“Se eu soubesse desde o início / Mudaria algo?”. É a pergunta que Luke Hemmings se faz em “Bloodline”, penúltima faixa de seu primeiro álbum solo, When Facing The Things We Turn Away From. Como um fantasma indesejado para o qual não queremos olhar, a assombrosa música lida com o tema do vício recorrente na família e traz um inquietante questionamento: se as coisas que nos destroem são maldições genéticas, nós temos como escapar delas?

Para alguém que viaja o mundo desde os 16 anos, escapar de duras verdades e virar as costas para questões incômodas é uma realidade. Na estrada desde a idade escolar com a banda 5 Seconds of Summer, foi só depois de uma década de viagens, memórias e histórias que Luke plantou os dois pés em casa – assim como todos nós – e finalmente encarou a bagagem que se acumulou ao longo dos anos. No dia 13 de agosto de 2021, o artista mostrou ao mundo o resultado dessa profunda imersão em si mesmo, se abrindo pela primeira vez sobre seus problemas com o abuso de substâncias, a constante sensação de vazio e uma série de questões existenciais envolvendo o tempo e a impotência diante da passagem da vida.

Exatos 14 anos antes, em 13 de agosto de 2007, quando tinha apenas 11 anos de idade, Luke Hemmings criou um canal no YouTube que mudaria sua vida para sempre. Chamado Hemmo1996 – uma referência a seu sobrenome e ao ano em que nasceu -, o perfil logo receberia covers solo como “Please Don’t Go”, de Mike Posner, e impulsionaria a imagem de uma banda formada entre amigos no colegial: a 5 Seconds of Summer. 

O momento fatídico em que aquela criança decidiu exibir seu talento na internet desaguou em uma série de eventos tão grandiosos que levam ao questionamento trazido pelo próprio cantor: se ele soubesse onde aquele simples ato iria parar, isso mudaria alguma coisa? Teria impedido seu contato com substâncias que levariam ao vício? Mudaria sua percepção de mundo? Quando Luke subiu em uma van com seus três melhores amigos em 2012 para abrir a turnê da One Direction, a maior boyband daquele momento, seu futuro passou a trilhar um caminho sem marcha ré e sem ponto de parada. Até agora.

Aos 25 anos, Luke Hemmings disseca suas memórias, sentimentos e experiências acumuladas com uma carga emocional característica de alguém duas vezes mais velho. Apesar da pouca idade, 25 pode parecer uma eternidade quando a vida começa a se mover muito rápido desde os 15. Durante os últimos dez anos, o jovem cantor australiano precisou se encontrar e reencontrar diversas vezes enquanto levava uma vida avançada demais para alguém que não tinha sequer formado completamente sua personalidade ainda. Finalmente, seja por circunstância ou golpe do destino, chegou a hora de pisar no freio e absorver. Pela primeira vez, ele apresenta um lado ainda desconhecido do público e talvez até de si mesmo: quem ele é quando não está em uma banda.

When Facing The Things We Turn Away From é uma obra delicada e densa que lida, majoritariamente, com a passagem rápida e cruel do tempo e o estado imaterial e não duradouro das coisas. Logo no single de estreia e faixa de abertura, “Starting Line”, Hemmings divaga sobre a sensação de perder memórias que vão se apagando ao longo dos anos devido ao imenso volume e fala com certo desespero sobre a sensação de correr contra o tempo ou sentir-se atrasado, como se tivesse “perdido o tiro inicial na linha de largada”. Logo depois, na sonhadora “Saigon”, ele se refere ao tempo como algo que deixa de existir quando se está apaixonado, mas demonstra uma pitada de melancolia ao constatar que “você nunca sabe o quão bom esses momentos são quando está dentro deles.” A temática é retomada mais adiante na minimalista “Repeat”, que mostra um Luke atormentado pela ideia de que seu reflexo não vai permanecer o mesmo conforme o passar dos anos.

Toda a densidade do tempo e da idade leva à busca por escapismo, representada em uma série de faixas espalhadas ao longo do disco. Criando uma viagem etérea e introspectiva, Luke Hemmings mistura elementos do dream pop moderno com uma sonoridade retrô em seu álbum de estreia, mostrando traços de Fleetwood Mac na encantadora “Baby Blue”, que nos leva por uma jornada fantasiosa até o País das Maravilhas – um modo imersivo de ilustrar a fuga da realidade enquanto o cantor admite: “eu ainda sou a criança que eu era / eu estou fugindo de tudo”.

Atada a essa mesma sensação, Luke Hemmings traz um tom psicodélico na poderosa “Motion”, resgatando elementos do power pop enquanto embarca em uma viagem alucinógena pelos confins da própria mente. Os altos e baixos proporcionados pelo efeito das drogas e o momento de ressaca podem ser sentidos na distribuição das músicas do álbum, frequentemente intercaladas com faixas enérgicas seguidas de baladas minimalistas. É o exemplo da romântica e quase sideral “Place In Me”, que segue a frenética “Motion” e oferece pontos de clareza em meio à bagunça de memórias e sentimentos, ainda causando um efeito dilacerante.

O Lado B do disco apresenta imersões mais profundas e pessoais, iniciado pela sombria e aflita “Mum”, que traz um aspecto um tanto gótico, utilizando elementos de coral, tambores e violinos para criar uma atmosfera quase mística enquanto um Luke agonizante se encontra afundando em imensa solidão: “Você não sabe que eu sou muito jovem? / Não consegue me ouvir chamando por você?”. Essa é uma das faixas escrita da perspectiva de um Luke muito mais novo e inexperiente, assim como a pesada “Diamonds”, que pela primeira vez sinaliza um possível transtorno alimentar e revela, surpreendentemente, que Hemmings acredita ser “muito mais velho do que achava que seria”.

Seja pela idade literal ou apenas pela carga de experiências que fazem os 25 anos pesarem como se fossem muito mais, Luke Hemmings aterrissa em sua busca por identidade na suave e honesta “Comedown” – uma faixa que resume todos os temas do álbum na busca por respostas, o conforto do escapismo e a transição constante entre erros, acertos e a tentativa de encontrar o caminho, mesmo quando olhar para si mesmo é muito difícil.

Em When Facing The Things We Turn Away From, Luke Hemmings pinta um retrato sincero, visceral e por vezes abstrato de quem ele foi ao longo dos últimos 10 anos e de quem é agora. Para os fãs que o acompanharam brilhar dentro da 5 Seconds of Summer,  encarar a imagem crua da pessoa que existe por trás dos cabelos dourados e pálidos olhos azuis pode ser uma descoberta tão esmagadora quanto a própria jornada de autoconhecimento do cantor. Ao se perder em toda a nostalgia, incerteza e efemeridade enlouquecedora da vida, Luke deu ao público a mais fiel representação de algo que eles ainda não conheciam: ele mesmo.