Com Christine and the Queens e Arlo Parks pela primeira vez no Brasil, o C6 Fest estreou na última sexta-feira, 19, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Apesar do público reduzido, o festival criou um ambiente perfeito para sediar shows poderosos de artistas já reconhecidos no circuito internacional, que ainda estão em nichos por aqui – mas que prometem conquistar plateias cada vez maiores.

O evento aproveitou a estrutura existente no parque para acomodar os diferentes palcos, respeitando a geografia do lugar ao montar as estruturas. Quem chegou depois do horário comercial teve a experiência de caminhar pelo Ibira noturno no trajeto aos palcos, devidamente sinalizados por guias com luzes que indicavam o caminho. 

Já dentro da Tenda Heineken, de palco alto e proporção surpreendente, o público dividiu espaço com árvores situadas no meio da pista. O que poderia ser um problema de visibilidade em caso de muvuca se tornou, ali, mais um elemento bem-vindo da ambientação para os shows da noite. 

Talvez prevendo as dificuldades causadas pelo trânsito caótico da cidade no último dia útil da semana, o evento concentrou as principais atrações do primeiro dia na Tenda Heineken, com shows a partir das 17h, com Xênia França. A indicada ao Grammy Latino e única representante brasileira do palco conquistou pela voz poderosa. 

Na sequência, o line-up do C6 Fest trouxe uma trinca de nomes europeus que se apresentavam no Brasil pela primeira vez, a começar com o post-punk do Dry Cleaning, às 18h. Os londrinos fizeram um set sonhador sob a liderança dos vocais sereianos de Florence Shaw, vocalista de olhos turvos, como quem contempla o mundo de outro lugar ao cantar. Esse clima etéreo foi acompanhado pelo público, um jardim de corpos dançando espaçadamente na plateia, cada qual imerso na própria mente, mas prontos para aplaudir e interagir no intervalo de cada música, quando o feitiço parecia ser suspenso. 

Pouco depois das 19h, foi a vez de Arlo Parks entrar em cena para o show com mais fãs dedicados da noite. Revelação dos tempos de pandemia, quando lançou o primeiro álbum de estúdio, Collapsed in Sunbeams (2021), a britânica de 22 anos chegou com uma voz enorme e o carisma de uma artista sem disfarces.

Com uma iluminação que parecia a envolver em raios de sol, Arlo é o nome do primeiro dia da Tenda Heineken que mais toca nas rádios brasileiras. E o show no C6 Fest se mostrou um experimento interessante: a artista já tem uma base de fãs considerável no Brasil, algo perceptível pela animação com a qual músicas como “Blades” e “Hope” foram cantadas. “Eu vi todas suas mensagens pedindo para eu vir pro Brasil”, comentou a cantora, que se mostrou um tímida e grata com os gritos da plateia.

Ao ver a recepção de Arlo Parks diante de um público pequeno, fica a expectativa de Arlo Parks entrar no line-up de festivais de grande público indie e pop no Brasil, como Lollapalooza e Primavera Sound, na próxima turnê. No dia 26 de maio, a artista lança o segundo álbum da carreira, My Soft Machine (2023).

O responsável por fechar a noite foi Christine and The Queens com um show visceral e de profundidade artística raramente vista no pop, mesmo entre o meio mais alternativo. Dono de uma voz brilhante e capaz de preencher a noite, o cantor francês trouxe um repertório equilibrado de boa parte dos discos já lançados da carreira, assim como o elogiado EP La Vita Nuova, mas focado na narrativa que antecede o lançamento do álbum PARANOIA, ANGELS, TRUE LOVE, anunciado para 09 de junho. 

O show teatral começa com Redcar – tanto nome, quanto persona assumida pelo artista no último ano – vestido com uma saia branca pomposa, que é retirada em um ato intenso e dramático de quem encontra a verdadeira personalidade em “Ma bien aimée bye bye”. 

As palavras de Chris no palco não são necessariamente uma conversa com a plateia, mas um monólogo sobre amor e sexo, vida e morte na visão de um poeta intenso. Ao cantar, o artista faz vocais ainda mais altos e complexos do que as versões em estúdio, sem economizar voz ou energia nos movimentos sempre graciosos, mas que se tornam quase violentos no trecho mais rock da apresentação. 

Passando por favoritas dos fãs como “People, I’ve Been Sad”, “It” e “Tilted”, o show se encerrou com a vulnerabilidade contagiante de ‘To Be Honest”, com o cantor vestido de anjo e um agradecimento. “Obrigado por essa noite”, se despediu. 

O primeiro dia de C6 Fest na Tenda Heineken trouxe uma curadoria coesa, de nomes nos quais fãs de música alternativa devem ficar de olho. Caso se torne um festival recorrente, o evento já tem um recorte de público bem definido, mas tem o desafio de trazer uma comunicação mais acertada e talvez preços mais acessíveis, para que shows de altíssima qualidade não sejam vistos por plateias tão reduzidas em comparação com o potencial que possuem. A cobertura do C6 Fest pelo Mad Sound continua até domingo, 21. com fotos de Marcela Lorenzetti.

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