Texto por Joana Söt

Se você está aqui, provavelmente sabe que The Smile é o projeto formado pelos integrantes do Radiohead Johnny Greenwood e Thom Yorke, juntamente com Tom Skinner, percussionista de altíssimo nível. Não há necessidade de ser obcecado pelos nomes anteriormente citados para saber também que desde o Radiohead, Paul Thomas Anderson (ou PTA para os cinéfilos de plantão), colabora com Thom Yorke na materialização visual das músicas do artista. 

Na noite de ontem, 22, no Cineclube Cortina, a Formusic e a Dmusic trouxeram a São Paulo a experiência de estreia do mais novo álbum do The Smile, Wall of Eyes, que conta com um filme em película do processo de produção das músicas, que foram gravadas no icônico estúdio Abbey Road. 

Após a sessão (que para surpresa dos presentes no evento foi muda), a audição começou com animações de desenhos que ilustravam as faixas. A primeira, “Wall Of Eyes”, já lançada pela banda como single, abriu o disco com a certeza de que The Smile é uma banda de experimentações familiares. 

Os visuais, parecidíssimos com os da fase do TKOL Remix do Radiohead, principalmente, seguido pelas montanhas geladas do Kid A. As guitarradas de Jonny Greenwood durante o álbum todo lembram de forma precisa todo o AMSP.

Mas The Smile contém uma certa “classe” que Radiohead não possui: Thom arriscando a voz nas frequências, brincando musicalmente com o corpo, o complemento do filme do PTA e o álbum todo são uma experiência física. O filme mudo, todos encarando a tela – talvez daí o nome Wall of Eyes -, a completude e complexidade do projeto em níveis mais maduros marcam uma era ainda mais preciosista (que já aparecia desde Anima) em Yorke. 

A terceira e quarta faixa trazem muito a sonoridade de “Present Tense” – os violinos deixam a marca de um presente apocalíptico mas descompassado (ainda mais em “Friend of a Friend”) que é retratado por uma cratera de gelo (impossível não lembrar do futuro sem futuro do Kid A), mas que vai-e-vem, transborda mas não cai, assim como as variações da música e a voz de Thom. Os reverbs ao fim das faixas deixam quase impossível de visualizar a linha fina entre o novo projeto do The Smile e Radiohead.

Em “Bending Hectic”, a voz predominante de Thom, algo melancólico que de novo se volta dentro de si mesma, entre pinheiros e rios fluentes em azul celeste e um bege identitário do The Smile, firma a potência da produção por trás do disco. 

Mas afinal que jornadas são essas? As figuras pontiagudas das montanhas são muito mais internas, na verdade – elas possuem olhos. E veias, e movimento, e organismos que se ligam e falam sobre sensações que perpassam o ar e entram no mais profundo que há em nós; na nossa essência – naquilo que é primitivo; atávico; que permeia nossas primeiras memórias.

Estávamos certas: As crianças. Não é surpresa que Thom Yorke as traga na reflexão do álbum. No fim da sessão, The Smile se apresenta com “Friend of a Friend” para um grupo de crianças que um dia vai agradecer pela experiência. Humor à parte, há uma descoberta, de ambas as partes – e todos entendemos, embora não possamos ainda nomear esse enorme sentimento. Talvez a infância? As origens? Ou simplesmente a auto-reflexão?

A sessão de quase duas horas terminou com a exibição de singles do Radiohead previamente lançados que também foram dirigidos por PTA, numa coleção quase nostálgica com “Present Tense”, “The Numbers”, e “Daydreaming” – músicas que poderiam facilmente se encaixar em Wall of Eyes, junto com “Decks Dark”: Todas presságios de um presente que passa quase sempre despercebido por nós, meros mortais.

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