Hiran aparece vulnerável e sensível como nunca em seu novo álbum Jaqueira (2023). O rapper que conquistou grandes nomes da música brasileira com os álbuns Tem Mana no Rap (2018) e Galinheiro (2020) troca as grandes batidas e o hip-hop enérgico por pouco mais que voz e violão em seu terceiro álbum de estúdio, mostrando uma nova faceta não só de sua arte, mas também de si mesmo.

A virada sonora pode surpreender em um primeiro momento. A escolha por um som mais sutil e desnudado veio das jornadas de autoconhecimento pelas quais Hiran passou na pandemia. Depois de anos vivendo no Rio de Janeiro e colhendo os frutos de seu trabalho, o compositor precisou voltar à sua cidade natal, Alagoinhas, e a reconexão com o lar proporcionou uma verdadeira jornada interior de volta ao seu “eu” menino.

“Fiquei tão acostumado a falar sobre os problemas de uma forma agressiva e imponente, que estar neste lugar de vulnerabilidade e de sutileza é uma dádiva que consegui, finalmente, me conceder”, comenta Hiran em comunicado de imprensa.

A simplicidade da vida longe da fama é refletida na sonoridade delicada de Jaqueira, feito com produção minimalista e conduzido em sua maioria pelo violão. Logo na capa do disco, somos apresentados a um Hiran visto de um ângulo completamente novo. O artista aparece com o tronco nu em meio à natureza, envolto em um abraço próprio que destaca sua vulnerabilidade; passa a impressão da necessidade de conforto em meio ao medo e à incerteza. Hiran está só e precisa acalentar a si mesmo em meio à imensidão do mundo natural.

“Céu” abre o disco com uma prece do artista em meio a um questionamento existencialista causado pela chegada repentina da pandemia e a imprevisibilidade da vida. A faixa reflete o estado mental em que Hiran se encontrava quando começou a trabalhar no disco, buscando registrar e canalizar tudo aquilo que estava vivendo e sentindo ao longo de seus processos.

Um dos pilares mais importantes nesse momento foi a espiritualidade. Buscando se reconectar com sua ancestralidade após um período frenético trabalhando na música, Hiran se iniciou no Candomblé. Filho de Oxum, ele fala sobre suas esperanças e a importância da prática espiritual em sua vida na faixa “Voz do Destino”, com a participação ilustre de Ivete Sangalo. Ele também ressalta a necessidade de conexão com suas raízes e seu passado nos versos: “Voz do destino / Deixe que eu chegue longe / Mas nunca me esqueça / Do meu eu menino”.

A esperança é o tema central das faixas de Jaqueira, mesmo naquelas que carregam em si uma grande camada de dor, como o coração partido em “Eu Não Queria Ir Embora” e o desabafo em “Ouçam Minha Voz”. O álbum também conta com as participações de Melly, que divide os vocais com Hiran em “Eu e Você”, e Colibri, que aparece em “Menina Doce” e “Eu Não Queria Ir Embora”.

A faixa de encerramento, “Jaqueira”, explica também o título do álbum, que surgiu de um comentário feito por um amigo de Hiran. Nela, ele compara a si mesmo a uma jaqueira: uma árvore que cresce ocupando todo o espaço que precisa, independente dos obstáculos em seu caminho. “Cresço embaixo dessa construção / Me espalhando no chão / Chego lá no fundão / E o que estiver por cima vai cair”, canta em um dos versos.

Em Jaqueira, Hiran desnuda seu crescimento emocional para poder crescer ainda mais no plano físico e material. Ao reconectar-se com suas raízes e fincá-las bem fundo na terra, o artista se põe vulnerável e livre para criar, ressaltando também sua versatilidade na música e sua potência enquanto compositor.