A arte e a política estão constantemente ligadas. Não é necessário que uma esteja subordinada a outra, mas, como forma de expressão, é comum que a arte extrapole o campo da estética e transborde ideias de manifestações políticas. Isso acontece especialmente em momentos de crises de representatividade. A julgar pelo Lollapalooza 2019, é justamente por esse período que, não só o Brasil, mas o mundo, tem passado.

Os três dias do festival ficaram marcados por protestos vindos tanto do público quanto dos artistas. Uma das primeiras bandas a se apresentar na sexta-feira, o Fever 333, por exemplo, fez um discurso anti-Trump e um sobre igualdade de gênero. “Um show de rock não é um lugar para os homens tirarem a camisa e serem babacas. É um lugar para as mulheres se sentirem seguras, sem serem incomodadas. Um lugar para elas dançarem, pularem e fazerem o que quiser”, discursou o vocalista americano Jason Aalon Butler.

Ao mesmo tempo, no palco principal, os brasileiros do Scalene mostravam imagens de Aécio Neves e Jair Bolsonaro no telão. Junto com as fotos, que aparecerem durante a música “Distopia”, surgiram palavras como “fascismo”, “aborto” e “feminismo”. Mais tarde, a banda que veio do Alasca, Portugal The Man, subiu ao palco com um grupo indígena que protestou por demarcação de terras no Brasil. No telão, mensagens em favor do amor livre como “Se você não gosta de casamento gay, case-se com um hétero” rolaram soltas.

Já o segundo dia do festival abriu com Duda Beat e sua banda trazendo mensagens de “Foi golpe sim”, em referência ao controverso impeachment da presidente Dilma Rousseff. O show de Liniker e os Caramelows exibiu a frase “Ele não” no telão e o público fez o grito que ecoou em vários shows do festival, “Ei, Bolsonaro, vai…”. Já a cantora Letrux disse que não queria falar o nome do presidente do Brasil e levantou uma placa com o nome de Marielle Franco, ativista e política assassinada pela milícia carioca no ano passado.

Como era esperado, os rappers também fizeram seus protestos. Gabriel, o Pensador fez sua famosa “homenagem” a Michel Temer, e agora Bolsonaro, com “Tô Feliz (Matei o Presidente) 2”. Macklemore fez discursos contra o racismo e cantou o hino pró-LGBT “Same Love”. Kendrick Lamar, cuja discografia fala muito sobre como é ser negro nos Estados Unidos, narrou a violência policial em “XXX” e não diminuiu o tom político durante todo o show. O domingo ainda contou com a banda Aláfia discursando contra o atual governo. “Não compactuamos com o fascismo, não compactuamos com esse governo que está no poder”, declarou o vocalista Jairo Pereira. Uma faixa com os dizeres “Lula Livre” foi colada na bateria.

Do outro lado, no campo fértil para preconceitos que se transformaram os espaços de comentários da internet, leitores mais conservadores ironizavam as manifestações. “Festivalzinho Nutella”, “Geração mimimi” e “Paga R$1.000,00 para ir no show e ainda fica reclamando do governo” eram frases repetidas, praticamente idênticas, à exaustão.

O que muitos deles não devem ter entendido é que a arte, nesse caso a música, é um instrumento de empatia. Com ela, o ser humano é capaz de se colocar no lugar dos outros e olhar o mundo com lentes que não são as próprias, muitas vezes embebidas em privilégios. Uma luta não precisa ser sua para que você a apoie.

O mundo é um lugar complexo que permite aparentes paradoxos, como o valor do preço do ingresso e as acusações de trabalho escravo, por exemplo. Mas, enquanto a arte gerar empatia e pregar discursos igualitários e de unidade, um festival de música continuará sendo um ótimo lugar para a expressão política.

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