O mundo já era um lugar sombrio muito antes do fatídico ano de 2020 e Luiza Lian sabia disso. Foi em 2019 que ela e o produtor musical Charles Tixier começaram a trabalhar no álbum que viria a ser 7 Estrelas | quem arrancou o céu?, lançado na última sexta-feira, 28 de julho.

Atravessado por questões sociais, espirituais e políticas que já antecediam a pandemia, o quarto álbum de Luiza Lian poderia muito bem ter sido escrito e pensado nos dias mais recentes. A produção tecnológica de Charles, cheia de distorções e recortes, completamente imersa no mundo eletrônico, somada às letras reflexivas e desafiadoras de Luiza, fazem da primeira metade do disco um tipo de distopia futurista; um mundo onde pessoas mergulham dentro de espelhos e se perdem tentando encontrar o caminho de volta. A segunda parte representa as luzes que iluminam a estrada.

A imagem é lúdica, mas foi o que guiou Luiza Lian pelo conceito do álbum. É também a nossa porta de entrada para o disco, na faixa de abertura “A Minha Música É”. Nela, a voz límpida da cantora nos convida para dentro em meio a sons alienígenas criados por Charles: “A minha música é uma paisagem / Pra você entrar e fazer sua viagem / Luzes que nela correm são um espelho / Para cada um iluminar seu próprio caminho”. A parceria de Charles e Luiza já data de 12 anos e a conexão artística entre ambos é o que constrói um projeto tão excelente e imersivo como esse. Essencialmente, esse é um disco feito a dois.

O título 7 Estrelas | quem arrancou o céu? não tem um significado específico. É feito para representar a dubiedade do luminoso e o sombrio, apesar da ordem inversa que divide essas duas partes do álbum. A primeira parte questiona e desafia os hábitos modernos, mais especificamente a artificialidade da vida online e o quanto ela afeta a vida real. Na faixa de abertura, a força do verso “todo mundo fake, todo mundo mito, todo mundo morto” parece ganhar novo significado em uma realidade pós-pandêmica, mas originalmente se refere ao poder que o virtual parece exercer sobre o real, transformando-nos lentamente em seres mortos-vivos encarando uma tela.

Em “Tecnicolor”, a parceria de Luiza e Charles abre espaço para a presença de Céu, que continua os questionamentos da canção anterior, trazendo para a mesa também o lugar do afeto em tempos tecnológicos: “Beijei uma foto pixelada / E você nem sentiu”, encerra nos versos finais. O tema do desejo explorado à distância segue na sensual “Homenagem”, com clima mais leve e descontraído e um leve aceno ao brega pop. Já “Forca” e “Cobras Na Sua Mesa” são faixas mais subjetivas e quase cinematográficas, nos jogando em um cenário de terror político e jogos de poder.

A partir de “Viajante”, o disco se abre para um encerramento mais positivo, como o caminhar em direção à luz no fim do túnel. A poética e parcialmente falada “Eu Estou Aqui” reafirma o lugar de Luiza no mundo, enquanto ela reflete que, apesar das questões existenciais sem resposta e do cenário apocalíptico composto por “Terra plana / Carro Enguiçado / Rio de lama / Mar envenenado”, ainda existimos nesse planeta e ainda ocupamos espaço. Passando pelo acolhimento de “Desabriga” e o misticismo de “7 Estrelas”, o álbum se encerra no samba delicado de “Deságua”, trazendo um pouco de positividade em meio às trevas. A produção alegre mascara a tristeza dos versos, mas talvez parte da vida seja mesmo sorrir em meio ao caos.

Em 7 estrelas | quem arrancou o céu? a parceria de sucesso entre Luiza Lian e Charles Tixier toma novos contornos, cada mais criativos, experimentais e profundos. O resultado é um álbum que contém em si todo um universo próprio e que nos puxa para dentro desse espelho. E nós, assim como Alice, não temos escolha a não ser mergulhar no País das Maravilhas.