é ótimo porque nós nos saímos muito bem em um âmbito global, mas por baixo dos panos há muitos políticos que estão levando as coisas para o lado errado.

Os professores são mal pagos e o mercado imobiliário está terrível, as pessoas não conseguem pagar por uma casa. O governo precisa construir cerca de 1,5 milhão de casas nos próximos 10 anos ou as pessoas vão ter que morar na rua. 

Nós temos sorte porque nossa situação é muito mais justa que em vários outros países. A divisão entre ricos e pobres não é tão grande quanto nos Estados Unidos, por exemplo, e muito menos no Brasil. São só as pessoas votando no partido errado e querendo ficar com o dinheiro só para elas ao invés de pensar no bem comum, e isso era uma grande parte das nossas conversas na época. Eu não sei o que estava na mente [do Daniël] quando ele escreveu essas letras, mas eu canto porque gosto delas [risos].

MS: Mas é bom porque as pessoas se identificam. Eu não moro em Amsterdã, mas eu me identifico [com a letra].

DJ: Sim, eu acho que é meio que a mesma coisa em todo lugar. Em todo país há grandes multinacionais e eles vão fazer tudo o que puderem para tirar até o último centavo do seu bolso. Eu acho que isso é uma frustração para todo mundo. Muitas vezes eu tenho um choque de realidade e penso no quão boas as coisas são aqui, mas isso não é um motivo para deixar as grandes companhias tomarem conta.

Na Holanda existe essa regra onde companhias muito grandes não precisam pagar impostos, então eu pago mais impostos nesse país que a Shell, por exemplo, que é uma empresa multimilionária. Essa é uma das coisas mais frustrantes na Holanda; nós queremos facilitar a presença de grandes companhias aqui porque sentimos que gera empregos, mas ao mesmo tempo eu sinto que eles estão ferrando com o próprio povo.

Eu tenho muita sorte de morar aqui porque é um bom país, mas as pessoas erradas estão chegando ao poder. Nós não estamos melhorando, só estamos tornando tudo pior nesse momento, então acredito que essa foi a inspiração para essa música.

MS: Eu queria falar um pouco sobre o nome do EP, So Much For Gardening, porque fiquei curiosa sobre o significado por trás dele.

DJ: Eu não sei muito sobre o quanto ele significa, mas eu sei que o Dan tinha essa ideia de tentar jardinar, tentar plantar árvores ou algo do tipo, e isso simplesmente não funciona mais porque o planeta já foi pro saco. Esse é meio que o conceito.

MS: Meio deprimente, né?

DJ: [risos] Sim.

MS: E quanto a você, Daniël? Como foi a experiência de escrever esse EP e o quão diferente ela foi comparada às outras duas? E o que você acha que as pessoas vão absorver dele?

DJ: Em primeiro lugar, todo o processo foi diferente. O processo de escrita foi meio que o mesmo, mas o de gravação foi muito diferente porque gravamos tudo ao vivo na fita, então não tivemos computadores envolvidos dessa vez, exceto por alguns pequenos overdubs. Nós gravamos em um grande estúdio com todos os nossos amigos, então tinha um clima de comunidade no ar, ao invés de algo solitário atrás de uma tela. Isso foi muito legal, eu realmente gostei dessa parte.

Sobre o que eu acho que as pessoas vão absorver: eu acho que cada música nesse EP se sustenta sozinha. O último EP tinha temas que se encontravam em todas as faixas, mas eu acredito que o So Much For Gardening tem só 4 faixas sem um denominador comum entre elas. Foi muito bom poder fazer o que a gente quisesse em cada faixa; nós temos uma música sobre o meio ambiente, uma sobre capitalismo e “Show Me”, que é uma música muito pessoal para mim.

MS: Por quê?

DJ: Porque fala sobre uma situação muito pessoal sobre a qual eu nunca consegui escrever desse jeito. Eu tenho um problema que é: quando eu escrevo sobre algo eu só falo diretamente o que quero dizer. Dessa vez eu consegui ser mais abstrato, então as pessoas que não passaram exatamente pelo o que eu passei ainda podem captar o mesmo sentimento. Isso foi muito legal, foi a primeira vez que deu certo pra mim.

MS: É uma música muito bonita.

DJ: Obrigado. O Dan costuma escrever letras melhor que eu, mas eu acho que fiz um bom trabalho nessa. 

Foi um processo muito divertido porque normalmente tem muito estresse envolvido em um EP. Nós temos prazo para entregar as coisas e etc, mas dessa vez nós tivemos bastante tempo e conseguimos terminar com folga. Por exemplo, o EP Warping Youth é um que eu nem consigo ouvir, particularmente, porque só consigo pensar em todo o estresse que passamos para gravá-lo.

MS: Meu Deus. Sinto muito por isso.

DJ: Tudo bem. Agora ele pertence a outras pessoas. Enfim, eu realmente gostei do processo de gravar o So Much For Gardening e acho que estamos no caminho certo.

LEIA TAMBÉM: Descubra a jornada de Matheus Who: do quarto até a atmosfera sonhadora do bedroom pop