No quarto onde idealizou e realizou a maior parte das músicas que garantiram a ele destaque na cena do bedroom pop nacional, Matheus Who reflete sobre os caminhos percorridos para chegar até a divulgação do primeiro álbum solo da carreira. “Tudo na minha vida parece muito sem querer e dá certo, a sorte parece que tá sempre me ajudando”, diz em chamada de vídeo com o Mad Sound. “Mas eu sei que é 50% sorte e 50% trabalho”. 

Com melodias contagiantes, atmosfera sonhadora em tons pastéis e letras relacionáveis sobre saúde mental, as dores, ansiedades e amores da juventude, com elementos da psicodelia nostálgica do dream pop e inspirado pelo storytelling de Tyler, the Creator e Frank Ocean, ele já chamou atenção de gravadoras e teve o potencial reconhecido pela Rolling Stone. Tudo isso sem um plano delineado, na base da tentativa e erro, mas com a honestidade, consigo e com o público, como a maior ética de trabalho. 

Os acertos “sem querer” começaram há alguns anos, quando viralizou com um tweet sobre o trabalho na banda Carmen – “do nada”, existiam milhares de seguidores e ouvintes engajados nas plataformas digitais. Nos três anos seguintes, com dois álbuns e turnês nacionais, o interesse ajudou Matheus a chegar em um consenso com os familiares sobre o desejo de investir em música, apesar de ter sido influenciado pelo pai a ouvir Beatles, Rolling Stones e Metallica desde a infância. “Não tem nenhum artista na minha família, foi bem difícil para eles aceitarem”, conta. 

Não demorou muito para ele crescer para além dos limites artísticos da sonoridade lo-fi que conquistou os fãs e atenção midiática na cena indie.  “As pessoas criaram um vínculo muito forte com o primeiro álbum que a gente fez, que foram literalmente as primeiras músicas que a gente escreveu”, explica. “Às vezes isso é muito complicado, então sinto que amadureci do ‘Matheus da Carmen’ e foi muito natural”. 

Agora com novos elementos em mente, com guitarra pronunciada, produção mais elaborada, fruto dos anos de experimentação na discografia do grupo, nascia “Deeply”, o maior sucesso solo até o momento, parte do EP hello, i love you, lançado em 2020 e assinado pelo novo nome artístico, inspirado na série Doctor Who e, talvez, no desejo de transcender o lugar que ocupava até ali.

Quando a pandemia começou, Matheus Who precisou cancelar vários shows como artista solo e também o plano de fazer um álbum “muito profissional”, com estúdio, engenheiro de som e produtor profissionais. A solução foi seguir a fórmula responsável pelos êxitos colhidos até então. O investimento foi revertido para os próprios equipamentos, resultando em um novo nível de conhecimento e expertise nessas áreas. “Está mais com cara de estúdio do que de quarto agora”, conta. 

Sem abandonar os elementos que construíram sua estética sonora, lírica e visual, a ideia de cantar em português partiu de um conselho recebido em uma daquelas reuniões de proposta de gravadora. Dessas tentativas de seguir com composições simples e honestas, “Festa” surgiu quase de primeira. Apesar da sonoridade alegre e clipe colorido, a faixa aborda ataques de pânico vivenciados durante confraternizações. “Não tem como correr [desse assunto], sou diagnosticado com depressão clínica desde os 13 anos de idade”, diz. “É uma coisa que não falo [sobre] no meu dia a dia, mas encontro um jeito muito legal de expressar isso na minha música”. 

Falar sobre as próprias experiências de forma simples e honesta é essencial para Matheus, deixando a fantasia para os clipes. “Nunca fiz nada forçado, essa é uma das partes boas de ser artista independente: sempre fazer as coisas que eu estava com vontade”, observa. “É contar minha vida, o que eu estava pensando, e tentar falar de um jeito bonito, literalmente só falar o que eu estava sentindo”. 

A relação com as redes sociais, essenciais para o acontecimento da jornada até aqui, inspirou “Inconsequente”, sobre a cobrança para estar sempre online. Quando entrou no TikTok, antes da aderência em massa ao aplicativo, foi questionado por amigos. “Matheus, você está maluco?”, perguntavam. Mas foi outro acerto: ali, ele construiu a maior plataforma que tem até hoje. Até mesmo a menor frequência de postagens online, a despeito da pressão do algoritmo, pode ser considerado um trend: “Ser diferente hoje em dia é você não postar nada, acabei aderindo a isso sem querer”. 

Aos 22 anos e com futuro promissor, Who se prepara para o lançamento de A Dobra no Espaço-tempo ainda em 2021 com uma visão completamente nova sobre a própria arte e a sua trajetória até esse momento. “As pessoas querem lançar a obra prima logo de cara e não é assim”, aconselha. “[Hoje] sei mais o que estou fazendo e faço o melhor que posso, como sempre. Tenho muito orgulho de tudo que está naquele álbum”. 

LEIA TAMBÉM: Descubra VUKOVI e o lado colorido do pop punk distópico

Categorias: Descubra