Texto por Nando Machado

Em primeiro lugar, preciso pedir desculpas pela demora em escrever esse texto, estava bem ocupado indo em reuniões com executivos do mercado da música na Austrália, em Sydney e em Melbourne, além de ainda estar me recuperando da longa viagem e do fuso horário terrível que me deixou sem dormir por muitas noites.

Foi a minha quinta visita ao país desde abril de 1991, um lugar parecido com o Brasil em tamanho e clima, com praticamente a população de São Paulo. Fico extremamente feliz com a relação de amizade que mantenho com muita gente do mercado da música do país. Agradecimentos especiais aos meus queridos amigos da iniciativa de fomento e exportação de música da Austrália, o pessoal do Sounds Australia, sem vocês nada disso teria sido possível: Glenn, Millie, Dom e Esti.

Depois de 4 anos, essa foi a minha segunda vez participando da conferência/festival BIGSOUND, que acontece há 22 anos na cidade de Brisbane, nordeste da Austrália, mais exatamente no bairro boêmio da cidade, “Fortitude Valley”. O evento, que aconteceu entre 5 e 8 de setembro, é uma série de painéis, palestras, festas patrocinadas, e shows, muitos shows. Mais de 500 palestras e painéis, 1700 convidados, mais de 150 artistas em 20 casas de shows, de todos os estilos e de todos os tamanhos.

Fui convidado pelo governo de Queensland, o departamento de desenvolvimento e de música do estado, QMusic, e pela própria conferência com quem mantenho uma relação de amizade há muitos anos (Kris e Kathie, obrigado!). Eventos como esse, maiores e menores, acontecem em várias partes do mundo, incluindo no Brasil (SIM São Paulo, Rio Music Market, Hack Town, Trends, Rio2C, etc) e tem como intuito principal, no caso do BIGSOUND, promover a cultura e a música feita na Austrália tanto no mercado local como expandir e exportar esses artistas para outras partes do mundo, incluindo o Brasil.

O slogan do BIGSOUND é, “Descubra o Futuro da Música”, e eu acredito que eles estão certos. Não só pelo fato da Austrália estar 13 horas à frente do Brasil, 9 horas à frente de Londres ou 17 horas à frente de Los Angeles, mas por acreditar que eles tem realmente um ecossistema que proporciona uma diversidade e uma originalidade tão grande, que realmente dá a impressão de estarmos diante do futuro da música, ali, bem na nossa frente.

Algumas coisas chamam muito a atenção na música feita na Austrália: o respeito que todos têm com os povos originários, o investimento e apoio financeiro que o mercado da música tem dos governos estaduais e federal, a estrutura de som e luz que praticamente qualquer casa de show, pub ou estúdio proporciona, e a qualidade e originalidade dos músicos, bandas e artistas. Tentando encontrar os motivos para essa qualidade e originalidade, eu penso em duas coisas principais: educação de música nas escolas – na Austrália existe um incentivo muito grande para que crianças e adolescentes aprendam a tocar um instrumento musical ou participem de atividades relacionadas à música e outras atividades artísticas – e a outra é a posição geográfica e insular da Austrália, um país isolado e distante geograficamente, ainda muito jovem, com uma imigração muito diversa e super multicultural.

Tem (muitas) coisas que só existem na Austrália: os mais famosos cangurus e coalas, mas também os simpáticos equidnas e ornitorrincos. No esporte o extremamente popular e emocionante Australian Rules Football, e na música artistas como AC/DC, Midnight Oil, INXS, Tash Sultana, The Casanovas, Hoodoo Gurus, Cold Chisel, Rose Tattoo, The Chats, Nick Cave, Tame Impala, Silverchair, JET, The Vines, Magic Dirt, Spiderbait, Courtney Barnett, John Butler Trio, Wolfmother, Hunters & Collectors, Yothu Yindi, Kylie Minogue, Xavier Rudd, Baby Animals, Empire of the Sun, The Teskey Brothers, Thelma Plum, DZ Deathrays, Press Club, DUST, The Saints, Amyl and the Sniffers, Grace Cummings, Airbourne, King Gizzard, Lime Cordiale, Sheppard e muitas, muitas, muitas bandas e artistas únicos e talentosíssimos.

Mas vamos falar do BIGSOUND 2023 e o que eu vi nessa edição. Não vou cometer a injustiça de falar dos melhores ou mais promissores artistas que eu vi, mesmo porque é impossível ver tudo que acontece no evento – mais um motivo para voltar para a Austrália em breve. Mas vou falar de alguns que me chamaram muito a atenção. Espero que você siga, ouça e incentive esses (e outros) artistas que estiveram no lineup do BIGSOUND e fique à vontade para ouvir e seguir a playlist do evento no Spotify.

