A partir das 18h (horário de Brasília) desta quarta-feira, 21, até a noite de domingo, 25, acontece a quinta edição do Festival MUCHO!. Realizado desde 2017, o evento celebra a diversidade da América Latina por meio da integração e respeito entre culturas através da arte. 

Planejado inicialmente como um festival presencial, o MUCHO! precisou se reinventar com a chegada da pandemia e as medidas de isolamento social. A edição de 2021 acontece de forma totalmente online com uma rica programação incluindo mesas de bate-papo e atrações musicais, mesclando também aspectos da literatura. Estarão presentes grandes nomes brasileiros, como Lenine, Josyara, Čao Laru e Alceu Valença, mas também Jorge Drexler, do Uruguai, Perotá Chingó, Sofia Viola e Escalandrum da Argentina, e Yusa, de Cuba.

O Festival MUCHO! é uma iniciativa do Núcleo de Integração Cultural Brasil-América Latina Difusa Fronteira, que realiza projetos de aproximação cultural no continente latinoamericano há 14 anos. Nós do Mad Sound entrevistamos o diretor do núcleo, Felipe França Gonzalez, que contou a história de uma viagem de ônibus que ele fez pela América do Sul quando tinha 18 anos. Em seu trajeto, Felipe passou pelo sul do Brasil, pelo Uruguai, Argentina e Chile, e, segundo ele, a diversidade de idiomas, sons, ritmos, paladares e cores mudou completamente sua percepção do contexto em que o Brasil estava inserido no continente latinoamericano.

“Eu acho que você se enxergar como ser dentro de um continente expande a sua cabeça. Você não se limita como um país, como nação. Você tá no meio de um caldeirão artístico, de um caldeirão cultural, que é um dos mais férteis do mundo,” reflete o diretor.

Sofia Viola. Créditos: Divulgação

A Difusa Fronteira nasceu de uma tese de pós-graduação na Universidade Nacional de Córdoba, na Argentina, onde Felipe morou durante oito anos após sua viagem. O projeto consistia em detectar que o Brasil e a Argentina sofriam de uma limitação por estereótipo, a partir da qual foi traçado um plano de divulgação e cruzamento das culturas, que depois se expandiu para outros países do continente.

Dentro das coisas que nos unem e nos diferem enquanto América Latina, um dos traços mais importantes na cultura é a abordagem de temas centrais, como a reivindicação de terras e o colonialismo. Para Felipe, enxergar perto de nós ritmos familiares e temáticas locais é parte essencial daquilo que gera o sentimento de pertencimento a uma cultura latinoamericana, o que também cria uma noção de coletividade entre os países que foram colonizados, diferente da abordagem cultural dos países que assumiram o papel de colonizadores.

“Eu acho que a gente tem uma intenção e uma pulsão pela proatividade. O latinoamericano busca se agregar, se coletivizar,” opina. “Uma das maneiras de interpretar isso é que o nosso continente foi fragmentado pra ser mais fácil de dominar, então você divide uma cultura para ser mais fácil dominar. Pela diversidade musical do nosso continente, eu enxergo que os intercâmbios que fizeram entre países fazem a gente ter essa noção que é muito atacada. Às vezes tentam destruir essa nossa visão da pátria grande, da pátria da América Latina, de uma só nação desde o norte do México até o Estreito de Magalhães, que o próprio Che Guevara fala nos Diários de Motocicleta.”

Utilizando-se da arte como instrumento catalisador de mudanças, denúncia e revolução, o Festival MUCHO! desse ano buscou agregar a força da literatura latinoamericana à sua programação. Resgatando a obra Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Marquez, a linha curatorial dessa edição escolheu como tema-guia o estilo literário “realismo mágico”, que utiliza a hipérbole de elementos mágicos para refletir metaforicamente a nossa realidade. 

Baseado nisso, a equipe de curadoria montou um festival que se divide em capítulos de um livro fictício que busca unir música e literatura, centrado na figura dos trovadores, que, segundo Felipe, “é essa figura latinoamericana que compõe e interpreta suas próprias músicas e vai carregando crônicas urbanas, crônicas rurais na sua música e projetando no público”. Daí surge a escolha de nomes como Lenine, Alceu Valença e Perotá Chingó, ajudando a criar uma grande atmosfera de contação de histórias.

Perotá Chingó. Créditos: Camila Berrio

O formato digital veio como um desafio para o MUCHO!, que, como diz Felipe, é um festival que “nasceu para tomar as ruas”, mas os resultados têm sido positivos, com a última edição alcançando pessoas de mais de 45 países. Sobre a pandemia, Felipe mencionou a falta de apoio recebido no setor cultural, afirmando que a cultura latinoamericana “foi completamente arrasada” devido ao descaso e à desorganização das medidas de auxílio, mas também comentou os novos movimentos que estão surgindo do caos do cenário atual. 

“O povo latinoamericano sempre foi de luta, sempre foi resiliente. Ele sempre conseguiu transformar traumas históricos em resposta criativa, e sempre com um potencial maravilhoso, então, mais uma vez, eu vejo exemplos do nosso continente de artistas que lançaram projetos incríveis durante a pandemia. Também vejo amigos produtores culturais que inovaram em formatos, que trouxeram de maneira super criativa exemplos de produtos e formatos culturais,” afirma.

E é nos momentos de maior adversidade que a arte da América Latina se ergue com mais força, especialmente na música, ajudando a reforçar a ideia de coletividade e nos diferenciando de países eurocêntricos. “Eu acho que a nossa música é um barril de pólvora sempre,” afirma Felipe. “Eu acho que a denúncia da música latinoamericana tem na sua origem a contestação. Você pega as músicas dos anos 70, 60, no pior momento da América Latina, que passou por repressões e ditaduras, a música latinoamericana aflora com Daniel Viglietti, Violeta Parra, Víctor Jara, Chico Buarque, Caetano Veloso, e mostra que desse asfalto nasce uma flor transformadora e revolucionária. E isso é a nossa herança latinoamericana: a luta através do verbo, a luta através da poesia, de uma maneira muito contundente.”

Acompanhe o Festival MUCHO! ao vivo através do canal oficial do evento no YouTube e com retransmissão na plataforma Vivamos Cultura do Ministério de Cultura de Buenos Aires. Confira a programação completa no Instagram do evento.