Texto por Isabela “Pétala” Alcântara e Julia de Camillo.
A pandemia de COVID-19 mudou os planos de todo mundo para o ano de 2020. Com estrelas do pop globais, não foi diferente. Taylor Swift viu os planos de turnê mundial em apoio de Lover, seu sétimo trabalho de estúdio lançado em agosto do ano passado, virem abaixo. Ela se viu trancada em casa, em isolamento, assim como todos nós, tendo acesso à flashes de nostalgia e criatividade que a levaram, em tempos incomuns a fenômenos incomuns.
É assim que nasce folklore, que é, notoriamente, o primeiro álbum da cantora a não seguir o passo a passo tradicional de um lançamento no mundo do pop — anúncio oficial com meses de antecedência, singles, teasers, entrevistas à imprensa, etc. “Antes deste ano, eu provavelmente teria pensado demais sobre como lançar essas músicas no momento ‘perfeito’, mas a situação que estamos vivendo continua a me lembrar que nada é garantido”, ela explicou nas redes sociais, ao anunciar o disco a menos de 24 horas do lançamento. Talvez Taylor finalmente tenha percebido que é famosa o suficiente para uma manobra dessas.
Simultaneamente, folklore é fruto das circunstâncias da pandemia e algo para qual Taylor vem trabalhando desde sempre. É um trabalho indissociável do cenário de isolamento tanto pelos sentimentos que explora e evoca, quanto pela maneira como foi criado — em grande cumplicidade com Aaron Dessner, do The National, e com contribuições do familiar Jack Antonoff em algumas canções —, com seus colaboradores à distância e facilitado pela tecnologia. Também representa uma espécie de retorno à forma para a escrita confessional que fez o mundo se apaixonar pela Taylor de “Tim McGraw”, desta vez envolta pela maturidade, experiências e complexidade que vêm com os anos.
A nostalgia, o assunto que percorre todas as canções de folklore, parece ser o último estágio dos três momentos do isolamento para a maioria das pessoas, chegando depois do sentimento de querer aproveitar o presente e a oportunidade de estar em casa, levando as coisas mais devagar, e pensar ansiosamente sobre o futuro e suas possibilidades.
Artistas como Swift pensam nos mínimos detalhes da experiência do ouvinte, e começar a incrível “the 1”, primeira faixa do disco, com I’m doing good, I’m on some new shit, e relembrar de amores passados com um novo olhar e até saudades, mesmo estando em um relacionamento saudável, é a prova de seu crescimento e, com isso, capacidade de revisitar o passado sem se apegar a ele, tendo como única proposta fazer o que faz de melhor: encantar o ouvinte ao contar histórias.
O storytelling de acontecimentos da vida pessoal da artista continua em faixas como “my tears ricochet”, “mirrorball”, “illicit affairs”, “this is my trying”, e em “seven”, em que ela relembra de uma amizade de sua infância, suas sensações e situações, no entanto, sua memória não consegue recordar o rosto de sua fiel companheira, o que não a impede de sentir amor por ela e dedicá-la essa canção.
O primeiro single de folklore, “cardigan”, marca a primeira faixa de um ato inédito nos discos de Taylor: canções que fazem parte da mesma história, mas sendo contadas de pontos de vista diferentes por personagens, e em momentos diferentes de suas vidas.
O chamado “triângulo amoroso adolescente”, é formado pelas canções “betty”, em que James conta sua visão dos acontecimentos, “cardigan”, em que Betty tem a voz, e “august”, em que a garota com quem James trai Betty tem sua vez de falar. As faixas possuem nitidamente cenários e passagens intrínsecas entre si, se tornando uma verdadeira trilogia em formato musical de no máximo 5 minutos cada.
Em “exile”, dueto com Bon Iver, a cantora também prioriza os diferentes pontos de vista do término de um relacionamento com maestria.
Taylor foi de adaptar a já incansavelmente recontada história de Romeu e Julieta em “Love Story”, a mergulhar na complexa história de vida da antiga dona da atual residência da cantora em “the last great american dynasty”. Na faixa, Taylor exibe suas habilidades de composição ao recontar a vida de Rebekah Harkness, uma mulher que casou com um magnata americano e acabou sendo culpada por sua morte sem motivos. Em “mad woman”, essa reflexão recebe uma espécie de continuação, em que Taylor vira o jogo e aponta o dedo na cara daqueles que verdadeiramente “tornam” as mulheres loucas.
Taylor se compara com a história de Harkness ao ser considerada uma mulher “sem juízo” e culpada por tudo de ruim que acontece com o companheiro.
Em “epiphany”, difíceis histórias do passado e do presente se encontram, ao fazer referência à seu avô, Dean, que estava presente na Batalha de Guadalcanal em 1942, com os profissionais na linha de frente do COVID-19, que esperam que nos 20 minutos que tem para dormir, sonhem com algo que deixe a trágica realidade mais leve.
Memórias e o momento presente também se encontram e trazem, ao mesmo passo, dúvidas e esclarecimentos nas ótimas “invisible line”, “peace” e “hoax”.
O maior equívoco de Taylor, ao mergulhar de cabeça no pop, foi sentir que precisava abrir mão em alguma medida de suas letras imagéticas e detalhadas, a escrita confessional que a consagrou nos primeiros anos de carreira. Depois de quase uma década se aventurando no pop, Taylor prova que não perdeu o jeito. Mesmo quando Taylor abraçava sua sonoridade assumidamente e incansavelmente pop nos últimos quatro discos, podemos encontrar respiros de delicadeza e profundidade emocional em faixas como “Soon You’ll Get Better” e “Daylight”, de Lover e “New Year’s Day”, de reputation, que, em outra roupagem, poderiam muito bem encontrar seu espaço em meio às músicas de folklore.
Resgatando sua essência e aplicando tudo que aprendeu até chegar em seu oitavo álbum de estúdio, Taylor Swift entrega com folklore, mais do que nunca antes, de coração, seu melhor disco até hoje.