Ben Swissa (pra quem gosta de Prince, ele tem 17 anos!), Becka Amani (pra quem curte Erykah Badu), Charm of Finches (Folk, lindas harmonias vocais), Coldwave (Indie Rock) , Dean Brady (R&B/Soul), Delivery (Indie/Punk Rock), Felivand (Pop/Soul), Full Flower Moon Band (Rock, adorei essa banda), Glenn Skuthorpe (Folk/First nations), Gauci (Indie Synth Pop), Haters (Punk Rock), Logan (pra quem curte Talking Heads, o vocalista tem molas no corpo), Mazbou Q (Hip Hop Maori da Nova Zelândia), Matilda Pearl (Synth Pop), Valtozash (Black Metal com naipe de 10 metais!) Porpoise Spit (Rock), Reb Fountain (cantora incrível da Nova Zelândia, Rock/Blues), Sachém (Rap), Steph Strings (Folk, pra que curte John Butler Trio, Rodrigo y Gabriela), Southeast Desert Metal (Banda de Metal com elementos dos povos originários da Austrália), The Grogans (pra quem curte Flaming Lips, Dinosuar Jr, etc), Delaney Davidson (se Johnny Cash tivesse nascido na Nova Zelândia), The Omnific (trio instrumental de Metal progressivo, dois baixistas e um baterista fazem a gente não sentir falta de guitarristas ou de baixistas. Os caras tocam muito!), Thunder Fox (soul Music dançante, excelentes harmonias vocais), Trophie (cantora e compositora de Sydney, som futurista e distópico), Úla (Pop/bubble gum).

Realmente muitas bandas e artistas excelentes, muitas bandas com mulheres, diversidade total de gêneros e de cores. Além disso, é muito legal ver a camaradagem entre as bandas, muitos músicos e artistas assistindo os shows de seus colegas antes ou depois de tocar. A participação do público também é importante demais, muita gente lotando as casas de show para ver artistas fazendo som 100% autoral.

O rock parece ter voltado a ocupar um lugar importante de protagonismo, pelo menos pela quantidade de guitarras. O que mais me agrada no BIGSOUND é a “musicalidade” em todos os artistas, excelentes músicos e cantores, foco total na composição, ótimas músicas, originais, melodias e harmonias ricas. Dá uma alegria enorme acreditar que esse é realmente o futuro da música! 

É importante também mencionar a organização impecável do evento: qualidade de som e estrutura das casas de show foram impressionantes, tudo acontece no horário, som e luz excelentes, em todas as casas. Impressionante como a Austrália valoriza seus artistas, sua cultura local e seus povos originários. Realmente um modelo que deveríamos seguir no Brasil pois é uma forma saudável de gerar receita, empregos e valorizar a imagem do país para o resto do mundo, só isso já vale muito a pena.

Outra coisa que sempre me impressiona quando venho pra cá é a camaradagem dos players do mercado, empresários, gravadoras, distribuidoras, editoras, agentes, empresas de merchandising; convivem em harmonia entre si, e na maioria das vezes são amigos. Acho que isso vem da palavra mais usada no país: “mate”. É a forma como as pessoas se tratam em qualquer horário, ambiente ou lugar. “Mate” quer dizer amigo, camarada, parceiro, e o mercado da música da Austrália tem essa característica de parceria, amizade e “mateship”.

Pra mim o BIGSOUND já deixou saudades, que dá pra resolver ouvindo as músicas desses novos, promissores e talentosos artistas com quem eu tive o privilégio de interagir durante os 4 dias do festival, e que agora permanecerão ressoando nas minhas playlists por muitos e muitos anos.

Espero que você se interesse, conheça, ouça e siga esses grandes artistas. Espero que a gente possa de alguma forma se espelhar na organização deste evento e no modelo do mercado da música australiano. A proximidade e a amizade entre os dois países só pode ser extremamente positiva, para todos nós. Tem muitas coisas que podemos aprender com os australianos, e com certeza, ensinar também. Viva o BIGSOUND, espero voltar novamente para essa cidade maravilhosa que é Brisbane e reencontrar tantos amigos incríveis. See ya later mate!

Nando Machado é sócio-fundador do grupo ForMusic, do qual o Mad Sound faz parte.

Tags:
Categorias: Coberturas Notícias