Um dedilhado de cordas somado a leves sopros abre os caminhos de “Asas”, primeira faixa de Um Corpo no Mundo, disco de estreia de Luedji Luna. A música é responsável por introduzir a suave voz da cantora nascida no bairro do Cabula, em Salvador, na Bahia, que contrasta com versos de uma indagação paradoxalmente certa: “para quê te quero asas? / se tenho ventania dentro”.

Esse furacão em forma de artista se apresenta ao mundo em um trabalho cuidadoso, que resulta do encontro das raízes africanas com a marcante vivência urbana em São Paulo. Entre afirmações poéticas, como o título de “Eu Sou uma Árvore Bonita”, e melancolias em forma de choro, ao longo da poesia de “Acalanto”, Luedji se firma como uma das revelações da música popular brasileira.

Em entrevista exclusiva ao Mad Sound, a artista fala sobre inspirações, processo criativo, papel da mulher negra e o sucesso da turnê de Um Corpo no Mundo. Após lotar o paulistano Auditório do Ibirapuera no último dia 22 de abril, passar pelo Rio de Janeiro e participar de um tributo a Itamar Assumpção em Salvador, Luedji segue para Porto Alegre nesta sexta, 4, no Agulha, com ingressos já esgotados. Abaixo, leia a conversa com a cantora na íntegra.

 

Mad Sound: Como estão os meses após o lançamento de Um Corpo no Mundo? A relação do público com o disco mudou a forma como se relaciona com seu próprio trabalho?

Luedji Luna: Os meses estão intensos, a agenda cheia, muita demanda por shows e pelo disco. Acredito que a única mudança pós-lançamento foi que mais pessoas passaram a me conhecer.

MD: Falando um pouco sobre a concepção do álbum, no financiamento coletivo que o viabilizou está especificado que ele é “uma proposta para se pensar em identidade, um olhar sobre si mesma a partir do contato, ainda que disperso, com os imigrantes africanos em São Paulo”. Como se deu esse “contato disperso”? E como ele te inspirou a fazer o disco?

LL: O contato se deu através do olhar, observar esses corpos negros como o meu transitando pela cidade me trouxe certo alento, e ao mesmo tempo um questionamento sobre qual daquelas “Áfricas” eu pertencia. Um Corpo no Mundo nasceu desse encontro.

MD: O disco fala sobre passagem, mas também sobre “não pertencimento”, um sentimento que está intrínseco à sociedade brasileira, mais excludente que inclusiva. Qual gancho foi responsável por despertar o “não pertencimento” em Um Corpo no Mundo?

LL: Um Corpo no Mundo é uma uma reflexão que surgiu do encontro com a imigração africana em São Paulo. O projeto se fundamenta na ideia do não pertencimento, do corpo que ocupa o espaço, mas não se identifica, e da necessidade de conexão com a ancestralidade, Essa inspiração nasceu dessa vivência, o fato de estar em São Paulo e não pertencer a cidade reproduz em pequena escala a sensação do que é ser negro da diáspora no Brasil.

A música também traz um questionamento sobre corpo, sobres quais são os corpos que merecem afeto, dignidade, respeito e amor. Eu cheguei em São Paulo em um momento em que estavam sendo noticiados muitos casos de xenofobia contra os imigrantes africanos na cidade, e a gente sabe que xenofobia no Brasil é racismo, porque os imigrantes não negros têm um tratamento completamente diferenciado.

MD: Em relação à política, para você a música é um espaço de luta ou de refúgio pessoal?

LL: Pra mim, as duas coisas imbricadas.

MD: O que é ser mulher negra para você? E qual o espaço da mulher negra na música brasileira?

LL: Ser mulher negra pra mim é ser potência, e hoje estamos trilhando uma nova narrativa na música popular brasileira.