Não é novidade para ninguém que Ariana Grande sabe cantar. Aos 19 anos, quando estreou com o álbum Yours Truly (2013), ela já tinha chamado atenção e acumulado comparações a Mariah Carey pela capacidade de performar a famosa “voz de apito” e atingir notas altas com facilidade. Faixas que foram marcos na carreira, como “Dangerous Woman”, “Problem” e até mesmo “Bang Bang” – onde ela entra em uma batalha de vozes com ninguém menos que Jessie J –, ajudaram a consagrá-la como uma vocalista powerhouse; dessas que conseguem feitos impressionantes com pouco ou nenhum esforço.

Mais impressionante que ouví-la carregando canções inteiras em registros altíssimos é navegar por um álbum completo de Ariana Grande em águas mansas. Em eternal sunshine (2024), ela eleva o status de sua performance vocal ao encontrar diferentes maneiras de brincar com o potencial majestoso de sua voz. Ao invés de mostrar potência com vocais poderosos e pulmões a todo vapor, Ariana adota uma postura um pouco mais contida, apostando em falsetes, harmonias e melismas suaves que tornam sua performance enquanto cantora muito mais interessante e inventiva. 

Ao longo do disco, é possível localizar com precisão os momentos em que ela normalmente soltaria a voz sem pensar duas vezes, mas agora decide abrir mão do caminho mais fácil para explorar diferentes nuances com melodias criativas, malabarismos inesperados e uma maneira mais intimista de contar suas histórias mais pessoais. O resultado é um dos trabalhos de maior destaque em sua discografia.

O sétimo álbum de estúdio aconteceu como uma surpresa até mesmo para ela. Em meio às gravações da adaptação cinematográfica de Wicked, onde interpretará a Bruxa Boa do Sul, Glinda, Ariana se viu com tempo livre devido à greve de atores e roteiristas que paralisou Hollywood em 2023. Seus planos incluíam deixar a música de lado para curtir o retorno à carreira de atriz, mas a vida a levou de volta ao estúdio, mais por oportunidade que por vontade propriamente dita. Emocionalmente, o momento também era propício. Ela estava se divorciando de um casamento de dois anos e supostamente engatando um novo romance aos olhos do público, o que serviria de narrativa para seu novo disco.

Ariana Grande no videoclipe de “we can’t be friends (wait for your love)” (à esquerda), fazendo referência ao filme ‘Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças’ (direita).

O nome eternal sunshine faz referência ao filme de 2003 estrelado por Jim Carrey e Katy Winslet, Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind). A obra é uma queridinha dos cinéfilos de plantão e explora a ideia de uma realidade onde memórias inteiras da existência de um ex-amor podem ser apagadas para evitar a dor e o sofrimento da perda. O filme serviu de inspiração também para o videoclipe de “we can’t be friends (wait for your love)”, mas, diferente dos personagens que encontramos no longa, Ariana se lembra muito bem dos detalhes de seu casamento na vida real, o que deixa apenas o “brilho eterno” de uma relação que marcou profundamente sua vida. 

Com letras delicadas e momentos de total vulnerabilidade (como o soluço reprimido em “i wish i hated you”), eternal sunshine conta uma história de perda, luto, amadurecimento e a esperança de recomeço em um novo amor. Musicalmente, o álbum explora territórios familiares de maneira inédita para Grande, seja no dance pop de “bye”, o r&b delicioso de “the boy is mine” (referenciando o sucesso homônimo dos anos 90 de Brandy e Monica) ou no aceno para o house em “yes, and?”, que apesar de parecer mal colocada no disco serve como um bom single para as rádios e baladas. A faixa-título traz um hip-hop ameno digno de Post Malone, enquanto “ordinary things” se aproveita do mesmo gênero para deixar um gostinho nostálgico dos dias de thank u, next (2019) e seu flerte com o trap.

O som de eternal sunshine é diverso e cintilante, mas discreto. O uso de sintetizadores é suave, os instrumentos de corda compõem a base sonora, mas é a voz de Ariana o principal instrumento, conduzindo boa parte da atmosfera com harmonias muito presentes e espalhadas do início ao fim do disco. Seu trabalho vocal para interpretar Glinda parece ter feito toda a diferença no modo como ela agora se expressa vocalmente e também representou uma melhora significativa em sua dicção; não só ao cantar, mas também ao falar, como alguns fãs notaram devido a entrevistas concedidas por ela recentemente.

Com maturidade e inteligência emocional recém-descobertas (atribuídas por ela ao fenômeno astrológico conhecido como Retorno de Saturno), Ariana Grande se despe sonoramente e vocalmente para desabafar sobre seus sentimentos com vulnerabilidade e delicadeza nunca exploradas dessa forma em sua carreira. Ela não mais esconde suas dores atrás de vocais deslumbrantes e batidas dançantes, mas agora utiliza voz e produção para conduzir suas emoções através de cada faixa. Nos poucos momentos em que de fato solta o gogó (como no final de arrepiar em “true story”), a sensação é de satisfação completa, como se um ciclo se fechasse.

Em eternal sunshine, Ariana atesta que a marca de uma boa cantora não é necessariamente a grandiosidade dos feitos alcançados pela voz, mas sim como usá-la da maneira que sirva melhor às histórias que estão sendo contadas, além de explorar diferentes maneiras de fazer seus vocais brilharem.