Solar Power é um universo próprio com céu limpo e cheiro de mar, onde a voz rouca e desafiadora de Lorde encontra descanso em melodias suaves como as carícias do vento na pele em um dia de praia, causando arrepios de frio e prazer. 

Em um primeiro momento, o terceiro álbum de estúdio da carreira de Lorde parece quase esquecível. É como as lembranças de passeios em belas vistas e dias na natureza que, apesar de deliciosos e energizantes, desbotam e se perdem com a intrusão das demandas da rotina barulhenta da vida, ainda mais em contexto da sinuosa recuperação da pandemia. É verão no Hemisfério Norte, mas um verão no fim dos tempos tem outra cor.

Quem deixar Solar Power tocando do início ao fim, sem prestar atenção aos detalhes dourados do disco, pode ter a impressão de que se trata de uma única e longa faixa. O álbum é guiado pelo violão acústico, som “orgânico” , vocais airados e a bateria noventista de Matt Chamberlain – o mesmo do álbum Tidal (1996), de Fionna Apple, como Lorde faz questão de pontuar. Esses elementos criam uma atmosfera onírica, nostálgica e coesa, tornando impossível não evocar imagens de viagens de carro no verão e paletas de cor pastel.

De muitas maneiras, o novo álbum de Lorde chegou ao mundo como o antecessor. Melodrama (2017) também foi lançado após um período de afastamento da vida pública após o sucesso estrondoso de Pure Heroine (2014), quando a cantora tinha apenas 17 anos e ganhou igualmente os corações de fãs dedicados e dos próprios ídolos, da academia do Grammy a David Bowie. Naquela época, ela sabia que sua vida mudaria para sempre, como lembra em “The Path”.  

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Mesmo com a melhor estreia da carreira no Spotify, com quase 12 milhões de reproduções nas primeiras 24 horas desde o lançamento na última sexta-feira, 20 de agosto, a recepção dos fãs e da crítica não foi tão calorosa quanto o conceito do disco: Solar Power teve uma pontuação alta no Metacritic, mas ainda é a menor da carreira de Lorde. Nas redes sociais, o público se mostra dividido.

Lorde em pôster de divulgação da turnê 'Solar Power'
Lorde em pôster de divulgação da turnê ‘Solar Power’. Crédito: Reprodução/Facebook

Agora aos 24 anos, “com mais dinheiro do que poderia gastar”, como explicou ao The Wall Street Journal, a artista parece entregar um álbum que soa e parece quase anti-Lorde a princípio, longe da jovem vestida de preto dos pés a cabeça que conhecemos há quase uma década e da melancolia. Mesmo em meio aos ingredientes do sucesso – a voz inconfundível e composições certeiras, a capacidade de negar as tendências do mainstream naturalmente -, o público ainda se questiona. 

Ao observar a capa do álbum, Lorde é capturada de baixo na praia, usando biquíni e blusa de manga comprida em um belo dia ensolarado. Mais despida do que jamais consentiu aparecer antes, a imagem parece dizer bem mais sobre o álbum do que apenas ilustrar imagens tranquilas de mar e sol. 

O ângulo inusitado nos convida para uma nova perspectiva, nos chama para sua intimidade e não permite que se veja a longa sombra projetada na areia. Congelada na troca de um passo, não há dúvidas de que Lorde está indo adiante. “Are you coming, my baby?”, convida em “Solar Power”.

Não deixe a sonoridade tranquila te enganar: não se trata de uma fuga dos problemas. Na incrível “Fallen Fruit”, uma das melhores do disco, Lorde discute mudança climática em um canto coletivo de pés descalços em uma terra condenada, questionando as gerações anteriores. Se a ativista Greta Thunberg cobra atitude, aqui o tema é exposto como uma pintura incômoda, mas ainda bela.

A atitude desprendida da cantora em uma sociedade com visões distorcidas de sucesso, especialmente na indústria musical, já diz muito sobre o momento da vida e carreira de Lorde. Ela finalmente está em posição de olhar ao redor, emergindo a cabeça do oceano das próprias dores, e enxergar as belezas do mundo.

Capa do álbum 'Solar Power', de Lorde
Capa do álbum ‘Solar Power’, de Lorde. Crédito: Divulgação

Passado o primeiro momento de estranhamento, o álbum abre as portas da vida de Lorde: passado, presente e futuro. O retorno para Nova Zelândia, terra natal, em uma vida simples, adorável e diferente daquela conhecida pelo público é narrado desse novo lugar de maturidade e segurança. Em “Secrets from a Girl (Who’s Seen It All)”, Ella O’Connor dá conselhos de uma pessoa que se tornou adulta, conhece as dores da adolescência e escreve uma carta para si mesma e todas as garotas. “Todo mundo quer o melhor para você / Mas você precisa desejar isso a si mesma”, conta gentilmente. 

A monotonia realmente existe no álbum, com as águas calmas e hipnóticas de “The Man with the Axe”, uma das favoritas de Lorde em Solar Power, e a serenata rápida e contida de “Dominoes” logo na sequência. No fechamento, a declaração de amor ao cachorro de estimação em “Big Star”, a brincadeira bem intencionada com o mundo de incensos, astrologia e cristais em plena popularização de “Mood Ring” e a despedida reflexiva em “Oceanic Feeling” crescem e deixam a expectativa pelo futuro. “Foi encontrado o entendimento desejado? Não, mas estou tentando viver um ano de cada vez”, confessa.

É justo dizer que a sombra que parece esconder o sol em Solar Power para muitos é da própria grandiosidade de Lorde e as expectativas que acompanham uma artista tão única. Mas como nem tudo que é bom na vida precisa ser adorado de cara, o disco ganha profundidade, novas cores e texturas a cada novo play, e a viagem para essa ilha de descanso e reflexão vale cada minuto. 

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